O Presidente timorense reconheceu hoje a complexidade de um eventual projeto de processamento de gás natural em Timor-Leste, para o poço de Greater Sunrise, apontando, porém, os enormes potenciais benefícios do investimento.
José Ramos-Horta, que está na reta final de uma visita de Estado à Austrália, falava à Lusa depois de uma passagem pela Darwin GNL (Gás Natural Liquefeito), a unidade gerida pela operadora Santos e que processa desde 2006 o gás oriundo do campo de Bayu-Undan, no Mar de Timor — principal fonte de receita para os cofres timorenses desde a independência.
“Este é um local importante para Timor-Leste e revelador da enorme complexidade técnica, de engenharia, de segurança. Mais de mil milhões de dólares [praticamente o mesmo em euros] para estas infraestruturas, a que se soma o gasoduto”, disse.
“Tudo me preocupa, obviamente, porque estamos a lidar com alta tecnologia, meio ambiente, natureza, numa região do mundo sísmica, perto do Anel de Fogo e são tudo coisas imprevisíveis. E contra surpresas da natureza não há defesa possível”, explicou Ramos-Horta.
Richard Hinkley, da Santos, explicou aos jornalistas que, desde que começou a funcionar, o campo de Bayu-Undam representou receitas de 21 mil milhões de dólares (20,9 mil milhões de euros) para Timor-Leste, dando emprego a mais de 500 timorenses.
Na reta final de vida como campo de exploração, o Bayu-Undan deverá deixar de produzir em 2023, ganhando mais um ano devido a um investimento de 200 milhões de dólares (199 milhões de euros) feitos pela Santos em 2021.
“Quando a produção chegar ao fim da vida será levado do Bayu-Undan para a zona de Tibar, em Timor-Leste, um navio que é uma estrutura de armazenamento offshore, e que vai ser desmantelado, com um custo de cerca de 100 milhões de dólares” (99,6 milhões de euros), referiu Hinkley.
Ramos-Horta notou que, comparativamente ao Bayu Undan, o Greater Sunrise será de muito maior dimensão.
“Imaginemos isto em Beaço, ou Natarbora [no sul de Timor-Leste] e talvez ainda de maior dimensão do que este, e o que pode trazer para Timor, em termos de benefícios. 50 mil milhões [de dólares (49,8 mil milhões de euros)] só da venda do gás e outros tanto que resultam de indústrias secundárias que resultam desta”, referiu.
“Mas ficamos também no nosso solo com todo este equipamento que algum dia ali ficará, sem funcionar, porque o gás, como tudo, é finito”, disse Ramos-Horta, notando ainda a transição para as renováveis.
Hinkley deu conta da nova fase de vida do projeto que se vai tornar, explicou “no maior projeto de captura de carbono da Ásia-Pacífico, com a previsão de que possa, a partir de 2024, atingir uma capacidade de injeção de 10 milhões de toneladas de carbono no espaço do poço outrora ocupado pelo gás natural.
Para isso, explicou, a Santos já concluiu a fase de regulamentação esperando concluir n próximo ano a fase de decisão final sobre o investimento, momento que formaliza a decisão do investidor de avançar com o projeto.
“Temos aqui as bases para o que pode ser a maior unidade de armazenamento de carbono. Daqui a três anos teremos uma unidade idêntica à atual, com um gasoduto paralelo até Bayu-Undan, para armazenar carbono”, disse Hinkley, notando que a procura nesta área é hoje muito maior do que a oferta.
“Inicialmente vamos começar com dois milhões de toneladas por ano, mas podemos aumentar até aos 10 milhões e quando isso ocorrer será o maior do mundo, criando grandes oportunidades para Timor-Leste que se tornaria assim líder mundial em captura de carbono”, frisou.
A visita de Ramos-Horta a Camberra ocorre numa altura em que se intensifica o debate sobre o futuro desenvolvimento do projeto do Greater Sunrise, que está há anos parado devido ao diferendo entre os dois países sobre o modelo de desenvolvimento.
A posição australiana defende um gasoduto até Darwin — que se ligaria ao projeto do Darwin GNL – enquanto Timor-Leste, que tem posição maioritária no consórcio do projeto, insiste num gasoduto para o país.
Timor-Leste detém 56,6% do Greater Sunrise, localizado a 150 quilómetros (KM) a sudeste do país e a 450 km a noroeste de Darwin, em parceria com Woodside (34,44%) e a Osaka Gas (10%).
Na semana passada, numa curta visita de 24 horas a Díli, a chefe da diplomacia australiana, Penny Wong, disse que é preciso “desemperrar” o desenvolvimento do projeto dos campos de gás de Greater Sunrise, considerando-o extremamente importante para a resiliência económica de Timor-Leste.
“É importante reconhecer que os parceiros do consórcio [do Greater Sunrise] – a Timor Gap, a Woodside e a Osaka Gas têm que chegar a acordo para o projeto avançar e isso ainda não ocorreu”, disse Penny Wong em Díli.
“Isto está emperrado há muitos anos. Disse ao Presidente [timorense] e a outros que temos que o desemperrar, ver uma forma para resolver isto. Mas a melhor forma de resolver isso, respeitosamente, não é através dos ‘media'”, afirmou na altura.
A chegada ao poder dos trabalhistas na Austrália — onde governam desde maio com maioria absoluta — poderá representar um novo ímpeto à solução do problema que é crucial para Timor-Leste que enfrenta, possivelmente dentro de apenas uma década, o fim da sua atual principal fonte de financiamento, o Fundo Petrolífero.
Ramos-Horta espera, por isso, que a visita a Camberra possa permitir avançar com o projeto, tendo já ameaçado que, se a Austrália se mantiver intransigente, e num curto espaço de tempo, Timor-Leste poderá procurar outros parceiros, sejam a vizinha Indonésia, a Coreia do Sul, Japão ou a China.
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