Três anos volvidos de um consulta informal aos catalães sobre o seu futuro em Espanha, o governo de Barcelona (Generalitat) volta à carga munido de uma estratégia constitucional. Se Madrid continuar a bloquear a realização de um referendo independentista, no outono, a Generalitat aprova a lei de transição jurídica, conhecida já como a lei da ruptura.
Em 2014, venceu o “sim” ao divórcio por mais de 80% dos votos, numa consulta não reconhecida por Madrid e que levou mesmo à condenação, por desobediência, de responsáveis do governo catalão, como Artur Mas. Em 2017, o governo espanhol continua a opôr-se a um referendo mas, desta vez, a Generalitat preparou-se para a ofensiva legal, até porque existe hoje uma maioria reforçada pró-independência no parlamento catalão.
A lei da ruptura – confidencial até ser revelado esta segunda-feira pelo El País – deve funcionar como uma constituição provisória, durante dois meses, para que o parlamento do território inicie o processo constituinte da República da Catalunha. E também serve de roteiro detalhado para o divórcio: a Generalitat integrará os 29 mil funcionários públicos no território, desde juízes a polícias; explica quais os cidadãos com direito a nacionalidade catalã ou como a obter; indica as leis espanholas que se mantém; enumera o património que passa para a administração catalã; e determina quais os contratos ou serviços que assume o novo governo.
Entre as prioridades da Generalitat está a autonomia do sistema judicial da Catalunha, através da nomeação do presidente do Tribunal Supremo catalão e do Procurador-Geral. A lei da ruptura assume também que a República da Catalunha continuará dentro da União Europeia e garante as prestações sociais.
O documento também tem um capítulo para regulamentar o referendo e inclui a pergunta do boletim de voto: “Quer que a Catalunha seja um Estado independente de Espanha?” Uma maioria de votos a favor, sem quaisquer balizas de participação, tornaria a consulta vinculativa. “Se o Estado espanhol impedir de maneira efetiva a celebração do referendo, esta lei entrará em vigor de maneira completa e imediata assim que o Parlamento constate o impedimento”, lê-se no documento, citado pelo diário espanhol. Em 48 horas, a maioria parlamentar da Catalunha tem poder para aprovar esta lei e aquecer os motores da independência.
“É um delírio jurídico”, reagiu Mariano Rajoy, numa conferência de imprensa improvisada onde era notória a surpresa. “Essa proposta é uma chantagem ao Estado inaceitável”, continuou o presidente do governo espanhol, antes de convidar o dirigente catalão Carles Puigdemont a um debate no parlamento espanhol. “Para que essa ameaça avance é preciso o apoio da Câmara, não do meu apoio, que só sou mais um entre os 350 deputados do Congresso”, rematou Rajoy.
Os redactores da lei da ruptura preferem argumentar que não existe numa ilegalidade, uma vez que a “soberania nacional radica no povo da Catalunha, do qual emanam todos os poderes do Estado”. Na resposta política, Puigdemont recusou esta segunda-feira deslocar-se ao parlamento espanhol sem que haja um “acordo prévio” para a realização de uma consulta que, garante, vai acontecer seja na versão de um referendo acordado ou homologado internacionalmente. “O Estado espanhol não dispõe de tanto poder para impedir tanta democracia”, avisou.
A recuperar de episódios em série de corrupção dentro do seu próprio partido (PP), o conservador Rajoy enfrenta agora a mais grave crise institucional do seu novo mandato.