Conheceram o amor e celebraram-no em tempo de guerra, mas nunca pensaram que voltariam a passar por isso, num outro tempo e lugar. Andrey Ivanishchev, 32 anos, e Maria Ivanishcheva, 33, conheceram-se em Mariupol, na Ucrânia, há 11 anos, quando ele estava a passar férias na cidade. O namoro entre a professora de matemática ucraniana e o engenheiro informático russo manteve-se à distância ao longo de três anos, com visitas ocasionais dele, a viver em Portugal desde os 13 anos.
Em 2014 decidiram casar e viver no nosso País, mas o pior estava para vir. “Fui com os meus pais a Lugansk para comprar o vestido de noiva e começámos a ouvir bombas a cair”, recorda Maria, num português que surpreende para quem reside cá há oito anos.
O momento da celebração coincidiu com a invasão de Donetsk e Lugansk e a boda, que seria em Krasniy Luch (na região de Donetsk), acabou por realizar-se em Mariupol. “Só não prevíamos que muitos dos convidados não conseguissem voltar, devido aos ataques, que foram travados pelo exército ucraniano”, acrescenta Andrey. Estavam longe de imaginar que, tantos anos depois, voltariam a passar por um novo pesadelo.
Ajudar a superar o trauma
Desde que se instalaram em Portugal – na Póvoa de Santa Iria, no concelho de Vila Franca de Xira – foram pais por duas vezes e têm feito visitas à Ucrânia, mas nunca às regiões ocupadas, só a Kiev e Mariupol que, ironicamente, também está a ser ocupada. É lá que está a irmã de Andrey, que vive com o marido, ucraniano, ao passo que os pais de Maria permanecem em Donetsk.
O casal mal dormiu desde que rebentou a guerra. “É impossível ver as notícias e ouvir o nome das cidades sem pensar nas nossas famílias, sem as poder abraçar”, desabafa esta mãe, com voz trémula. Para o marido, a separação das famílias é outro nó na garganta: “Até ontem, era possível a um agregado passar a fronteira, desde então, o País já não deixa sair os homens com idades entre os 18 e os 60 anos, porque estão alistados no Exército.”
Neste cenário dantesco, a última coisa a fazer era cruzar os braços. “Chegaram-nos relatos de falta de água, medicamentos, gasóleo e geradores, pois já há quem não tenha eletricidade e, com temperaturas negativas, os agasalhos não são uma opção”, esclarecem.
“Enquanto o mundo vê a Ucrânia a ser devorada, o mínimo que podemos fazer é ajudar.” Por pertencerem à igreja A Casa da Cidade, que está em contacto com várias comunidades na Ucrânia, divulgaram um vídeo no Instagram com a intenção de angariar fundos para quem está a sofrer, disponibilizando uma conta bancária para esse fim (PT50 0033 0000 4528 5301564 05 – com a palavra UCRÂNIA no descritivo).
Embora o sistema bancário do País tenha sido atingido, “ainda se consegue receber dinheiro das contas estrangeiras”. Parte dos donativos serão enviados para as comunidades locais na Polónia, que já estão a receber muitos refugiados na fronteira. O casal lembra ainda que “uma dessas igrejas foi construída por gente que fugiu, em 2014; eles sabem melhor do que ninguém o que é preciso no terreno.”
Fé num amanhã diferente
Entre as notícias que lhes partem o coração, destacam a narrativa de Putin, que justifica os ataques como uma maneira de os militares russos libertarem o povo ucraniano de elementos nazis.
“Eles é que são nazis, dizem que estão a salvar o povo enquanto o matam com bombas”, indigna-se Maria. Andrey acrescenta: “A Rússia é uma máquina de propaganda e não deixa chegar notícias de fora; de facto, a URSS só acabou oficialmente.”
O casal lamenta: “Somos nós a ter de combater essa propaganda, porque apesar das sanções, a Ucrânia está só e à mercê de uma potència que está a fazer uma matança.”
As palavras saem, escorreitas, num tom comovido e triste, mas com esperança num amanhã melhor. Ficam as últimas, da conversa com a VISÃO, ditas por Maria: “Façam o máximo para que os refugiados sejam bem acolhidos; é o mínimo que se pode fazer por alguém a quem destruíram a casa e só pede um lugar onde viver em paz.”