As declarações do presidente do Eurogrupo incendiaram os ânimos em Portugal e Espanha. Mas afinal, o que pensam os países do Norte acerca dos países do Sul da Europa? Acreditam eles que somos irresponsáveis e gastadores, como Dijsselbloem insinuou? Perguntámos a seis colunistas da rubrica NÓS LÁ FORA da VISÃO (que reúne histórias e pontos de vista de 26 portugueses espalhados pelo mundo) o que pensam os povos dos países onde habitam. Ora veja o que se diz dos portugueses na Holanda, Alemanha, Luxemburgo, Bélgica, Hungria e Noruega o que pensam por lá as populações acerca dos países da Europa do Sul.
HOLANDA – SIM, CLARO!
José Mascarenhas, em Amesterdão
“Claro que sim! E menos não seria de esperar de um povo que não tem o nosso vinho…ou mesmo as nossas mulheres. Havemos de gastar o dinheiro em quê? No fundo é um problema cultural, como todos os problemas deste mundo acabam por ser. Não se pode pedir a um povo que almoça sanduíches em trinta minutos, que tem em metade dos seus pratos puré de batata ou só sabe tirar uma imperial com quatro dedos de espuma (e com orgulho do belo serviço que estão a fazer) que compreenda o gosto que é passar uma tarde a comer bem e beber bom vinho. O sentimento é generalizado, sim, mas também é fruto de uma cultura de preto e branco, de normas e falta de termo de comparação com algo que não seja um sistema muito próprio, onde as regras não são só cumpridas, como bem vindas. Uma dívida paga-se, a tempo e horas. Nós, mais a sul, estamos ocupados com almoços de três horas e virar garrafas. Esperem aí que já pagamos a conta. Calma.”
(Leia aqui a última crónica de José Mascarenhas sobre o assunto)
ALEMANHA – SIM!
Bruno Sousa, em Darmstadt
“Isto não é novidade nenhuma, sempre foi assim. Quando emigrei pela primeira vez, em 1997, para a Holanda por 3 anos, não foram raras as vezes em que ouvi comentários, no gozo, do género: “Mas estamos assim tão mal que precisamos de ir buscar engenheiros a Portugal?” . Os Holandeses dizem o que pensam e não têm qualquer tacto para adaptar a mensagem ao destinatário e o seu humor é muito cru. O Sr. Dijsselbloem é um holandês típico. E o que ele expressou, de forma sexista, é um preconceito standard. E não percebo o alarido, como se se tivesse descoberto agora a pólvora. Desde pelo menos 2008 que o preconceito está bem vivo e de saúde.
Em relação aos alemães, é exactamente assim que o povo, de uma certa geração e de um certa faixa social, pensa sobre Portugal, Itália e muito em particular da Grécia, a quem, assim julga o povo, se empresta muito dinheiro, ganho arduamente, e que nunca será re-pago. Essa é, por exemplo, a opinião do meu sogro, com quem já tive inúmeras discussões, que diz que são corruptos e mentirosos os Gregos e que aldrabam as contas e o dinheiro desaparece, e depois tem que se lhes dar sempre mais… o que eu disputo, dar não, emprestar a juros elevadíssimos que os põe na miséria!”
LUXEMBURGO – SIM, MAS SÓ OS POLÍTICOS
António Raúl Reis, em Luxemburgo
“Depois de consultar vários luxemburgueses fico com a impressão de que aqui partilham a opinião de Dijsselbloem sobre os políticos, (portugueses e não só) mas não estão de acordo no que diz respeito ao povo português. ‘São trabalhadores como poucos luxemburgueses”, disse um luxemburguês de 65 anos, crítico de cinema e tradutor. Segundo este luxemburguês ‘de gema’, como ele próprio se define já que consegue recuar seis gerações com nacionalidade do Grão-Ducado, os portugueses ‘gostam certamente de copos e de mulheres como toda a gente’. Uma luxemburguesa de 40 anos com raizes alemãs pelo lado do pai acusa o protestantismo, e o puritanismo que se lhe associa, pelas declarações do holandês Dijsselbloem. ‘Os protestantes, sobretudo os holandeses, flamengos ou alemães, têm a mania de que eles são os únicos que trabalham a sério”, disse esta luxemburguesa que defende ainda que “há tantos preguiçosos portugueses como luxemburgueses’.”
BÉLGICA – SIM, HÁ CLIVAGENS NORTE/SUL
Tiago Antunes, em Bruxelas
“A realidade onde me movo – a das instituições europeias – é muito internacional e diversificada: há pessoas de todas as nacionalidades dos 28 Estados-Membros e toda a gente está muito habituada a conviver com as idiossincrasias nacionais uns dos outros. Sendo certo que essas idiossincrasias existem e são muito claras. Não há dúvidas se estamos perante um finlandês ou um italiano. Os do norte olham para os do sul como “gente do sul”; e os do sul olham para os do norte como “gente do norte”. Mas embora as diferenças sejam vincadas, as pessoas por aqui estão realmente no dia-a-dia muito expostas e confrontadas com essa diversidade, que é encarada como uma coisa natural, pelo que não se sentem tanto os preconceitos inerentes às declarações do Dijsselbloem.
