Provar uma teoria no campo das ciências e assumi-la, depois, como uma certeza não é tarefa fácil: a equipa de investigadores deve apresentar um corpo de dados extenso capaz de comprovar uma hipótese formulada, disponibilizando, posteriormente, o estudo para a revisão de outros elementos da comunidade científica que deverão, por sua vez, ocupar-se de comprovar não só os dados apresentados, como a hipótese. A teoria deve, depois, ser revista várias vezes até que não existam dúvidas de que esta se trata, de facto, de uma representação acertada da realidade e tal pode demorar anos.
A própria comunidade científica evita utilizar o termo “provar” dado que tudo pode ser posto em perspetiva e o conhecimento está sempre a evoluir. Uma qualquer hipótese só pode ser considerada científica se for passível de ser avaliada através de experiências que nunca chegam, de facto, a “prová-la”, considerando-a antes ou errada ou uma possibilidade que é viável até uma outra teoria mais acertada surgir a substituí-la. Assim sendo, e posto isto, é possível dizer que provar uma teoria não só não é tarefa fácil, como é praticamente impossível.
A ideia de que sorrir ou franzir a sobrancelha pode fazer-nos mais felizes ou tristes, respetivamente, existe há já muito tempo e, apesar das muitas experiências que vão ao encontro desta teoria, nada pode ser dado como certo. Neste caso, a ausência de certezas não vem apenas do facto de nada poder ser considerado uma verdade inquestionável na ciência, mas também das próprias opiniões e experiências sobre o tópico que, na comunidade científica, divergem.
Ciências que avaliam o comportamento humano podem, nesse aspeto, ter ainda mais dificuldade em desenvolver uma hipótese e recolher um corpo significativo de dados, até porque trabalham com variáveis sobre as quais existe menos controlo como é o caso do próprio comportamento humano que, contrariamente a variáveis matemáticas, não é tão objetivo. Isto porque o comportamento humano está dependente de uma série de outras variáveis externas. Posto isto, como se podem avaliar as hipóteses neste tipo de ciências? Uma única experiência está limitada a um conjunto externo de variáveis, pelo que pode também não ser suficiente, de modo que é necessária a revisão de outros membros da comunidade e até a repetição das experiências.
A relação entre as expressões faciais e a forma como nos sentimos já foi alvo de um conjunto amplo de experiências e aquilo que antes foi tido como uma forte possibilidade, hoje é questionado.
Uma experiência revolucionária
Os primeiros relatos de que as expressões faciais estariam diretamente ligadas aos sentimentos remonta a Charles Darwin que propôs, em 1872, que exibir sinais externos de uma emoção pode intensificar o sentimento. “Aquele que dá lugar a gestos violentos aumentará a sua raiva”, escreveu Darwin no seu livro The Expression of Emotions in Man and Animals ( “A expressão de emoção no homem e animal”). Antes de Darwin, o anatomista cerebral francês Louis Pierre Gartiolet já havia proposto uma ideia semelhante, ainda que acreditasse que os movimentos tinham um papel ainda mais poderoso no sentimento humano. “Mesmo movimentos e posições acidentais do corpo resultarão em sentimentos associados”, escreveu em 1865.
Na década de 1880, William James estabeleceu uma ligação ainda mais profunda defendendo que as expressões são emoções, ou seja, expressões faciais resultam em expressões mentais de sentimento. Quando uma pessoa se sente com raiva, os movimentos do seu corpo vão ser indicativos dessa realidade, sendo que na ausência de qualquer expressão física do sentimento, também o sentimento deixa de existir. A tristeza, por exemplo, implica geralmente a contração do sobrolho ou lágrimas, se nenhuma destas representações do sentimento surgirem, então é possível que a tristeza não tenha existido de todo.
