A visão do campo que nos foi revelada ao longo dos anos foi sempre devastadora. Em resumo, via-se um amontoado de barracas à volta de uma estrutura em betão com arame farpado. Construído para cerca de 3 mil pessoas, chegou a albergar perto de 20 mil. Agora, a lotação rondava os 13 mil. Sem água canalizada, luz ou recolha de lixo. Apenas uma sanita e um chuveiro para cada 500 pessoas. E uma zona com água potável disponível duas horas por dia.
Criado para ser um ponto de passagem, foi erguido em cima de uma antiga base militar. A maioria dos primeiros recém-chegados era de origem síria. Uma população depois ultrapassada pelos refugiados do Afeganistão, país que é o pior classificado no ranking do Índice Global da Paz. No início do ano, as ONG’s que ali prestavam apoio voluntário denunciavam esfaqueamentos e violações diárias. Num local sobrelotado, devido à aplicação pelo governo grego do acordo entre a União Europeia e a Turquia, que visa a devolução de milhares de refugiados àquele país, ali vivia e morria o sonho da Europa. Ou “A vergonha da Europa”, como lhe chamavam os ativistas, que há muito pediam a retirada dos mais vulneráveis.
Só menores desacompanhados contabilizavam-se mais de 1200. A maioria rapazes de 13, 14, 15, 16 e 17 anos. Mas também crianças com menos de 10 anos, como assinalaram os Médicos Sem Fronteiras, depois de se terem deparado com tentativas de suicídio dos mais novos.
Um monte de cinzas
Agora, é menos ainda do que isto. Moria, o maior campo de refugiados da Europa, tornou-se um monte de cinzas. O fogo engoliu tudo, depois de vários focos de incêndio terem começado às primeiras horas da manhã desta quarta-feira. Uma catástrofe que não causou mortes, mas abre nova crise humanitária na ilha grega de Lesbos. Porque deixa milhares de migrantes sem abrigo no meio de uma pandemia. O campo que nasceu há cinco anos com o início da crise dos refugiados tornou-se uma metáfora viva da forma incendiária como a UE lidou com a política migratória. A comparação é dos ativistas que há muito exigem o desmantelamento daquele espaço.
“Estou convencido de que é o seu fim”, declarou já o governador regional Costas Mutzuris ao La Vanguardia. “O campo está destruído, é impossível reconstruir o que aqui estava em tempo útil”, rematou. A fugir ao fogo, os milhares de migrantes foram acampando ao longo da estrada que conduz à localidade vizinha de Mytilene – um acesso entretanto bloqueado pela polícia. A justificação? Era preciso evitar uma emergência sanitária, já que o campo de refugiados estava em quarentena devido a um surto de Covid-19.
Esta sexta-feira, dez país da UE anunciaram a sua disponibilidade para receber cerca de 400 menores. “Os nossos contactos com Estados-membros da União Europeia levaram 10 países a participarem nesse acolhimento”. disse Horst Seehofer, ministro alemão do interior. Alemanha e a França já anunciaram que vão receber entre 100 a 150 crianças, cada. Portugal, segundo comunicado enviado às redações, também já transmitiu a sua disponibilidade para acolher um total de 500 menores não acompanhados. Os outros continuam por lá.