Mas isso, lá está, é mais a atitude dos expatriados que aqui vivem em relação uns aos outros. Não é bem a perceção dos belgas, que essa não consigo avaliar. Para ser sincero não conheço nem me relaciono com muitos belgas. Até porque os belgas de Bruxelas também estão muito habituados à diversidade. Em todo o caso, a clivagem norte – sul é uma coisa que existe, com grande força, mesmo no interior da Bélgica. Os tipos da Flandres olham para os da Valónia como uns preguiçosos que vivem à conta do desenvolvimento económico do norte. E os valões olham para os da Flandres como uns pedantes. Mesmo o tipo de comportamentos e a maneira de ser de uns e outros são muito diferentes. Curiosamente, ainda hoje um belga me dizia que, para ele, a Europa do sul começa na Valónia e a Europa do norte na Flandres. Isto é, Bruxelas seria uma linha divisória entre duas Europas muito distintas.”
HUNGRIA – NÃO
José Reis Santos, em Budapeste
“Os húngaros para terem uma opinião sobre Portugal tiveram de a inventar. E fizeram-no durante os anos 30, altura em que ficaram intrigadíssimos como um pequeno país, liderado por um ditador católico sem tiques de Hitler ou Mussolini, conseguira no confuso turbilhão da política internacional da época manter Portugal imperial e pluri-continental independente e «neutro», com uma ideia e filosofia política própria, marcadamente conservadora e anti-comunista, percebida em terras magiares como capaz de pacificar socialmente o país e de o desenvolver economicamente.
Claro que esta ideia era enquistada pelo facto da propaganda internacional do Estado Novo ter largos e oleados tentáculos, e por terem os húngaros passado o período entre-guerras à procura de uma (nova) identidade que lhes garantissem independência e autonomia em relação às potências próximas (Itália primeiro, Alemanha depois). Assim pensaram ter encontrado no corporativismo católico lusitano um exemplo, um modelo a seguir pelos seus líderes.
É neste contexto que, para surpresa dos serviços de imprensa da Embaixada em Budapeste, começaram a surgir “livremente” na imprensa húngara (ou seja sem intervenção directa do Estado português) um conjuntos de exagerados artigos sobre Portugal. Valorizavam estes as questões do tamanho (geográfico e demográfico), a relação com a perda do império e a responsabilidade partilhada de ambos sermos país-fronteira da cristandade, equivalendo a reconquista lusa contra os mouros às lutas contra os turcos dos húngaros. Claro que nada disto era real. Este shangri-lá corporativista, país católico de bons costumes era uma elaborada fantasia desenhada à distância de um bom par de milhares de quilómetros, retirada dos livros da boa propaganda nacionalista.
Em todo o caso, esta é uma imagem que ainda perdura no imaginário húngaro: a de dois países-primos, afastados pela geografia mas unidos por uma história e um destino (fado) comum. Na imprensa actual, Portugal é essencialmente destaque pelo futebol, com os húngaros ainda a pensar que podiam nos ter colocado fora do euro, e que o Ronaldo é obviamente gay. As afirmações de Dijsselbloem foram reportadas por takes meramente informativos, onde o nosso Primeiro era wikipediamente identificado como António Luís Santos da Costa. Julgo ainda que esta é uma imagem em transformação, pois a recente investida da Wizzair no mercado português (com voos directos para Lisboa, Porto e agora Faro), e o consequente desembarque de nova horda de magiares, produzirá rapidamente uma nova imagem. Esperemos por sábado, e da experiencia do Estádio da Luz…”
NORUEGA – NÃO
Vasco Pinhol, em Ålesund
“Como todos sabem, os noruegueses adoram alemães e detestam portugueses. Não, não é bem assim… Hitler pensava que o repositório dos arianos ficava na Noruega e invadiu-a na ilusão de que seria recebido de braços abertos. Mas os alemães passaram muito mal e morreram aos magotes e o inferno foi tal que a cidadezinha onde moro – Ålesund – era conhecida por “little London”. Em França havia um monte de malucos na resistência. Na Noruega foi o país inteiro. Este ódio perdura, tapado com uma camada fininha de verniz.
Por outro lado, os noruegueses encontram-se com os portugueses e com os bascos há milénios, na pesca do bacalhau. É por isso que por aqui há muitos louros mas também há muitos morenos; muitos portugueses antes de mim vieram cá deixar o seu ADN.
Os noruegueses adoram Portugal, sabem muito mais sobre nós do que nós sobre eles – muito bom português ainda confunde a Noruega com a Suécia com a Dinamarca com a Finlândia, que é o mesmo que confundir Espanha com Portugal, etc. Pelam-se por pastéis de nata, adoram a nossa comida e acham que somos um bocadinho malucos, mas de uma forma positiva e simpática, o que é uma observação factual. Para os noruegueses, os portugueses são os vikings da península Ibérica.
Calho estar exactamente neste momento a fotografar num sítio em que privo com duas equipas olímpicas – uma de alemães e outra de noruegueses. Os primeiros rosnam. Os segundos riem. É isto.”