A 26 de março de 2002, um grupo de escritores deslocou-se a Ramallah, a capital da Cisjordânia, onde fica a sede da Autoridade Palestiniana. Na comitiva destacavam-se duas personalidades, por terem ambas ganho o Nobel da Literatura: o nigeriano Wole Soyinka e o português José Saramago. Em declarações aos jornalistas presentes, o autor de Memorial do Convento armou uma enorme polémica por comparar a situação nos territórios ocupados por Israel com os campos de concentração nazis. No dia seguinte, na Faixa de Gaza, e pressionado a explicar-se uma vez mais, Saramago voltou a ser categórico: “Disse o que tinha a dizer. Talvez possamos substituir a palavra ‘Auschwitz’ por crimes contra a Humanidade; deixo ao vosso critério.”

Sem esconder o impacto que lhe provocara assistir, in loco, às condições de vida dos palestinianos, questionou ainda: “É a isto que chamam civilização? Podemos chamar democracia a isto?” A partir desse momento, o prosador nascido na Azinhaga do Ribatejo tornou-se persona non grata para o governo de Telavive; alguns amigos nunca lhe perdoaram os comentários politicamente incorretos, proferidos em plena Segunda Intifada, e muitos leitores deixaram de comprar os seus livros, por ele se atrever a colocar ao mesmo nível o sofrimento dos palestinianos com os milhões de judeus que perderam a vida nas câmaras de gás. Mas o intelectual cumprira o seu lema de “escrever para desassossegar” e de “fazer comparações emocionais que choquem as pessoas para as fazer entender a realidade”, como explicou então ao diário Haaretz.