Poucos dias depois de concluir o seu primeiro mês fora da Casa Branca, alguns dos casos judiciais que perseguiram Donald Trump durante o seu mandato podem agora levar o antigo presidente dos EUA a responder a várias alegações de abuso sexual – incluindo violações. Em causa, estão as acusações de 14 mulheres que tornaram públicas as condutas sexuais impróprias do empresário americano ao longo dos anos que antecederam a sua presidência. Entre estas mulheres, estão incluídas uma modelo reformada que afirmou que Trump a molestou sexualmente no U.S. Open de 1997, uma ex-miss universo que denunciou Trump por a ter assediado em 2006, ou uma repórter que contou que Trump a tentou beijar sem consentimento em 2005, num resort da Florida.
As vozes de Jean Carroll e Summer Zervos têm vindo a ganhar particular destaque nas acusações contra o multimilionário. Em novembro de 2019, Carroll apresentou um processo de difamação contra o então presidente dos EUA, após este negar que a tinha violado numa loja de roupa em Manhattan, nos anos 90. Em sua defesa, Trump afirmou que não só não conhecia a mulher, como ela “não faz o meu género.” Também Zervos apresentou em 2016 uma queixa contra o empresário por abuso sexual, acusando-o de a ter beijado contra a sua vontade numa reunião em Nova Iorque, e mais tarde tentado assediá-la num hotel da Califórnia quando se encontraram para discutir oportunidades de emprego. Trump negou as acusações e chamou mentirosa à antiga participante do reality show “O Aprendiz”, um programa produzido e apresentado pelo próprio.
Ao longo do seu mandato presidencial de 4 anos, Donald Trump sempre se protegeu com o “escudo da presidência”, alegando várias vezes que, dado o seu cargo, não podia ser julgado por estas acusações. “A única barreira à procedência destes casos era o facto de Donald Trump ser presidente”, explicou Jennifer Rodgers, professora na New York University School of Law, à Reuters. Agora, esta alegada imunidade presidencial – tema que continua a dividir juristas dos EUA – chegou ao fim. As mulheres por trás destes protestos sabem-no, e estão a preparar-se para levar o antigo chefe de Estado a julgamento: Zervos apresentou, em fevereiro, uma moção ao Tribunal de Nova Iorque para resumir o seu caso. Também Carroll afirmou que já tinha ido a uma loja comprar a sua “melhor roupa” para quando se encontrar cara a cara com Trump, em tribunal.
No entanto, o regresso destes casos levanta questões que continuam por responder. Em setembro de 2020, depois de os advogados de Trump tentarem sucessivamente remover ou adiar as acusações de Carroll, os funcionários do Departamento de Justiça dos EUA fizeram algo nunca antes visto: defenderam o presidente norte-americano por uma acusação anterior ao início do seu mandato, ao alegar a sua imunidade em tribunal neste caso. Depois de o juiz Lewis Kaplan, do Tribunal Federal de Manhattan, rejeitar os argumentos dos funcionários governamentais, o recurso desta decisão ainda está pendente. Assim, colocam-se duas questões: se, por um lado, os funcionários do Departamento de Justiça, agora sob a alçada de Joe Biden, vão continuar a defender o caso em nome de Trump, e se, por outro lado, o tribunal de recurso vai confirmar a decisão de Kaplan – caso tal se confirme, tudo indica que Trump tenha de ir a tribunal para ser interrogado pelos advogados de Carroll.
O caso de Jean Carroll – em busca de ADN presidencial
A escritora e antiga colunista da revista Elle, E. Jean Carroll, tem 77 anos e o seu caso contra Donald Trump apresenta dois objetivos: a indemnização por danos não especificados e a retração das afirmações do empresário feitas contra si. Agora que Trump saiu do cargo e as suas alegações poderão avançar mais rapidamente, Carroll confidenciou à Reuters que “estou a viver para o momento em que vou entrar naquela sala e me vou sentar numa mesa à frente dele.”
Segundo a escritora, Trump cruzou-se consigo por acaso na loja Bergdorf Goodman, nos anos 90, em Nova Iorque. Na altura, Carroll era apresentadora de um programa de televisão e contou que o empresário a reconheceu, por isso ficaram a falar. Trump pediu-lhe para a ajudar a escolher um presente para uma mulher não identificada, e acabaram no departamento de lingerie, onde o empresário levou Carroll a experimentar uma peça de roupa interior – até que, a dada altura, o magnata norte-americano entrou no provador e encostou-a a uma parede, tirou as calças e abusou-a sexualmente, conta a própria.
Neste momento, os advogados de Carroll estão à procura do ADN de Trump no vestido que a própria usava no dia em que foi alegadamente atacada, guardado até aos dias de hoje. “Está pendurado no meu armário”, afirmou a própria. Em 2019, quando a escritora tornou público o caso, o vestido foi levado para uma análise forense, mas não foram encontrados quaisquer vestígios de sémen – mas foi descoberto o ADN de um homem não identificado na zona dos ombros e mangas da peça de roupa. Ainda assim, caso se venha a confirmar que este é o ADN de Trump, o ex-presidente não se torna automaticamente culpado – mas confirma-se que mentiu quando afirmou que “nunca tinha visto a mulher na sua vida.”
Carroll manteve a história em segredo durante anos por ter medo da influência do empresário multimilionário, confessou a própria, afirmando que foi graças ao #MeToo, um movimento que se popularizou nas redes sociais através da denúncia espontânea e em massa por mulheres de casos de violência sexual, que ganhou a coragem para o fazer. Agora, a escritora diz estar confiante que o laboratório vai descobrir que o ADN pertence a Trump e que o vai enfrentar finalmente em tribunal. Não se avizinham dias fáceis para o recém-derrotado membro do Partido Republicado.