Para os profetas da desgraça, o mundo está de pantanas e vai de mal a pior. A pandemia só veio aumentar os alertas de todos aqueles que, com frequência e sem o saberem, adoram citar Lysander Spooner, um grande pensador norte-americano: os governos e os governantes são “uma associação de ladrões e assassinos”. Como o anarquista Spooner faleceu em 1886, convém explicar que há avaliações mais atualizadas e científicas sobre o exercício do poder e o avanço – ou a regressão – das democracias.
Se alguém se der ao trabalho de consultar o novo projeto de investigação de David Miliband, antigo chefe da diplomacia britânica e presidente do International Rescue Committee (organização humanitária criada há nove décadas e que teve Albert Einstein como cofundador), é capaz de ficar assustado. O Atlas da Impunidade é uma ferramenta que classifica, com base em cinco variantes – controlo da autoridade, direitos humanos, conflitos e violência, exploração económica e degradação ambiental –, 197 entidades estaduais. As principais conclusões estão disponíveis online, e David Miliband escarrapachou-as num texto de opinião, publicado na revista Foreign Affairs: “Devido à guerra na Ucrânia, à escassez de alimentos, ao aprofundar das crises económicas e de endividamento nos mercados emergentes, ao número recorde de refugiados e de pessoas em busca de asilo, e às omnipresentes ameaças das mudanças climáticas, há um conceito ao qual é agora impossível escaparmos” – as policrises, crises múltiplas, simultâneas e de efeitos globais, que estão a provocar “novos abusos de poder” e o avanço da impunidade, por obra e graça dos dirigentes que partem do princípio de que as “regras são para os idiotas”. Não precisamos de chamá-los pelos nomes. Gideon Rachman, o influente editor do Financial Times, dedicou-lhes um livro – A Era do Homem-Forte (Vogais) –, e alguns são identificáveis logo na capa.