O país prepara-se para fechar portas e Boris Johnson, o primeiro-ministro britânico, até já avisou que este novo confinamento pode prolongar-se durante mais de um mês. Um crescimento desmesurado dos contágios, estimado pelo SAGE (sigla inglesa para Grupo Consultivo Científico para Emergências do Governo) no final da semana passada, terá apressado a medida. Mas agora há quem diga que a decisão é precipitada e questione os números.
É que, segundo fizeram saber agora os peritos do King’s College, instituição universitária dedicada à investigação que acompanha a dimensão da epidemia no Reino Unido desde o verão, “os casos estão agora a planar” e até houve “uma ligeira queda” de novas infeções na última semana.
Tim Spector, o prestigiado epidemiologia daquela instituição, não se conteve mesmo, no Twitter, a questionar a necessidade de um segundo confinamento nacional, agora que o vírus estava a ficar sem força e os contágios a baixar como esperado – pelo menos, em algumas regiões. E não foi o único. Horas antes, também Carl Heneghan, diretor do Centro de Medicina Baseada em Evidências da Universidade de Oxford, tinha assumido que os contágios, as admissões no hospital e as mortes já estavam a estabilizar.
No entender de ambos, os dados revelam que o sistema de confinamento por regiões, que o Reino Unido adotara no início de outubro, dava agora sinais de estar a surtir o efeito desejado – e isto depois de terem concordado que a estimativa de o país alcançar as 4 mil mortes por dia até dezembro era “matematicamente incorreta” e não deveria ter sido utilizada.
Uma crítica que suscitou já a reação do principal conselheiro científico do governo. Chamado ao parlamento, Sir Patrick Vallance veio agora dizer que “lamenta” ter assustado as pessoas com o dito dossier “apocalítico”, o mesmo que previa a invasão dos hospitais por doentes com Covid-19 até ao final do mês. “Assustar não era obviamente o nosso objetivo. O cenário foi feito com base em dados de há algumas semanas. Se não se verifica, lamento-o”.
A seu lado, Chris Whitty, o médico-chefe de Inglaterra, também admitiu que a previsão de 4 mil mortes diárias era muito improvável, mas defendeu que foi apresentado como o pior cenário, sem ter em conta as medidas adicionais entretanto avançadas pelo governo. “Mas mil mortes diárias já é um cenário bastante realista – e também nos parece razoável esperar números maiores do que os verificados em abril, nesta segunda fase da pandemia, se não avançássemos para medidas mais restritivas”, sublinhou Whitty, depois de reconhecer que as restrições regionais estavam efetivamente a fazer baixar a taxa R – mas não o suficiente para garantir que não se ultrapassa a capacidade dos hospitais.
A tudo isto, Michael Gove, líder do conselho de ministros britânico, disse apenas que o governo tem esperança que o confinamento termine no tempo previsto. Mas que “perante um vírus tão maligno e com uma tal capacidade de se mover tão rapidamente, seria tolice prever com certeza absoluta o que acontecerá em quatro semanas”, sublinhou, citado pela Sky News. Uma forma bastante airosa de fazer orelhas moucas aos que estão a apontar o dedo a Downing Street, por querer fechar tudo o mais cedo possível nesta segunda fase – e assim evitar cometer os erros cometidos na primavera, quando foram acusados de ser demasiado lentos a decretar o confinamento.