O processo de recuperação mental das crianças que foram obrigadas a separar-se dos pais na fronteira EUA-México não tem sido fácil, mesmo depois do seu reencontro.
Há algumas que não reconhecem os familiares, mas a sua saúde mental também foi afetada: ansiedade, introversão e regressão são alguns dos problemas que estas crianças apresentam, porque o trauma da separação continua presente.
Thiago tem cinco anos e ficou 50 dias longe da mãe, Ana Carolina Fernandes, depois de serem separados na fronteira do Novo México, no regresso do Brasil, por agentes da Patrulha de Fronteira, no dia 22 de maio. Thiago foi uma das 3 mil crianças que foram retiradas aos pais à força, devido à política de migração tolerância zero imposta pela administração de Trump.
Ana Fernandes foi transferida para uma prisão federal e apenas quatro dias depois é que conseguiu ter novidades de Thiago, que chorou incontrolavelmente ao telefone.
Só no dia 10 de junho é que a mãe do menino conseguiu sair da prisão, depois de conseguir provar que tinha família nos EUA. Foi a 13 de julho, e com a ajuda de um advogado de Boston, que Ana Fernandes conseguiu reencontrar o filho. Agora, tentam recomeçar as suas vidas em Filadélfia, mas o trauma de Thiago parece não passar.
Além de se isolar e de não querer falar com ninguém, também as brincadeiras da criança mudaram muito: agora, Thiago gosta constantemente de fingir que está a prender pessoas com algemas de plástico. “Tem agido assim desde que o recuperei”, conta a mãe ao The New York Times.
De acordo com vários advogados e voluntários que têm dado apoio às famílias reunidas, separações momentâneas entre estas crianças e os pais, mesmo que seja uma simples ida à casa de banho, provoca uma ansiedade extrema. “Não querem ficar sem elas porque isso desencadeia um sentimento de abandono, ou como se lhes estivessem a retirar as mães” afirma Luana Biagini, advogada de Boston que trabalha com famílias brasileiras que foram reunidas.
Esta reação das crianças pode estar relacionada com o próprio trauma dos cuidadores no momento da separação. Isto porque, em muitos casos, as crianças foram arrancadas dos braços dos pais que, inevitavelmente, gritaram e choraram à sua frente. A algumas foi-lhes dito que iam apenas brincar com outras crianças, apesar de não voltarem a ver os pais, mas muitas destas crianças assumiram a separação como uma punição.
Durante esse tempo, foram distribuídas por uma centena de abrigos, muitas vezes a centenas de quilómetros de distância dos pais, e, por segurança, as equipas dos abrigos tinham apenas permissão para pegar ao colo os bebés e as crianças com menos de quatro anos.
Cerca de 10% dessas crianças foram levadas para famílias de acolhimento que, frequentemente, recebem várias ao mesmo tempo. Thiago foi recebido por uma em Los Angeles, mas a experiência não foi agradável. “Eles não gostaram de mim”, respondeu o menino, quando lhe perguntaram se recebia abraços da família adotiva.
Estudos recentes mostraram que a separação pode prejudicar a memória e a produção de cortisol, hormona que responde ao stress. Além disso, os acontecimentos de separação de uma criança do seu cuidador principal marcam negativamente a sua vida durante muito tempo, mesmo que seja durante um curto espaço de tempo.
“A má notícia é que os primeiros anos de vida são um período sensível do desenvolvimento do cérebro: o que acontece pode ter um impacto dramático mais tarde ”, afirma Johanna Bick, professora de Psicologia na Universidade de Houston, no Texas, que estuda crianças em situações adversas. Mas continua. “A boa notícia é que as crianças são resilientes e a intervenção precoce pode ajudá-las”, refere.
No entanto, o reencontro com os pais biológicos nunca é um momento pacífico e, de acordo com Oliver Lindhiem, psicólogo na Universidade de Pittsburgh, “as coisas não voltam a ser como eram”. “É ingénuo pensar que os reencontros podem ser alegres”, afirma.
Quando Ana Fernandes reencontrou Thiago, perto da zona de recolha de bagagens do aeroporto, manteve-se imóvel, enquanto a mãe chorava agarrada a ele. Vai ser um caminho longo que ambos têm de percorrer.