“Inicialmente, também queria ir para casa, mas acabei por decidir ficar, pois queria dar um bom exemplo a todos”, conta Tian Qimeng, que dirige uma empresa de consultoria na cidade portuária de Tianjin, no leste da China, revelando que está a sua empresa está a distribuir 300 yuan (qualquer coisa como 38 euros) pelos que optam por ficar no local onde trabalham durante as férias. Já no ano passado, não tinha regressado à sua cidade natal, na província de Shaanxi, por causa da pandemia. À CNN, num relato emotivo, o homem, de 49 anos, recorda ainda que a última vez que não fora a casa dois anos seguidos foi na altura em que estava a acabar a faculdade. “Mas compreendo que agora é o melhor a fazer”.
Vicky Wang, funcionária de uma empresa de internet sediada em Shangai, também estaria agora de volta a Shaanxi. Ao invés disso, prepara-se para passar o festival mais importante do ano sozinha no seu apartamento, a mais de 1 200 quilómetros de distância da sua família. “Temos de fazer um pouco de sacrifício para que todos se mantenham seguros”.
Os relatos recolhidos por aquela estação americana são bem reveladores do estado de espírito que se vive agora, um pouco por toda a China, nas vésperas de o país comemorar a mais importante festa do ano. A pretexto do Ano Novo Lunar, normalmente há centenas de milhões de chineses a encher autoestradas, comboios e aviões, na sua viagem de regresso a casa para festejar com a família. Porém, este ano, a maior migração humana anual do planeta foi oficialmente suspensa, depois de o governo chinês ter deixado claro que não eram bem-vindas as viagens “não essenciais” durante este período de férias, para evitar um eventual regresso em força da Covid-19.
As medidas foram anunciadas depois de a China se ter deparado, nas últimas semanas, com novos surtos em várias províncias do norte do país, levando as autoridades a isolar cidades inteiras e a realizar testes em massa. Depois de o governo chinês encorajado as pessoas, mesmo em áreas de baixo risco, a celebrarem o Ano Novo Lunar no local onde moram e trabalham – ao mesmo tempo que eram aprovadas medidas que incluíam presentes em dinheiro, acesso gratuito à internet e entrada gratuita nas atrações locais e até, de acordo com os media locais, acesso antecipado a vacinas contra o coronavírus – também muitos empregadores deram a entender aos seus funcionários que deixar a cidade seria mal visto pelas chefias.
Restrições e desencorajamentos
Nada que tenha sido muito bem recebido por todos os chineses que estão longe dos seus entes queridos, como conta ainda a CNN, que faz uma comparação interessante para se perceber a importância do momento: o Ano Novo Lunar, também conhecido como Festival da Primavera na China ou o feriado mais importante do calendário do país, significa o mesmo que o Dia de Ação de Graças, o Natal e a Véspera de Ano Novo tudo junto, para um ocidental.
Além disso, para muitos dos chineses que deixaram as suas aldeias e foram atrás de oportunidades de emprego nas grandes cidades, é a única oportunidade de verem a sua família, ao longo de um ano. Há inclusive relatos de pais que deixaram os filhos em casa e que agora arriscam-se a passar mais um ano sem os ver.
Mas para desencorajar as pessoas de fazerem o caminho inverso até casa, as autoridades impuseram novas regras, logo no início do mês passado: quem quiser regressar às zonas rurais tem de ter um teste negativo à Covid-19, realizado uma semana antes de viajar, e depois tem de passar 14 dias em isolamento domiciliário, à chegada. Alguns governos locais, sublinha ainda a estação americana, impuseram mesmo as suas próprias regras, ainda mais rigorosas. Por exemplo, em alguns locais, quem regressasse tinha de passar duas semanas em quarentena num hotel aprovado pelo governo, em vez de permanecerem sob observação em casa, com as suas famílias.
Um sucesso anunciado?
A reação, mais ou menos pública a tudo isto, não demorou, revelando mais dúvidas do que certezas. No Weibo, aquele que é conhecido como o Twitter chinês, houve quem postasse: “Será que pensaram seriamente no assunto e o investigaram a público antes de implementar esta política?”, seguido de outras interrogações. “Será que as condições médicas nas vastas zonas rurais permitem que todos façam testes a cada 7 dias antes de viajar?”, questiona o mesmo utilizador, lembrando ainda que “o Estado só nos dá sete dias de férias, como esperam que se possam cumprir confinamentos durante duas semanas?”.
Em boa parte, são questões suscitadas pelo facto de, durante os meses, os meios de comunicação estatais não se terem contido a celebrar o sucesso da China em controla o coronavírus, destacando as suas medidas “rápidas e eficazes” face à “abordagem caótica de alguns governos ocidentais”. Agora, o ministério dos transportes chinês também não tardou a demonstrar a sua convicção de que, este ano, uma esmagadora maioria de chineses iria acatar as recomendações, estimando que se devem registar apenas 1,15 mil milhões de viagens neste período, menos 61% do que em 2019 e menos 22% do que no ano passado, já fortemente condicionado pela pandemia.
Se as previsões estiverem corretas, afiança ainda a CNN, será o menor número de viagens efetuadas durante o Ano Novo Lunar desde que o governo chinês começou a publicar registos, em 2003.
Subsídios e benefícios
São planos que contrastam também fortemente com as últimas grandes férias de outubro, quando a multidão lotou transportes públicos e atrações turísticas em toda a China. Na altura, o país não tinha relatado nenhum caso sintomático transmitido localmente desde meados de agosto. Foi quando os meios de comunicação estatal fizeram questão de dar destaque a fotos da Grande Muralha a abarrotar de visitantes, como prova do sucesso do país em conter a Covid-19.
Agora, após um 2020 difícil, muitos chineses ansiavam pelo momento de ver as suas famílias. Mas perante novo risco anunciado, dados os novos surtos detetados no norte do país, o discurso é outro, com os próprios media a exaltarem a decisão dos que não vão viajar. As autoridades locais estão a igualmente dar todo o seu apoio à campanha do governo, distribuindo os tais subsídios e benefícios para encorajar as pessoas a festejarem a importante data nas cidades onde trabalham. E nestas, como se vê pelas imagens vindas do outro lado do mundo, as ruas estão todas engaladas para receber o Ano do Boi, contando que possa ser aquele que vai deixar a Covid-19 para trás.