“Eu não quero meter-me no assunto das eleições, porque é um assunto que foi muito partidarizado. Acho que o grande passo a dar agora é revermos todo o processo, revermos as leis, revermos a forma de organizar a isenção e, digamos, a credibilidade que tem de ter todo o processo. Isso é a grande lição”, afirmou Mia Couto, que na terça-feira à noite apresentou em Maputo o “Compêndio para Desenterrar Nuvens”, novo livro de contos do escritor moçambicano, Prémio Camões de 2013.
“Eu fui da Frelimo (partido no poder), não sou há já alguns anos. Mas, o que é que fez que eu entrasse nessa causa? Foi sobretudo o lema que era o militante da Frelimo é o primeiro no sacrifício e é o último dos benefícios. Isto foi, infelizmente, invertido”, reconheceu ainda, durante a mesma reflexão, o escritor e biólogo.
Mia Couto venceu o prémio Eduardo Lourenço em 2012, o norte-americano Neustadt International Prize for Literature em 2014, e o prémio moçambicano José Craveirinha em 2022, entre vários outros.
As ruas de algumas cidades moçambicanas, incluindo Maputo, têm sido tomadas por consecutivas manifestações da oposição contra o que consideram ter sido uma “megafraude” no processo das eleições autárquicas e os resultados anunciados pela Comissão Nacional de Eleições (CNE), fortemente criticados também pela sociedade civil e organizações não-governamentais.
O Conselho Constitucional (CC) proclamou, na sexta-feira, a Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo) vencedora das eleições autárquicas em 56 municípios, contra os anteriores 64 anunciados pela CNE, com a Renamo (maior partido da oposição) a vencer quatro, e mandou repetir eleições em outros quatro. Antes, alguns tribunais distritais chegaram a anular várias votações, mas o CC assumiu que não tinham essa responsabilidade.
Segundo o acórdão aprovado por unanimidade, a juíza conselheira Lúcia Ribeiro, a Frelimo manteve a vitória nas duas principais cidades do país, Maputo e Matola, em que a Renamo se reclamava vencedora, apesar de cortar em dezenas de milhares de votos o total atribuído ao partido no poder.
O CC é o órgão de última instância da justiça eleitoral com competência para validar as eleições em Moçambique.
Os deputados da Renamo voltaram hoje ao parlamento, mas surpreenderam a plenária apresentando-se de preto e com inscrições de protesto.
“Tiranos roubaram o voto do povo”, “abaixo ladrões de voto” ou “moçambicanos façam justiça” foram algumas das frases que todos os deputados da Resistência Nacional Moçambicana (Renamo) revelaram, por baixo da roupa, no momento da primeira intervenção na reunião plenária, na presença do primeiro-ministro, Adriano Maleiane.
Esta foi a primeira vez que os deputados da Renamo participaram na VIII sessão parlamentar ordinária, que decorre desde 19 de outubro, protestando contra os resultados anunciados das sextas eleições autárquicas.
Na reunião que arrancou hoje, o Governo moçambicano está a responder, durante dois dias, a perguntas formuladas pelos três partidos representados na Assembleia da República: Frelimo, Renamo, e ainda o Movimento Democrático de Moçambique (MDM).
A Renamo anunciou esta semana que vai processar os diretores da CNE e do Secretariado Técnico de Administração Eleitoral, desde os distritos até ao nível central, bem como os próprios juízes do Conselho Constitucional, acusando-os de terem aprovado resultados das eleições de 11 de outubro baseados em editais falsos.
O partido promete ainda apresentar um recurso extraordinário para anulação do acórdão do CC que validou os resultados do escrutínio, embora admita que as decisões deste são inapeláveis.
PVJ // ANP