A maioria dos ministros protagonizaram um motim contra Boris. Porquê?
Por múltiplas razões. Dois dos ministros mais importantes e influentes, Sajid Javid (Saúde) e Rishi Sunak (Finanças), os primeiros a demitirem-se (na terça-feira), invocaram integridade e competência – entenda-se a falta de ambas, no topo da hierarquia. O mesmo tinha já feito Christopher Geidt, o assessor de ética de Boris Johnson, a 15 de junho. Outros, poucos, por discordâncias ideológicas, talvez por causa do Brexit e da política fiscal. No entanto, a maioria revoltou-se por já não suportar as mentiras do primeiro-ministro. O escândalo do partygate, as famosas festas em que Boris e os seus colaboradores mais próximos participaram durante a pandemia, ignorando as regras de confinamento que ele próprio impôs aos britânicos, acelerou o processo de desgaste do líder conservador. Ao ficar claro que ele nunca aceitava ser responsabilizado por nada, o Executivo entrou numa súbita deriva cujo desenlace teria de acabar desta maneira. “Tratou-se de uma combinação de incompetência e desonestidade que as pessoas não podem suportar”, afirmou um antigo ministro ao Financial Times. Na New Statesman, Harry Lambert recorreu a uma fórmula alternativa: “O primeiro-ministro ficou sem ninguém a quem mentir”.
Houve um escândalo sexual a precipitar a queda do primeiro-ministro. Quem foi o protagonista?
Chris Pincher, um ilustre deputado do Partido Conservador, nomeado vice-líder da bancada parlamentar dos Tories no início de 2018, quando o Governo era ainda chefiado por Theresa May. No verão do ano seguinte, já com Boris Johnson em Downing Street, Pincher ascende a secretário de estado dos Negócios Estrangeiros e começam os rumores e as queixas de que ele se comportava de maneira imprópria e assediava sistematicamente colegas e funcionários – do sexo masculino. Em fevereiro deste ano, após alguns inquéritos disciplinares que não deram em nada, Pincher regressa à Câmara dos Comuns, com o mesmo cargo de há quatro anos, e volta a fazer das suas. A 30 de junho, é obrigado a demitir-se: a BBC denuncia que assediou dois homens num clube privado de Londres mas que deverá manter o lugar de deputado. No dia seguinte, um porta-voz de Boris Johnson alega que Downing Street nada sabe sobre a conduta de Pincher. A 4 de julho, já depois deste ter anunciado que iria recorrer “ajuda médica” para os seus problemas, a BBC revela que Boris Johnson tinha conhecimento da conduta do deputado desde 2019 – um antigo diplomata, Simon McDonald, publica uma carta a confirmar que informou então o primeiro-ministro. O caso ganhava uma dimensão incontrolável.
Boris tentou tudo para permanecer no cargo. A que se deve o seu falhanço?
Dois anos e 348 dias depois de tomar posse, teve de demitir-se porque já ninguém lhe reconhecia autoridade para liderar o Partido Conservador e o Reino Unido. Depois da demissão de Sajid Javid, em menos de 48 horas, meia centena de ministros, secretários de estado e chefes de gabinete seguiram-lhe o exemplo. Mas Boris Johnson demorou a perceber que não lhe era possível manter-se no cargo e que o país ameaça ficar paralisado e refém da sua obstinação. Na manhã de quarta-feira, após receber a visita de Michael Gove, um dos veteranos do Governo que o aconselhou a demitir-se, recusou categoricamente. Na noite da véspera, de acordo com o The Times, ao ser interpelado por alguns assessores sobre a gravidade da crise e a possibilidade de enfrentar uma rebelião no Executivo, fez um único comentário: “Fuck that!”. A saída de cena de Boris Johnson, segundo as palavras de Andrew Mitchell, um dirigente do partido conservador, é politicamente comparável ao destino de Rasputine, o famoso místico da corte russa que faleceu de forma lenta e trágica em 1916: “Foi envenenado, foi esfaqueado, foi alvejado a tiro, o seu corpo foi lançado às águas geladas e mesmo assim ainda conseguiu sobreviver”. Como sabemos, num caso e no outro, por pouco tempo.
Boris está condenado a reformar-se politicamente. A partir de quando?
Ao demitir-se de forma voluntária, ele abre automáticamente a corrida à liderança do Partido Conservador e do país. Assim, os Tories não precisam de afastá-lo à força, um cenário que chegou a ser equacionado nos últimos dias, através do órgão próprio do partido, o Comité 1922. Como o ainda primeiro-ministro sobreviveu, a 6 de junho, a uma moção de confiança entre os deputados conservadores (211 votos a favor e 148 contra), estaria a salvo de uma iniciativa idêntica durante 12 meses mas os seus pares estavam agora dispostos a mudar essa regra para o afastar. Com o seu discurso desta tarde, a questão fica resolvida e Boris terá apenas de manter-se em funções até se concluir o processo de designação do próximo líder do partido e do Reino Unido. Foi o que ocorreu em maio de 2019, quando Theresa May anunciou a sua demissão à porta de Downing Street e os militantes escolheram, no final, em julho, Boris Johnson. Ou seja, em teoria, este irá governar até ao final de agosto ou início de setembro.
A sucessão promete ser animada e com muitos protagonistas. Quem?
Nos próximos dias e antes de se iniciarem as férias parlamentares a 21 de julho, os deputados conservadores vão começar a escolher entre si quem são os candidatos que se apresentem à sucessão de Boris Johnson. Sir Graham Brady, o responsável pelo Comité 1922, vai coordenar o processo em que se farão sucessivas votações de eliminação até se apurarem dois únicos candidatos, escolhidos exclusivamente pelos Tories com assento em Westminster. A partir daí, tudo fica nas mãos dos militantes do Partido. Serão eles que têm a responsabilidade de eleger a figura que querem colocar no número de Downing Street. Para já, não se conhecem candidatos oficiais, mas especula-se que uma dúzia de dirigentes e ex-ministros vão entrar na corrida. Os favoritos e os que parecem recolher maiores simpatias são Liz Truss, a até agora chefe da diplomacia britânica, e Nadhim Zahawi, o ex-refugiado curdo-iraquiano que se converteu numa estrela nacional e que, após tutelar a pasta da Educação, liderou as Finanças durante pouco mais de 24 horas, após a estrondosa demissão de Rishi Sunak, ele próprio um nome que não deve ser descartado – muitos tories afirmam que ele é o mais habilitado para ser o 15 primeiro-ministro da era Isabel II por ter uma fortuna avaliada em mais de 800 milhões de euros.