Várias outras teorias foram surgindo desde então, nomeadamente a ideia de que as expressões faciais poderiam não apenas intensificar os sentimentos, mas ser a sua origem, ou seja, um dado indivíduo começava por sentir o seu sobrolho carregado ou a sua temperatura a subir percebendo que poderia estar com raiva e procurando, posteriormente, o objeto da sua raiva. Da mesma maneira que procuramos perceber os sentimentos dos, podemos tentar perceber os nossos.
Várias experiências foram sendo desenvolvidas no sentido de justificar as hipóteses propostas, nomeadamente versões mais subtis da teoria que considera as expressões faciais como uma forma de ampliar os sentimentos. As experiências realizadas foram, de facto, ao encontro da hipótese formulada, mas muitos dos estudos, como reparou inicialmente Fritz Strack, psicólogo social alemão, tinham um problema fundamental em comum: os participantes sabiam ou podiam adivinhar o propósito das experiências, e, tendo a noção de que estavam a sorrir, podiam sentir-se tentados a dizer que estavam mais felizes uma vez que associavam o sorriso a felicidade. Tratava-se de uma variável que limitava, em muitos aspetos, a objetividade dos resultados.
Assim sendo, Strack, juntamente com o colega Leonard Martin, procuraram pensar numa alternativa às experiências anteriores que pudesse garantir que os sujeitos a serem analisados não percebiam nem o objetivo da experiência, nem que estavam a sorrir. O conceito parecia difícil, mas Strack e Martin foram capazes de contornar o problema. A experiência consistia em pedir a um grupo de pessoas que segurasse com a sua boca uma caneta, ora com os lábios, forçando os participantes a contrair a boca e manter uma cara mais série, ora com os dentes, forçando os participantes a simular uma espécie de sorriso involuntário. As expressões faciais eram involuntárias e inconscientes e era assim que se deveriam manter até porque, para que a experiência resultasse, era necessário que não fosse conhecido o objetivo da mesma dado que isso influenciaria e alteraria os resultados.
Assim, foi dito aos 92 participantes, alunos na faculdade, que a experiência se tratava de um teste à sua coordenação psicomotora que procurava perceber como pessoas com deficiências físicas poderiam aprender a escrever ou a usar o telefone. Os alunos fizeram algumas experiências práticas ligando pontos com as canetas, sublinhando vogais, entre outros. Depois de várias atividades, era pedido aos participantes que avaliassem o nível de humor de uma pequena banda desenhada “The Far Side”, famosa na época. Foi esta a única tarefa a ser analisada pelos dois colegas com o objetivo de perceber quem acharia mais piada à banda desenhada: aqueles que seguravam a caneta com os dentes, e que, por isso, sorriam involuntariamente, ou aqueles que a seguravam com os lábios e que, por isso, mantinham um ar mais sério.
Os resultados não deixavam dúvidas: os alunos com a caneta equilibrada nos lábios, avaliaram os desenhos em 4,3, em média. Os que sorriam por terem a caneta entre os dentes, tiveram uma média de cerca de 5,1. Starck, no entanto, fez algumas precauções em relação aos resultados da sua experiência, sublinhando que sorrir, mesmo que possa ampliar ligeiramente os sentimentos, não o faz de forma muito significativa, como realça a Slate.
Muitas outras experiências procuraram depois utilizar os dados verificados por Martin e Strack nas suas próprias experiências. Um grupo de investigadores foi capaz, inclusive, de recolher dados que mostravam que, sorrir poderia fazer as pessoas menos racistas. A experiência realizada em 2006 na Universidade de Chicago utilizou a técnica da caneta entre os dentes para induzir um sorriso nas pessoas enquanto estas olhavam para fotografias de indivíduos de cor. Outra equipa descobriu também em 2013 que um sorriso induzido pela mesma técnica poderia aumentar os níveis de criatividade.
