Filas com centenas de pessoas formaram-se no exterior das assembleias eleitorais um pouco por toda a capital do país, Banjul e arredores, ainda antes da abertura das urnas às 8:00 (locais e TMG).
Cerca de um milhão de gambianos, de entre uma população de dois milhões, foram convidados a escolher entre seis candidatos, todos homens, aquele que irá liderar o país mais pequeno da África continental, que é também um dos mais pobres do mundo, num escrutínio que será resolvido em apenas uma volta. Os primeiros resultados poderão ser conhecidos já este domingo.
O atual Presidente, Adama Barrow, 56 anos, candidato à sua reeleição, votou numa assembleia de voto perto do palácio presidencial e afirmou a sua fé numa vitória. “Esta será a maior vaga eleitoral da história deste país (…). Dentro de 24 horas, os nossos eleitores irão celebrar nas ruas”, declarou à imprensa.
Ousainou Darboe, 73 anos de idade, tido como principal rival de Barrow, votou apoiado num andarilho em Serekunda, nos arredores de Banjul, e agradeceu a Deus por lhe ter “dado a força para liderar este país”.
Há cinco anos, Barrow, um antigo promotor imobiliário, então praticamente desconhecido, derrotou surpreendentemente Yahya Jammeh, um ditador que durante mais de vinte anos conduziu um governo caracterizado por inúmeras atrocidades cometidas pelo Estado e seus agentes como assassinatos, desaparecimentos forçados, violações e tortura.
Jammeh, que se recusou a reconhecer a derrota eleitoral, foi forçado ao exílio na Guiné Equatorial, onde ainda vive, sob a pressão de uma intervenção militar da África Ocidental. Estas presidenciais são as primeiras em que não participa desde 1996, mas nunca deixou de se imiscuir na vida política e de tentar condicionar o futuro do país.
A possibilidade de Yahya Jammeh vir a ser responsabilizado por crimes que lhe foram atribuídos e aos seus agentes entre 1994 e 2016 – assassinatos, desaparecimentos forçados, atos de tortura, detenções arbitrárias, violações – foi uma das principais questões em jogo nestas eleições, a par da crise económica.
Os gambianos – quase metade dos quais (48,6%, de acordo com o Banco Mundial) vive abaixo do limiar da pobreza – foram duramente atingidos pela covid-19.
Para além da agricultura e das remessas da diáspora (perto de 22% do produto interno bruto, segundo o Banco Mundial), o país depende em grande medida das receitas do turismo, especialmente britânico, obtidas nas praias no Atlântico. A falência do operador Thomas Cook, primeiro, e a covid-19, depois, secaram esse fluxo. Atualmente, ainda que os turistas estejam a começar a regressar, muitos empregos desapareceram.
A Gâmbia, antiga colónia britânica, independente desde 1965, era já, proporcionalmente, um dos principais pontos de partida dos migrantes que procuravam chegar à Europa em embarcações rudimentares.
Desde o início da pandemia, os gambianos têm ainda mais razões para querer partir, com o aumento do preço de bens de primeira necessidade como o arroz, açúcar e petróleo, cortes de água e eletricidade, e falta de acesso a cuidados de saúde.
A presidência de Barrow foi marcada pela libertação dos prisioneiros políticos, estabelecimento de um sistema multipartidário e restabelecimento da liberdade de expressão. A Gâmbia reingressou na Commonwealth, e desistiu da intenção de abandonar o Tribunal Penal Internacional.
Porém, Barrow renegou a promessa de ficar apenas três anos no poder, decisão que provocou manifestações e dezenas de detenções em finais de 2019 e princípios de 2020. Por outro lado, os compromissos de procurar justiça para os crimes da era Jammeh foram também substituídos por novos interesses.
O seu partido, National Peoples Party (NPP), formado no início deste ano, formou uma aliança com o do antigo ditador em setembro, a apenas três meses das eleições, mas Jammeh, numa das suas intervenções de campanha a partir da Guiné Equatorial, denunciou o acordo e deu o seu apoio a um antigo membro do seu partido, Mama Kandeh.
Em 25 de novembro último, Barrow recebeu em mãos o relatório de uma comissão criada sob a sua presidência para levantar os abusos cometidos durante o regime de Yahya Jammeh. A comissão ouviu durante dois anos cerca de 400 testemunhas, vítimas e antigos funcionários e o seu relatório apela à responsabilização judicial dos responsáveis pelos abusos apurados, ainda que o conteúdo não tenha sido publicado e não se conheçam os autores dos crimes imputados.
O próximo Presidente tem seis meses para decidir sobre a questão e dar seguimento ao relatório.
APL // MSP