Um pequeno país no conturbado Médio Oriente tornou-se o líder da vacinação contra a Covid-19 e, num ápice, o território tornou-se um caso de estudo a nível mundial. Com perto de nove milhões de habitantes, Israel conta com um sólido sistema público de saúde, ligado por uma base dados que usa tecnologia de ponta. Mas ali, onde morreram pouco mais de 4 mil pessoas desde o início da pandemia (Portugal já ultrapassou os 11 mil), uma série de outras circunstâncias jogam a seu favor: é um país isolado, com um rigoroso controlo de fronteiras, e que assinou acordos com as principais fornecedoras de vacinas para lhes ceder os dados gerais de quem já foi inoculado.
A tão aplaudida campanha de vacinação israelita começou a 19 de dezembro, pouco antes de arrancar o plano europeu, e o primeiro inoculado foi exatamente o primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu. Desde então mais de um quarto da população recebeu pelo menos uma dose da vacina – e 10% dos idosos e outros grupos de risco já tomaram mesmo a segunda dose. Resultado: em três semanas, o número de internamentos baixou aproximadamente 60 por cento. As vacinas estão agora disponíveis para pessoas com mais de 40 anos – e ainda para os mais novos, entre os 16 e os 18 anos, de forma a garantir a próxima época de exames.
Os dados, compilados pelo Our World in Data, mostram então que o país segue na frente na vacinação contra a Covid-19, com mais vacinas administradas – depois de conseguido armazenar cinco milhões de doses, em condições ideais de refrigeração, nas instalações do laboratório Teva, perto do aeroporto de Telavive.
Em confinamento desde 26 de dezembro e até ao próximo dia 31, o executivo israelita mandou também já cancelar os voos, de forma a conter a entrada no país das variantes. Mas segundo denuncia a imprensa internacional, há vários senãos neste processo.
Um acordo muito especial
Uma das razões para esta tão grande vantagem de Israel na luta contra a Covid-19 foi justamente revelada pelo próprio Netanyahu, no início do mês, confirmando que o contrato com a Pfizer incluía a concessão de dados sanitários dos vacinados, para que em troca o país tivesse prioridade no fornecimento. “Israel vai tornar-se um modelo para o mundo, uma experiência-piloto, e será o primeiro país a sair da pandemia”, vangloriou-se. Mas perante uma pressão interna crescente, que fez muitos temer pela segurança dos seus dados médicos, acabou por divulgar as 20 páginas do contrato assinado com a Pfizer, nas quais se fala de “um acordo para determinar a percentagem de vacinação necessária para alcançar a imunidade coletiva”. A BioNTech fez ainda questão de salientar que “o objetivo do contrato é monitorizar a evolução da pandemia, em função de diferentes índices de vacinação” – mediante a concessão de dados epidemiológicos, como o número de casos confirmados, pacientes hospitalizados ou sujeitos a ventilação assistida, e ainda mortes por Covid-19, por idade, género e região.
Só que em sigilo ficaram os parágrafos que fazem referência aos aspetos comerciais – como o preço pago – passe a Pfizer ter mencionado uma tarifa por escalões em função do volume e rapidez na entrega. Segundo um alto funcionário israelita, citado pela Reuters, o governo de Netanyahu estaria a pagar cerca de 30 dólares por dose (perto de 25 euros), valor que ascende ao dobro do acordado entre aquela multinacional farmacêutica e a União Europeia. “O que fizemos foi convencê-los que, se nos dessem a vacina primeiro, saberíamos exatamente como a administrar no menor tempo possível”, disse o porta-voz do ministro da saúde israelita Yuli Edelstein, citado pela Politico. “Garantimos ainda que teríamos resultados mais cedo. É uma situação em que todos ganham”:
Palestinianos deixados para trás
Israel está ainda debaixo de fogo de uma série de organizações de defesa dos direitos humanos por não ter garantido vacinas aos palestinianos que vivem na Faixa de Gaza e na Cisjordânia, onde há, segundo as autoridades de saúde locais, mais de 150 mil casos confirmados de infeção e mais de 1500 mortes.
“Isto significa que mais de 4,5 milhões de palestinianos permanecerão desprotegidos e expostos à COVID-19, enquanto os cidadãos israelitas que vivem perto e entre eles serão vacinados”, condenaram também já os peritos da ONU, em comunicado. “Moralmente e legalmente, este acesso diferenciado aos cuidados de saúde necessários no meio da pior crise de saúde global é inaceitável”.