A ideia explorada por Martin e Strack que associa um sorriso, mesmo que involuntário, a algum tipo de repercussão mental, foi já muitas vezes reproduzida em diversas experiências diferentes. “A influência direta da expressão facial no julgamento foi demonstrada muitas e muitas vezes”, disse Strack em resposta à Slate. “Estou completamente convencido”, acrescentou. Mas as certezas de uns são as dúvidas de outros e, como dito, na ciência nada é certo.
Anos mais tarde uma onda de ceticismo começou a fazer-se sentir na comunidade científica e ideias como a de Starck foram postas em causa, pelo que o próprio sugeriu, de acordo com a Nature, uma replicação da sua experiência.
Um novo conjunto de experiências
A repetição de experiências não é algo de novo e a ciência já veio, muitas vezes, mostrar que os resultados entre uma primeira experiência e a sua repetição podem ser completamente diferentes. A Associação para a Ciência Psicológica tem vindo a desenvolver um projeto a que deu o nome de Relatórios de Replicação Registrada e que procura, exatamente, ir acompanhando as repetições de experiências que são depois analisadas em conjunto com os resultados das primeiras. Em 2016, três dos quatro relatórios realizados apontavam resultados diferentes.
A repetição da experiência de Stark e Martin teve início em 2015 e ocupou 17 laboratórios de oito países distintos. O objetivo seria que cada um procurasse reproduzir da forma mais exata possível os testes realizados pelos dois colegas, desde as canetas utilizadas, à banda desenhada e à forma como eram dadas as instruções, com o objetivo de serem também o menos suscetíveis a variáveis externas.
Os resultados vieram juntar-se a tantos outros que não convergiram com os obtidos nas primeiras experiências. Em cerca de metade dos laboratórios participantes, nove de 17, os participantes que estavam a sorrir deram classificações médias que, embora ligeiramente mais altas – entre um a dois décimos de ponto mais elevados – não se aproximavam dos resultados de Stark que registou uma diferença de cerca de oito décimos. Nos dados dos restantes laboratórios, os resultados pareciam ir na direção oposta com os participantes sorridentes a classificaram a banda desenhada entre um a dois décimos de ponto abaixo dos restantes. Os resultados equilibravam-se, pelo que não era possível retirar uma conclusão clara e perceber se o sorriso involuntário tinha ou não influência no humor.
É possível retirar uma conclusão?
Por agora não existe uma conclusão clara, mas tudo depende da forma como são avaliados os dados. Há quem acredite que os dados obtidos por Stark continuam a ser válidos mesmo após a repetição da experiência, até porque muitas outras experiências haviam chegado às mesmas conclusões e o sistema da repetição pode não ser inteiramente confiável.
De facto, a avaliação do comportamento humano nunca é completamente exata sendo influenciada por um conjunto vasto de variáveis incontroláveis. Assim sendo, e mesmo que se procure simular a experiência o melhor possível, apenas o facto de estar a ser reproduzida com pessoas de uma geração diferente pode mudar, de alguma forma, o resultado. Parece ser impossível fazer uma cópia exata de uma qualquer experiência.
Por outro lado, muitos acreditam que a corroboração de uma hipótese depende do seu conjunto de dados ser capaz de ser verificado nas várias experiências realizadas. Não sendo, a hipótese não é verificada. Mas será a premissa tão simples no campo das ciências sociais?
Starck assegura que não tem “motivos para mudar de ideias” até porque como algumas experiências discordam dos seus resultados, outras tantas concordam. O psicólogo alertou ainda para o facto de muitos dos participantes da experiência serem estudantes de psicologia que, tendo em conta que se tratava da simulação de um estudo já muito estudado na área, poderiam ter-se apercebido do objetivo, alterando os resultados. A presença de câmaras na sala poderia também ter inibido os participantes. Qual é, então, a conclusão a retirar? Por agora pode não haver ainda uma, pelo que “talvez” possa ser a melhor resposta.
Permanece, ainda assim, e perante esta dualidade, a questão: Existem falhas no estudo, no sistema de repetição de experiências, ou em ambos?