A mulher quase se põe em bicos de pés para ver melhor: “É aquele magrinho!” “Eu sei”, responde-lhe a amiga. “Vejo-o todos os dias na televisão.” O que ela quer é saber em que telejornal se arrisca a aparecer.
A resposta chega-lhe com o bulício num outro ponto da Praça Salgueiro Maia, no Entroncamento, onde uma pequena multidão vai a caminho do mercado. Há bandeiras no ar e repórteres das três cadeias televisivas, das rádios e de alguma imprensa escrita. As duas amigas estão no meio da confusão e, num abrir e fechar de olhos, vêem-se cercadas. Quando o coordenador do Bloco de Esquerda, Francisco Louçã, pespega dois beijos em cada uma e lhes entrega um jornal de campanha, têm quase assegurada a presença nos noticiários.
Naquela cidade, nesta manhã de sábado, 12, véspera do arranque oficial da campanha para as legislativas, mais do que o desafinado hino bloquista, são os resultados das europeias e as sondagens (que atribuem entre 10 e 16% das intenções de voto ao partido) que dão gás à arruada, na cidade ribatejana. Cidade onde Louçã regressará, logo na segunda-feira seguinte, para um comício. Não só para explicar porque defende o fim dos benefícios fiscais dos PPR, mas porque este palco lhe poderá garantir a eleição do cabeça-de-lista pelo distrito de Santarém José Guilherme Gusmão, economista, 33 anos. Em Junho, o BE arrancou uns fenomenais 20 por cento.
Noutros municípios do distrito chegou aos 16%, para uma média distrital acima de 12 por cento.
‘DETERMINAR POLÍTICAS’
Louçã anda na estrada desde Maio. Só em Julho e Agosto calcorreou mais de 40 mil quilómetros de norte a sul do País, munido do slogan “Justiça na Economia” e de um programa que faz das respostas à recessão económica a grande bandeira. Os seus alvos têm sido o PS, o PSD e a maioria absoluta. Um ponto assente parece ser o de não hostilizar o eleitorado comunista.
Jerónimo de Sousa tem sido poupado.
Já na sua carrinha de campanha, no caminho entre Tancos e Abrantes, percorrendo um troço de estrada íngreme e esburacado, Louçã diz que o Bloco “tem condições para determinar políticas”. Insiste na “urgência de reconfiguração da esquerda “. Fala do objectivo de médio e longo prazo: a constituição de uma maioria de esquerda que rompa com a rotatividade PS-PSD no poder e que seja uma alternativa de Governo. No ar, fica a ideia de que uma aproximação ao PCP dependerá, em última análise, deste.
Além de Santarém, o Bloco espera eleger, pela primeira vez, deputados em Faro, Coimbra, Leiria e Aveiro. E aumentar, em Lisboa, Porto e Setúbal.
O BE cresceu de forma mais ou menos linear, em todo o País e não apenas no litoral ou nas regiões de forte tradição comunista e operária. Foi a terceira força mais votada nas europeias, para se tornar, nas palavras de Francisco Louçã, uma força alternativa e popular. O que conseguiu, segundo Louçã, com empatia directa.
“Pessoa a pessoa”, com dois beijinhos a cada uma, se for preciso.
>> A evolução
Nos seus dez anos de existência, o Bloco foi crescendo, sucessivamente, como uma banda rock: da sala da Voz do Operário para a Aula Magna e, agora, para o Pavilhão Atlântico.