“Recebemos outro aviso da Roskomnadzor [organismo que regula os media]. Na sequência disso, suspendemos a publicação do jornal no site, nas redes e no papel – até o final da “operação especial no território da Ucrânia. Atentamente, os editores da Novaya Gazeta.” Foi assim, com esta mensagem curta, que se despediu, por agora, o último grande jornal russo que ainda praticava um jornalismo independente e livre (dentro dos limites apertados impostos pelo Kremlin).
A situação do jornal já era muito difícil. A 22 de março, quando o seu diretor, Dmitry Muratov, anunciou que ia leiloar o Nobel da Paz para ajudar os refugiados ucranianos, a Roskomnadzor fez o primeiro aviso. O segundo chegou agora, horas depois de uma entrevista que Volodymyr Zelensky deu ao Novaya Gazeta e a outros órgãos de comunicação (a entrevista não chegou a ser publicada). A notícia não surpreende, atendendo à perseguição de que o Novaya é vítima há anos, por parte do regime russo.
Fazer jornalismo na Rússia não é fácil, mas no Novaya Gazeta significa arriscar a vida. Desde que Putin se tornou Presidente, foram assassinados seis repórteres do jornal, que trabalhavam em investigações relacionadas com o Kremlin e a sua esfera. A coragem de continuar a informar nestas condições esteve por trás da atribuição do Nobel da Paz a Muratov (juntamente com a jornalista Maria Ressa, das Filipinas), no ano passado.
Se já era difícil reportar em condições normais na Rússia, como é que um jornal como este lidou com as limitações impostas desde que começou a guerra? A primeira decisão, ao fim de uma semana de frustrações, foi não reportar de todo: a 4 de março, Muratov anunciou que o jornal cessaria de publicar notícias sobre a invasão.
No dia 16, no entanto, recuou e recomeçou a cobrir o assunto. Mas era um jogo constante do gato e do rato, com os jornalistas a tentarem fazer o seu trabalho sem cair nas armadilhas do Kremlin. Um passo em falso e podiam acabar na prisão – ou pior.
Por exemplo, o Novaya Gazeta noticiou as manifestações da população ucraniana contra os ocupantes em Kherson. Mas fê-lo de uma forma habilidosa. “Em Kherson, pessoas em uniformes militares dispersaram uma manifestação pacífica de moradores locais.” O texto continua, sem dizer contra quem as pessoas protestavam nem nomear o Exército russo, apesar de deixar claro, mais à frente, que “o Ministério da Defesa anunciou que Kherson ficou sob o controlo dos militares russos”.
O mesmo truque é aplicado num artigo sobre o rapto de jornalistas. “Em Melitopol, que está sob o controlo dos militares russos desde o final de fevereiro, homens armados sequestraram jornalistas do jornal Melitopolskiye Vedomosti e o seu editor, Mikhail Kumok.”
O Novaya Gazeta reportou também a detenção de um jovem de 20 anos, em Yoshkar-Ola, que se havia escondido no sótão da casa para escapar à recruta, acrescentando que é o 15º caso do género na cidade este ano (uma forma subtil de mostrar que nem todos estão entusiasmados com a guerra). E noticiou a morte de Boris Romanchenko, um sobrevivente do Holocausto, de 96 anos, que resistiu a quatro campos de concentração nazis. “Foi morto durante o bombardeamento da sua casa, em Kharkiv.” Não se diz quem lançou as bombas. Mas fica subentendido.
O jornal nunca escrevia a palavra “guerra”, mas sim “operação militar especial”, tal como o Kremlin impõe. Ao contrário dos outros jornais, porém, fazia questão de usar a expressão entre aspas. Sempre.