Com duas mangas — uma foi usada uma única vez — o aeroporto é, para os críticos do projeto da Região Administrativa Especial de Oecusse-Ambeno (RAEOA), o maior símbolo negativo dos investimentos na região, que consideram sobredimensionados, pelo menos para o momento atual.
Questionam o porquê do investimento significativamente maior em Oecusse do que em qualquer dos outros municípios fora de Díli e, acima de tudo, perguntam para que servirá e que futuro terá a região e se alguma vez se chegará a usar as duas mangas.
Apoiantes da iniciativa argumentam que quase 97% da população tem luz elétrica, que a produção agrícola na região aumentou, que há em curso projetos para levar água a toda a população e que a cidade é a mais limpa de Timor-Leste.
“Não temos elefantes brancos. Temos é estradas limpas, com alta qualidade, construídas por indonésios e fiscalizadas por consultores portugueses e que podemos comparar com outros locais”, explicou à Lusa, Arsénio Bano, presidente da autoridade regional.
“Temos um aeroporto operacional e a funcionar bem, eletricidade 24 horas para 97% de toda a população, e isso não é exagero, estradas na zona central, e isso não é exagerado. Não temos problemas com inundações”, sublinha.
O enclave de Oecusse-Ambeno, a região mais isolada do país e berço de Timor-Leste — foi aqui que chegaram os primeiros missionários e navegadores portugueses — é, provavelmente, um dos locais que, hoje, mais divide e extrema opiniões.
Praticamente abandonado depois de ser destruído – como o resto do país, após o referendo da restauração da independência, em 1999 — Oecusse só começou, verdadeiramente, a receber as atenções das autoridades timorenses em 2014.
Foi nesse ano que nasceu oficialmente a RAEOA e o projeto associado da Zona Especial de Economia Social de Mercado (ZEESM), frutos da boa relação, na altura, entre os dois principais líderes políticos nacionais, Xanana Gusmão (então primeiro-ministro) e Mari Alkatiri, o primeiro presidente da autoridade regional.
A partir do nada e nos primeiros anos seguintes, Oecusse foi, provavelmente a zona de Timor-Leste com mais construção e desenvolvimento de infraestruturas a ocorrer em paralelo, incluindo novo aeroporto, central elétrica, estradas, pontes, drenagem, irrigação, serviços de saúde e a melhoria de toda a zona central do espaço urbano.
Algumas críticas ao projeto já se ouviam, mas a paz política empurrava a contestação para sussurros que só começaram a crescer de intensidade com o agudizar da crise política em Timor-Leste (a partir de 2017)
A crise acabou por tornar este símbolo da paz política, entre Xanana Gusmão e Mari Alkatiri, num dos símbolos do confronto entre ambos, e, posteriormente, com o peso da pandemia que só acentuou o isolamento do enclave, paralisou muitas das iniciativas em curso.
Rápidas trocas de líderes da autoridade — ao sabor de rápidas mudanças políticas — não ajudaram, como não contribuiu o quase nulo avanço do projeto da ZEESM.
Ainda assim – e com o caos urbano que se agudiza dia após dia em Díli, a apenas 30 minutos de viagem no Twin Otter 400 canadiano — pelo menos a zona central da capital do enclave, Pante Macassar, não poderia representar maior contraste.
Na região que acolheu a primeira capital do país, Lifau, reina a tranquilidade, a calma, com estradas em ótimas condições, grandes espaços públicos e praias e ruas limpas, com brigadas de limpeza a trabalhar praticamente todo o dia.
Quase como cogumelos há cada vez mais escolas e, nas ruas, grupos imensos de crianças e jovens a ir ou a vir da escola — são tantos os alunos, que há que fazer turnos, metade vão só de manhã e outra metade só à tarde.
“Oecusse está a desenvolver-se, apesar de andar devagar, do isolamento como enclave, de problemas com transportes marítimos”, disse Bano.
“Ainda há muito para fazer. O meu sonho era conseguir desenvolver o enclave para autossuficiência de alimentação, não ter problemas de transporte, uma cidade limpa e verde que possa atrair turistas e desenvolvimento em infraestruturas”, frisou.
Ainda assim sublinha que houve “mudanças claras na região nos anos depois da criação da autoridade”, e defende que continuar no “bom caminho” exige “mais consistência, de manter o nível de investimento em infraestruturas, água e saneamento e serviços”.
E a equação é simples, refere, promovendo com a comunidade ações de consciencialização sobre, por exemplo, insistir na limpeza, para atrair mais visitantes.
“Devia ser um exemplo. Temos feito um trabalho de consciencialização a toda a população para que a cidade esteja limpa para atrair toda a gente. Porque alguém que venha cá deixa alguma coisa, come, dorme, compra e isso está ligado com a política de que a população tem que conseguir viver”, disse.
“Se Oecusse pode fazer isso, o resto de Timor-Leste pode fazer o mesmo. Merecemos, depois de tantos anos de luta e sofrimento, estradas melhores, eletricidade sem problemas e outras coisas”, vinca.
A região continua a produzir internamente apenas três meses de alimentação, dependendo do comércio com a Indonésia, legal e ilegal e depois afetado pela pandemia, ou da ligação a Díli por mar, afetada por problemas nos navios e também pela pandemia.
À exceção do orçamento do Estado — a RAEOA tem autonomia financeira — pouco tem sido o investimento privado na região, ainda que a zona central tenha mais lojas que nunca.
Na sede da autoridade, na sala de espera, folhetos cheios de imagens, mapas e informação para visitantes, sobre o que fazer e visitar em Oecusse, uma promoção turística, da autoridade para os poucos turistas que vão chegando, a grande maioria turismo interno.
Pante Macassar é também a ponte entre o passado histórico nacional e a tentativa de agarrar a modernidade e de conseguir desenvolver a economia e, assim, melhorar a vida da grande fatia populacional que, como no resto do país, ainda sente carências profundas.
Mas onde o ambiente que se respira já é diferente do passado.
“Todos que querem conhecer Timor-Leste, primeiro têm que conhecer Oecusse. Onde os portugueses chegaram primeiro, onde Timor-Leste se criou. Foram aqui os primeiros católicos, com os missionários a batizar 5.000 pessoas, há 500 anos”, recorda Bano.
ASP // PJA