As declarações de Adalberto da Costa Júnior, presidente do partido, à Lusa, surgem um dia depois de órfãos do 27 de Maio (Associação M27) denunciarem que as ossadas que lhes foram entregues não correspondem ao ADN dos seus familiares, mortos na repressão que se seguiu ao alegado golpe de Estado do 27 de maio de 1977.
O líder da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) sublinhou que o assunto tem sido acompanhado “com muito envolvimento” ao longo dos anos e indicou que o Plano de Reconciliação em Memória das Vítimas dos Conflitos Políticos visava sobretudo o 27 de maio, um “assunto que queima as mãos do MPLA [Movimento Popular de Libertação de Angola], que nunca teve coragem de vir prestar contas públicas”.
Adiantou ainda que já se tinha falado da possibilidade de algumas destas ossadas não corresponderem às vitimas: “Alguns dos envolvidos tinham-nos feito chegar esta problemática que tínhamos visto com muita preocupação, na medida que, a confirmar-se, põe em causa a transparência deste ato. Nós próprios [familiares de vítimas da UNITA] ficámos em dado momento numa situação próxima desta”.
O Governo angolano entregou, em novembro de 2021, os restos mortais de dois dirigentes da UNITA — Salupeto Pena e Alicerces Mango – mortos nos conflitos pós-eleitorais de 1992 em Luanda, ato que para familiares e dirigentes políticos simbolizou a reconciliação.
UNITA e MPLA, partido no poder desde 1975, travaram uma longa guerra civil que durou quase 30 anos.
“A UNITA não foi fazer a verificação da veracidade das ossadas que recebeu. Fizemos um debate muito grande à volta desta matéria e chegámos a conclusão que era melhor abraçar o gesto, o ato, ainda que isto envolvesse o risco das ossadas não corresponderem, por que o que estava em causa era muito mais amplo, é de facto também podermos demonstrar que Angola precisa de se reconciliar”, disse à Lusa Adalberto da Costa Júnior.
O dirigente admitiu que “nem sempre haverá a verdade total, efetiva, transparente”, mas salientou que a UNITA quis dar “a sua quota parte” e que as famílias também alinharam neste propósito
“Não vale a pena irmos à procura desta questão, é mais sofrimento (…) é melhor passar por cima desta matéria”, justificou.
Deixou, no entanto, algumas críticas à forma como o processo decorreu.
“Não foram médicos que fizeram a entrega, foi gente dos serviços de inteligência”, disse, sublinhando que deveria passar por outras instituições do Estado e não serem “sempre as estruturas de segurança de Estado envolvidas onde não lhes diz respeito”.
“Vamos aprender com estas práticas e fazer melhor no futuro. A reconciliação do país é uma necessidade efetiva e nós precisamos de dar a nossa quota parte, o nosso contributo, mas sem ingenuidades, conhecemos o país que temos”, frisou.
Numa “carta a Angola”, os órfãos do 27 de Maio denunciaram, na quinta-feira, a “máquina de propaganda” do Governo angolano e da CIVICOP – Comissão de Reconciliação em Memória das Vítimas dos Conflitos Políticos, ao realizar cerimónias fúnebres e entregar corpos “em cerimónias públicas amplamente televisionadas, em véspera de eleições presidenciais”.
O Governo angolano promoveu, no ano passado, as cerimónias fúnebres de Alves Bernardo Batista “Nito Alves”, Jacob Caetano João “Monstro Imortal”, Arsénio Lourenço Mesquita “Sihanouk” e Ilídio Ramalhete, vítimas do alegado golpe de Estado de 27 de maio de 1977.
No local onde foram encontradas estas ossadas, estariam também as de José Van-Dunem e Sita Vales, um jovem casal de dirigentes do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), que foram assassinados durante a repressão que se seguiu, mas os seus familiares exigiram novos exames forenses, tendo-se deslocado a Luanda uma equipa de especialistas portugueses, liderada pelo ex-presidente do Instituto Nacional de Medicina Legal e professor catedrático da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, Duarte Nuno Vieira.
Segundo os órfãos, “foi com espanto e dor” que “após a realização dos exames, se concluiu que nenhuma das amostras corresponde aos cadáveres dos pais”.
Em 27 de maio de 1977, uma alegada tentativa de golpe de Estado, numa operação que terá sido liderada por Nito Alves – então ex-ministro do Interior desde a independência (11 de novembro de 1975) até outubro de 1976 -, foi violentamente reprimida pelo regime de Agostinho Neto, primeiro Presidente de Angola, causando um número indeterminado de mortos.
Em abril de 2019, o Presidente angolano ordenou a criação de uma comissão (a CIVICOP), para elaborar um plano geral de homenagem às vítimas dos conflitos políticos que ocorreram em Angola entre 11 de novembro de 1975 e 04 de abril de 2002 (fim da guerra civil).
RCR // JH