Há uma lei no Missouri, estado dos EUA, que remonta a 1973 e que impede uma mulher de obter o divórcio caso esteja grávida. A situação não é nova, mas tem causado burburinho devido às declarações de Ashley Aune, deputada democrata daquele estado que tem denunciado aquilo a que chama de “lacuna arcaica” e que expõe o caso de uma mulher, que mantém no anonimato, e que se viu impedida de dissolver um casamento violento por estar grávida.
“Ela sofreu abusos físicos e emocionais, além de ter passado por coerção reprodutiva “, garante a deputada ao canal Fox4KC, que conta ainda que esta mulher foi violada pelo agora ex-marido seis meses após o nascimento do primeiro filho de ambos, o que originou uma nova gestação. “Quando descobriu que estava grávida perguntou a um advogado se podia divorciar-se e disseram-lhe que não”.
O jornal The Guardian falou com esta mulher, que admitiu ter-se sentido “derrotada” quando foi confrontada com a lei que a impediu de terminar o casamento com o seu agressor. Conta que se viu obrigada a voltar à casa que partilhava com o então marido, onde passou a dormir no chão do quarto do filho e continuou a sofrer episódios de violência.
Três meses após o nascimento do segundo filho, esta mulher voltou a entrar na justiça com o pedido do divórcio, sendo que desta vez não encontrou obstáculos. Ao The Guardian, diz que se tivesse obtido a autorização para se separar da primeira vez que tentou, teria evitado viver durante meses num ambiente abusivo. “Acho que ele sabia, sabia que se me engravidasse eu ia continuar a ser propriedade dele”.
Este caso não é único. Após tomar conhecimento da denúncia de Aune, Danielle Drake, advogada da Parks & Drake, relatou que também tentou avançar com um processo de divórcio durante a gravidez por ter descoberto que o marido lhe estava a ser infiel, mas acabou impedida pela lei. Teve de esperar pelo nascimento do filho para avançar legalmente com a separação.
A deputada Ashley Aune admite que a base para a criação da lei de 1973 até poderia ser “nobre”, na medida em que facilitava acordos de custódia e pedidos de pensão de alimentos após o nascimento da criança. Porém, esta lei acabou por criar obstáculos às mulheres, não havendo números oficiais que possam expor quantas foram afetadas.
A Synergy Services, uma organização sem fins lucrativos que apoia vítimas de violência doméstica em Kansas, afirma que recebe muitos pedidos de ajuda de mulheres grávidas que se querem divorciar por estarem em casamento abusivos, mas que são impedidas por causa da lei. Segundo Sara Brammer, vice-diretora desta organização, em declarações à revista Vanity Fair, as “famílias são colocadas numa posição delicada” devido ao prolongamento do processo de separação que coloca as vítimas em situações perigosas.
Além desta lei que impede uma mulher grávida de se divorciar, o Missouri é ainda um dos estados que proibiu o aborto em 2022, não abrindo exceções nem para os casos de violações ou de incesto. “Num estado onde atualmente as mulheres são forçadas a carregar os bebés até ao fim da gestação, é importante que tenham capacidade para sair de um casamento caso o desejem fazer”, defende Aune.
A deputada apresentou um projeto de lei para reverter esta situação, ainda que não acredite que este chegue às mãos de Mike Parson, governador do Missouri, uma vez que, ainda antes da votação, já tem fortes oponentes. Afinal, Denny Hoskins, deputado republicado daquele estado, referiu ao The Kansas City Star ser contra a alteração desta lei: “Só porque um marido e uma mulher não se dão bem, ou tenham diferenças irreconciliáveis, não considero que isso seja um motivo para se divorciarem durante uma gravidez”. Ainda assim, admite que poderiam ser abertas exceções para os casos em que a violência fica provada.
Matthew Huffman, que trabalha numa fundação de apoio às vítimas de violência doméstica do Missouri, diz à Fox4KC que a alteração da lei proposta por Aune “podia salvar vidas. Muitos parceiros abusivos usam a coerção e o controlo reprodutivo para manter as parceiras grávidas e as impedir de conseguir o divórcio”.
Um relatório de 2023 do departamento de saúde do Missouri revela que, entre 2018 e 2022, o homicídio foi a terceira principal causa de mortalidade durante a gravidez, com todos esses casos a terem como perpetrador o parceiro atual ou o antigo.