Vasyl Petrovych Holoborodko é um professor de História de liceu nos seus 30 anos. Um dia, um aluno filma-o enquanto faz um discurso desconcertante e raivoso contra a corrupção do Governo. O vídeo torna-se viral e Vasyl vê-se catapultado para as eleições presidenciais ucranianas. Contra todas as expectativas, vence-as.
Não é um argumento lá muito original. Mas o facto é que a série O Servo do Povo (Sluha Narodu) tornou-se um fenómeno na Ucrânia depois de estrear no canal 1+1, em outubro de 2015. Era uma comédia, uma sátira política, que chegou a ser exibida na Bielorrúsia e até no canal russo TNT, com os devidos cortes censórios, naturalmente, quando se falava de Vladimir Putin. E até deu um filme.
O protagonista, Volodymyr Zelensky, tornou-se um ator super popular. Nascido a 25 de janeiro de 1978, cresceu em Kryvyi Rih, uma região de língua russa no sudeste da Ucrânia. Filho de judeus (o pai era professor universitário e a mãe engenheira), o seu bisavó e três dos irmãos deste foram mortos no Holocausto.
Volodymyr chegou a viver, na infância, na Mongólia, mas a família voltou para Kryvyi Rih e aí licenciou-se em Direito. Nunca exerceu. Aos 17 anos, reza a história, participou num concurso de televisão de comédia, em que ganhava quem respondia da forma mais cómica às perguntas colocadas, e o adolescente foi passando até ganhar a final. Decide então formar a sua equipa de comédia, a Kvartal 95 e partem em digressão pelos países da antiga URSS. Em 2003, a Kvartal 95 começa a produzir shows televisivos para os canais ucranianos.
A seguir, Volodymyr consolida a sua carreira de ator com a participação em vários filmes. Paralelamente, o seu ativismo resumia-se a falar contra o facto de o ministro da Cultura ucraniano estar a banir artistas russos. Também foi noticiado que, durante a guerra em Donbass, em 2014, na sequência da revolução ucraniana, a Kvartal 95 tinha doado um milhão de hryvnias (cerca de 30 mil euros) ao exército ucraniano.
A sombra do oligarca
No dia 31 de dezembro de 2018, Volodymyr Zelensky anunciou a sua candidatura à presidência da República, pouco antes da mensagem de ano novo do presidente em exercício. Era um de 39 candidatos e ganhou a primeira volta das eleições, a 31 de março de 2019, com 30% dos votos, quase o dobro do segundo mais votado, o presidente Petro Proshenko.
Zelensky seria eleito definitivamente na segunda volta, a 21 de abril de 2019, com 73% dos votos. Tinha 41 anos. Durante a campanha, vários analistas tentaram – um tanto ou quanto de forma paternalista, diga-se de passagem – alertar os ucranianos para que não confundissem realidade e ficção: o Zelenskyi real não era o professor de História que lutava contra a corrupção, chamando-lhe “fenómeno psicológico”.
Na verdade, pouco ou nada se sabia do que pensava Volodymyr. Aliás, as suas intervenções políticas, durante a campanha presidencial, começaram por correr tão mal que a sua equipa optou por evitar colocar Zelensky frente a frente com jornalistas ou opositores políticos. O candidato chegou mesmo a faltar ao último debate com Proshenko. Centrou todo o seu discurso no combate à corrupção. Resultou.
Mas havia uma sombra. Zelenski, dizia-se, era uma “marioneta” de Ihor Kolomoisky.
Ihor Valeriyovych Kolomoisky, 59 anos, é um homem de negócios, sempre no topo das listas sobre as pessoas mais ricas da Ucrânia. Com dedo na banca e no petróleo, detém o grupo de media 1+1, com oito canais de televisão. É um oligarca investigado pelo FBI.
Os russos odeiam-no e Putin chama-lhe “trapaceiro” que chegou mesmo a “enganar Roman Abramovich”. Na política, Kolomoisky foi governador da província industrial Dnipropetrovsk Oblast e Putin acusa-o de ter dizimado inúmeros cidadãos russos durante a sua perseguição às milícias separatistas de Donbass, financiando um “batalhão” ucraniano.
Antigo apoiante de Poroshenko, Kolomoisky viu o seu banco nacionalizado na sequência de um escândalo financeiro, em que foi acusado de roubar milhões. O governo ucraniano viu-se obrigado a injetar ali quase seis mil milhões de dólares para não o deixar falir.
Desde aí, o oligarca vive fora da Ucrânia. Como Zelensky, tem antecedentes judeus e passa grandes temporadas em Israel. É também cidadão suíço. Embora Zelensky tenha tentado afastar-se das suas ligações a Kolomoisky, o facto é que a relação dos dois foi bastante escrutinada durante a campanha eleitoral e havia uma ligação estreita, incluindo o uso dos mesmos guarda-costas, por exemplo.
“Somos fortes”
Eleito presidente, Volodymyr Zelensky só viria a ter realmente poder mais de dois anos após a nomeação, quando o seu partido ganhou a maioria absoluta nas eleições legislativas, arrecadando 254 dos 450 lugares do parlamento – antes disso, o partido Servo do Povo não tinha sequer representação parlamentar.
Mas, logo no início do mandato, Vladimir Putin pô-lo à prova, oferecendo passaportes russos a todos os cidadãos ucranianos das regiões separatistas no leste ucraniano. Zelensky respondeu no Facebook, oferecendo passaportes ucranianos a todos os cidadãos russos e outros que “sofram em regimes autoritários e corruptos”.
Os seus críticos não o achavam capaz de fazer frente a Putin. Durante a campanha eleitoral, por exemplo, Zelensky defendia a entrada da Ucrânia na União Europeia e na Nato, mas através de referendo, atirando-o para as calendas, num prazo de 10 ou 20 anos.
Hoje, 24 de fevereiro de 2022, ouvimos Zelensky, também no Facebook, ordenar que “sejam infligidas o maior número de baixas ao agressor”. “Somos fortes. Estamos prontos para tudo. Vamos conquistar o mundo porque somos a Ucrânia”, disse. Vamos ver se tem garras e apoios para isso. E se será recordado, um dia, como o “símbolo do mundo livre”.