De acordo com dados ainda provisórios divulgados pelo Centro de Controlo e Prevenção de Doenças dos EUA, entre maio de 2020 e abril deste ano mais de 100 mil pessoas morreram por overdose no país. Este valor representa um aumento de quase 30% em relação ao mesmo período do ano anterior e quase o dobro relativamente aos últimos cinco anos.
Segundo as autoridades de saúde, este aumento do número de mortes por overdose, que se verificou em plena pandemia, constitui uma “crise nacional” sem precedentes relacionada com a venda ilegal de fentanil, um opioide de efeito analgésico, 50 a 100 vezes mais potente do que a morfina e com um início de ação rápido, sendo que os seus efeitos geralmente duram menos de uma ou duas horas. Das 100 mil mortes por overdose, 60 mil das mortes foram provocadas pela utilização de opioides como o fentanil.
Na última quarta-feira, em conferência de imprensa na Casa Branca, Anne Milgram, administradora da Drug Enforcement Administration (DEA), agência antidrogas do Departamento de Justiça dos EUA encarregue do controlo de narcóticos no país, disse que, este ano, o governo apreendeu fentanil suficiente para fornecer uma dose letal aos 333 milhões de americanos. “Os traficantes de droga e as redes [de tráfico] estão a inundar os nossos bairros de fentanil e metanfetamina na forma de comprimidos falsos”, alertou Milgram.
De acordo com a chefe da agência, os cartéis mexicanos utilizam produtos químicos vindos da China para fazerem as drogas – mistura de fentanil com outras drogas ilícitas – e enganarem os consumidores nos EUA, que pensam que estes medicamentos são aprovados e controlados. Contudo, os produtos são, além de falsos, muito perigosos. Além da China, a Índia é outra fonte de fentanil nos EUA.
Existem vários casos relatados no país de pessoas que morreram enganadas desta forma. Uma jovem de Las Vegas, por exemplo, morreu aos 25 anos por tomar comprimidos falsos com fentanil, quando pensava ter comprado Percocet, uma combinação do opioide oxicodona com paracetamol, utilizado para tratar a dor de moderada a intensa.
Em setembro, o DEA já tinha alertado para o facto de estarem a ser vendidas nas redes sociais, nomeadamente no Snapchat, estas drogas ilegais, feitas de forma muito semelhante aos medicamentos legalmente prescritos, anunciando a detenção de mais de 800 pessoas e a apreensão de quase 2 milhões de comprimido em todos os estados.
O governo de Joe Biden, que definiu este salto no número de mortes como um “marco trágico”, já afirmou que vai pressionar os Estados a promulgarem leis que facilitem o acesso à naloxona, um medicamento que pode reverter as overdoses por opioides como o fentanil, nas prisões ou estabelecimentos de ensino, ou que este medicamento seja coberto por seguros de saúde.
Em comunicado, Biden referiu que, apesar de se estar a avançar na “superação da pandemia de Covid-19”, não se pode ignorar esta “epidemia” de mortes, que “afetou famílias e comunidades em todo o país”.
O papel da pandemia
À CNN, Nora Volkow, diretora do National Institute on Drug Abuse dos EUA, explicou que, durante a pandemia, “quem já consumia drogas pode começar a tomar quantidades maiores e os que estão em recuperação podem ter uma recaída”, situação intensificada pelos isolamentos estabelecidos ao longo do período de pandemia.
A administração Biden afirma que investiu 4 mil milhões de dólares do Plano de Resgate Americano para combater as mortes por overdose, incluindo a expansão de serviços relacionados com a saúde mental.
Em Portugal, um relatório de janeiro deste ano apresentado pelo Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD) deu conta de que o número de mortes por overdose em Portugal aumentou pelo terceiro ano consecutivo, sem refletir ainda os efeitos da pandemia de Covid-19 por se reportar exclusivamente a 2019.