Veja-se: de 2009 a 2014, 1 milhão de mexicanos, incluindo os seus filhos nascidos em solo americano, deixaram os EUA rumo ao México, segundo uma pesquisa citada pelo Pew Research Center – um grupo de reflexão que analisa profundamente questões, atitudes e tendências. No mesmo período, confirmam os dados dos censos nos EUA, apenas 870 mil mexicanos migraram para os Estados Unidos. Além disso, avança o Instituto de Estatísticas do México, há já perto de 800 mil nascidos nos EUA a viver no país. Um número quatro vezes superior ao registado em 1990. E provavelmente é um valor subestimado, assinala o The Washington Post. Segundo estima a embaixada dos EUA na Cidade do México, o número real será de 1,5 milhões ou mais.
Haverá pelo menos um par de razões a justificar esta inversão de sentidos e a explicar porque há mais pessoas naqueles territórios a caminho do México – mas a principal é a lenta recuperação que a economia americana está a ter desde a crise financeira de 2008.
Quem são os migrantes rumo a sul
Na verdade, trata-se de uma massa de gente muito diversificada. São nativos digitais que podem trabalhar tão facilmente em Palo Alto como em Puerto Vallarta – famoso centro turístico mexicano. Muitos são nascidos nos EUA – quase 600 mil – que voltaram agora com os pais nascidos no México. Ou são aposentados como Vitor Guzman, 67 anos, empresário vindo de Charlotte há cinco anos e agora um dos impulsionadores do paddle por aquelas bandas. E se no início havia apenas alguns reformados, hoje em dia há tantos clubes no México dedicados ao paddle e afins, que já estão a organizar torneios por todo o país.
Além disso, levaram com eles uma série de outras coisas boas, já que estes imigrantes americanos estão literalmente a despejar dinheiro fresco na economia local, tanto reformando casas históricas como mudando a dinâmica nas salas de aula mexicanas.
“Está a tornar-se um fenómeno cultural muito importante”, disse já Marcelo Ebrard, ministro das Relações Exteriores do México. “Tal como a comunidade mexicana nos Estados Unidos.” E, no entanto, assumiu que as autoridades mexicanas sabem pouco sobre o tamanho ou as necessidades do seu maior grupo de imigrantes.
Por exemplo, embora os Estados Unidos estejam profundamente divididos em relação à imigração, os imigrantes americanos ali foram, em grande parte, bem-vindos. Em San Miguel – onde cerca de 10% dos 100 mil habitantes da cidade são cidadãos dos EUA – o autarca Luis Alberto Villareal já faz seu discurso anual sobre o estado do município em inglês e em espanhol. Por ali, comemora-se o Dia dos Mortos e poucos dias depois o Dia de Ação de Graças. Os restaurantes já adotaram o “horário americano” – servindo o jantar a partir das seis da tarde. “Apesar de Trump insultar o meu país todos os dias, aqui recebemos toda a comunidade internacional de braços abertos”, disse ainda Villareal.
Provavelmente ilegais, mas não faz mal
As autoridades mexicanas até sabem que muitos daqueles americanos provavelmente nem têm documentos – já que ultrapassam regularmente os seus vistos de seis meses. Mas o governo está pouco preocupado com isso. A justificação para isso é também simples: “Nós gostamos de pessoas que vêm trabalhar e ajudam a nossa economia – como os mexicanos fazem nos Estados Unidos”.
A força e o poder da internet também têm dado uma ajuda – e desde que o NAFTA ( sigla para Tratado Norte-Americano de Comércio Livre) entrou em vigor, o México passou a ter grandes lojas ao estilo da Walmart. E o que não se consegue encontrar nas montras, bom, é procurar na Amazon.
E como há tantos americanos a viver por ali nem sequer é propriamente necessário saber falar espanhol – tal a impressionante variedade de atividades para pessoas que falam inglês, do Clube dos Rotários aos Alcoólicos Anónimos. Os americanos estão ainda a reformar casas no centro histórico de Mérida, a capital de Yucatán, e saboreando as vistas para o Pacífico, a partir de casas em Gringo Hill. Melhor: há tantos americanos no badalado bairro de Condesa, na Cidade do México, que os guitarristas que passeiam fora dos cafés pedem dicas em… inglês.