O número impressiona. Nesta terça, 15, a população mundial chegou ao marco das 8 mil milhões de pessoas, segundo dados do Departamento de Assuntos Económicos e Sociais das Nações Unidas. Em 2030, serão cerca de 8,5 mil milhões de pessoas e, em 2050, 9,7 mil milhões. Mas o facto é que, apesar deste aumento, as taxas de natalidade continuam a decrescer e o envelhecimento a aumentar, devido às melhores condições de vida e à redução da taxa de mortalidade infantil. “Em 1963 o acréscimo populacional anual era de 2,3% e em 2022 foi de 0,8%”, aponta o relatório. Numa análise feita para o Fundo Monetário Internacional, assinada por David E. Bloom e Leo M. Zucker, professor e investigador da Universidade de Harvard, afirmava-se que “o envelhecimento da população é a principal tendência demográfica global”. E é, sobretudo a ele, que devemos estar atentos.
“O espetro de uma bomba populacional global foi, na realidade, desarmado (ou melhor, desvaneceu-se naturalmente). A taxa de crescimento populacional mundial diminuiu consideravelmente nas últimas décadas e projeta-se que continue diminuindo. Mesmo que a Índia ultrapasse a China em 2023 para se tornar o país mais populoso do mundo, sua taxa média anual de crescimento populacional é projetada em 0,7% durante 2020-40, abaixo da média global de 0,8% e apenas metade de sua taxa de 2000. As projeções atuais da ONU também sinalizam um aumento no número de países com declínio populacional anual, de 41 em 2022 para 88 em 2050”, sublinham os autores.
O decréscimo da taxa de fertilidade mundial está diretamente relacionado com o aumento das oportunidades de educação e de trabalho para meninas e mulheres. Ao mesmo tempo, segundo o relatório da ONU, a esperança média de vida (EMV) continua a aumentar: em 2019 era de 72.8 anos e prevê-se que aumente para 77.2 em 2050. Contudo, “há diferenças muito consideráveis entre as várias regiões mundiais e são os países mais desenvolvidos que estão à frente na linha do envelhecimento”, assinala Maria João Valente Rosa, demógrafa e professora da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (FCSH-UNL). Nos países menos desenvolvidos a EMV é de 63 anos, quase menos 10 anos do que a média mundial.
Se olharmos para o quadro global, “60% das pessoas vivem num país ou região onde a fertilidade é inferior ao nível de substituição geracional necessária”. Nota-se que a população cada vez mais envelhecida, sobretudo na Europa e na América do Norte. “A estrutura etária da população está a mudar – em 2018, pela primeira vez, existiam mais pessoas com mais de 65 anos do que crianças de 5 anos”, refere o relatório. A fatia da população mundial com mais de 65 anos deverá crescer de 10%, em 2022, para 16%, em 2050. “Mesmo em África, a região menos envelhecida, a população está a envelhecer, a percentagem de jovens em 1950 era de 52% e espera-se que em 2050 seja de 41%”, afirma Maria João Valente Rosa. Ou seja, “o mundo, como um todo, está a crescer e a envelhecer.”
O envelhecimento é o grande desafio para as sociedades e economias porque aumenta a pressão sobre as receitas fiscais e os gastos com saúde. “Nos países mais desenvolvidos, na Europa em particular, há questões ligadas à sustentabilidade dos sistemas de segurança social, o modelo não serve nem para o presente nem para o futuro, tem de ser redesenhado com tempo e de forma articulada”, defende a demógrafa. O mesmo terá de acontecer com os cuidados de saúde. “Não basta viver mais tempo, é preciso que este tempo tenha maior qualidade de saúde”, acrescenta.
Contudo, ainda há uma visão ultrapassada sobre o envelhecimento. As pessoas vivem mais saudáveis por mais tempo em todo o mundo, de acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). Uma parcela crescente de idosos está empregada, de acordo com a OCDE, embora as taxas de emprego na maioria dos países ainda caiam significativamente com a idade a partir dos 60 anos. “Ter hoje mais de 65 anos não se compara com o passado, são pessoas que continuam a poder dar o seu contributo para a sociedade e temos de contar com elas. Não podemos, pura e simplesmente, excluí-las”, sublinha Maria João Valente Rosa. Em março deste ano, da OMS e de outras agências da ONU, publicou o Relatório mundial sobre o idadismo, alertando precisamente para a discriminação com base na idade.
Apesar dos números preocupantes, do poder político continua a faltar uma visão a longo prazo das mudanças geográficas. “Infelizmente, percebemos que se governa mais para as próximas eleições do que para as próximas gerações. Os dados demográficos estão lançados e não se muda nada de um dia para o outro. A demografia é como um despertador que toca quando estamos deitados a dormir: ou o lançamos pela janela fora e não queremos saber; ou acordamos para a nossa incapacidade de lidar devidamente com o curso dos factos. Pelo menos até 2040, em Portugal, não vamos deixar de envelhecer, porque as gerações nascidas em períodos de natalidade mais elevadas estão a entrar em idades superiores”, realça Maria João. Reagir é preciso. Metas atingíveis para a preparação demográfica incluem “melhorar a saúde reprodutiva, equipar as pessoas com o capital humano e físico de que precisam para serem membros produtivos da sociedade, garantir o bom funcionamento dos mercados de trabalho e de capital que permitam às pessoas realizar seu potencial produtivo, estabelecer instituições e políticas que limitem os encargos que as pessoas impõem ao meio ambiente e promover o envelhecimento saudável”, indicam David E. Bloom e Leo M. Zucker. Não desperdicemos anos de vida.