Todo o homem com poder tende a abusar dele, até encontrar limites. Este é um princípio velhinho, com quase três séculos, e revolucionou a filosofia política. Mas há quem faça de conta que os ensinamentos de Charles Louis de Secondat, mais conhecido como barão de Montesquieu, já não servem para nada. Desde que o grande pensador francês escreveu Do Espírito das Leis, foram muitos os governantes a marimbar-se para o Direito e para a separação de poderes, recorrendo a expedientes mais ou menos autoritários que lhes permitissem evitar qualquer tipo de controlos institucionais. Não é por acaso que o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, tem a alcunha de Viktator – vocábulo resultante da contração de ditador e do seu nome próprio – e é um exemplo para todos os admiradores da “democracia iliberal”.
A 4 de maio de 2022, Ursula von der Leyen, a presidente da Comissão Europeia, anunciou de forma solene que os 27 jamais permitiriam que a Rússia destruísse a Ucrânia impunemente. Numa “questão de dias”, sublinhou então a alemã, Bruxelas iria aprovar um sexto pacote de sanções a Moscovo. Os planos não lhe correram de feição. Foram precisos 26 dias para os Estados-membros chegarem a um entendimento que só na aparência pode ser qualificado como eficaz e salomónico. O processo de decisão comunitário raramente prima pela transparência e, desta vez, houve um obstáculo adicional: a intransigência e o capricho do homem que manda nos destinos húngaros desde 2010. O próprio se encarregou de anunciar, numa rede social, a conclusão a tirar da principal medida aprovada na cimeira extraordinária de chefes de Estado e de governo da UE, realizada no início desta semana: “Foi alcançado um acordo, as famílias podem dormir descansadas. A Hungria está isenta do embargo ao petróleo!” Isto é, o executivo de Budapeste pode continuar a comprar e a receber petróleo oriundo do país de Vladimir Putin. Em conferência de imprensa, para salvarem a face da UE, Ursula von der Leyen e o presidente do Conselho Europeu, o belga Charles Michel, vieram depois afirmar: “Queremos parar a máquina de guerra russa e deixar de financiar a capacidade militar russa.” Palavras destinadas a desvalorizar o feito de Viktor Orbán e o facto de os 27 permanecerem ainda demasiado dependentes dos produtos energéticos da Federação Russa: 40% do gás importado pela UE e 26% do crude. Pormenor incontornável: desde o início da invasão da Ucrânia, a 24 de fevereiro, a UE desembolsou, pelo menos, 52 mil milhões de euros em combustíveis fósseis oriundos do maior país do mundo (32 mil milhões só em petróleo), valores que têm dado muito jeito ao Kremlin na “operação militar especial”.