O choque frontal entre Barcelona e Madrid há muito que se anunciava. Aconteceu ontem, quando o parlamento catalão, num processo apressado e muito criticado, aprovou a lei que convoca o um referendo vinculativo sobre a secessão da Catalunha. A cerca de vinte dias da data para a consulta popular, o governo central espanhol anunciou uma bateria de medidas para travar o referendo e o processo de rutura. Por enquanto Rajoy opta por recorrer ao Tribunal Constitucional para anular a lei catalã, mas tem outras ferramentas, mais agressivas entre mãos.
1. Porque é controversa a aprovação da lei do referendo?
A lei do referendo, que convoca uma consulta popular sobre a independência da Catalunha para 1 de outubro, foi aprovada por 72 votos a favor, 11 abstenções e nenhum contra. Os independentistas de Junts pel Sí e da CUP garantiram a ‘luz verde’ da lei, com a abstenção do grupo Pot, que inclui o Podemos. No momento da votação estavam apenas 83 dos 135 deputados, depois dos socialistas catalães (PSC), os conservadores do PP e o partido Ciudadanos terem abandonado o hemiciclo para não dar cobertura a uma “ilegalidade”. A lei, que não estava na ordem do dia parlamentar, teve um tratamento de urgência, com o debate a ser reduzido a cerca de hora e meia, quando em circunstâncias normais poderia levar semanas. E os deputados tiveram apenas duas horas para apresentar emendas. O Ciudadanos anunciou entretanto que vai apresentar uma moção de censura, ainda que faltem votos para a sua aprovação no parlamento catalão. Passadas poucas horas do voto parlamentar, o presidente da Generalitat, Carles Puigdemont, assinou a convocatória ao referendo. “Catalunha decidirá democraticamente o seu futuro a 1 de outubro”, disse ao final da noite.
2. O que indicam as sondagens?
A última sondagem do Centro de Estudios de Opinión, de 27 de setembro, indica que 37,6% dos catalães preferem um Estado independente, 29,3% que a Catalunha seja uma comunidade autónoma de Espanha e 24% um Estado de uma Espanha federal. Na anterior sondagem, de março, o apoio à secessão era de 44,1%. O boletim de voto foi esta quinta-feira (7 de setembro) publicado no diário oficial da Catalunha. “Quer que a Catalunha seja um Estado independente em forma de república?”, é a pergunta oficial, conhecida desde junho, escrita em três línguas: catalão, castelhanos e occitano. A campanha deve começar a 15 de setembro. A independência catalã, segundo a lei do referendo, será proclamada no dia 4 de setembro se o “sim” tiver mais votos no referendo. Não há um mínimo de participação eleitoral.
3. Qual a resposta do governo central?
“Não haverá qualquer referendo de autodeterminação”, reagiu o presidente do governo espanhol, Mariano Rajoy, esta quinta-feira (7 de setembro). Madrid anunciou seis medidas para bloquear o processo de secessão catalão, com o Tribunal Constitucional (TC) a ter um papel crucial. A primeira das quais é o recurso ao TC contra a lei do referendo, para que se declare a sua nulidade. Este tribunal será chamado também caso seja aprovada a lei da rutura, o plano B dos catalães para os entraves legais ao processo de referendo, e para notificar os membros do governo, altos cargos e os 947 autarcas catalães. Rajoy quer ainda impugnar os decretos-lei da convocatória do referendo e a formação da comissão eleitoral. e a sua regulação.
4. Que meios tem Madrid para impedir o referendo?
O Tribunal Constitucional tem agora a primeira palavra a dizer quando apreciar a lei do referendo. O governo de Rajoy só entra em ação no caso de Barcelona não acatar a decisão provável do Constitucional de anular o referendo. Neste cenário, o próprio tribunal pode tomar medidas excepcionais por desobediência contra as pessoas que ocupem cargos públicos. Entre as consequências estão multas reiteradas entre três mil e 30 mil euros e a suspensão destas pessoas. Os juízes, no entanto, consideram que cabe ao governo tomar as medidas necessárias. A Generalitat já avisou que em caso de anulação da lei do referendo vai prosseguir com um plano unilateral, conhecido em maio, e que passa por aprovar uma constituição provisória.
As opções de Madrid passam por acionar o artigo 155º – uma espécie de suspensão da autonomia, com o governo central a recuperar competências que são da responsabilidade de uma região. A medida permite a Madrid “adotar medidas necessárias” para fazer uma comunidade a cumprir a lei. O El Pais indica que Rajoy poderá, por exemplo, ordenar o fecho dos locais onde se irão realizar o referendo ou ordenar à polícia catalã (Mossos) a retirar as urnas. Os socialistas do PSOE têm sido contra esta medida e dentro do próprio PP também há muitas reticências, uma vez que pode ser interpretada como uma agressão à Catalunha.
O recurso à Lei de Segurança Nacional – na qual existe a norma de “garantir a defesa de Espanha e os seus princípios e valores constitucionais” – ou ao código penal espanhol, por rebelião, também são opções de Madrid ainda que mais remotas.
5. No exterior, quem apoia as pretensões catalãs?
Nenhum governo ou instituição internacional saiu em defesa de um referendo ou da secessão na Catalunha. A unidade de Espanha é uma constante nos discursos de políticos europeus. “Qualquer ação contra a Constituição de um Estado é uma acção contra o marco legal da UE. O respeito deve ser garantido a todo o momento”, reagiu Antonio Tajani, o italiano que presidente ao Parlamento Europeu.