Desde o fim de fevereiro que o nome de Álvaro Sobrinho, ex-presidente do BES Angola, não sai dos principais jornais das Ilhas Maurícias, sobretudo do L’Express, que tem dedicado páginas e páginas a explicar quem é e que suspeitas enfrenta noutros países aquele que descrevem como “o bilionário angolano”. Tudo porque a Unidade de Inteligência Financeira, a Comissão Independente Contra a Corrupção e o Ministério da Boa Governação estão a investigar o homem que Ricardo Salgado levou para presidente do BES Angola nos anos 90 por suspeitas de que Sobrinho terá criado uma fundação para mascarar atividades ilícitas.
A história começou quando se descobriu que Álvaro Sobrinho terá comprado nas Ilhas Maurícias 4 Range Rover e três Jaguar por 40 milhões de rupias mauricianas (mais de 1 milhão de euros). E se levantou a suspeita de que alguns destes carros teriam sido oferecidos a pessoas politicamente expostas no país como a esposa e a filha de um ministro. Por esta razão, o caso também se tornou político, com a oposição a usar a história como trunfo contra a presidente do país, Ameenah Gurib-Fakim, por aquela alegadamente ter tido uma parceria com Sobrinho na constituição da fundação Planet Earth Institute. A oposição também tem recordado que, num momento em que a presidente esteve no centro de uma controvérsia por viagens feitas ao estrangeiro, a fundação criada por Sobrinho terá feito publicar na primeira página de jornais comunicados de apoio à presidente. E questiona-se ainda por que razão a Comissão de Serviços Financeiros terá atribuído duas licenças para dois fundos de investimento do empresário (uma delas 15 minutos depois de ter sido feito o pedido), depois de alegadamente o banco central daquele país lhe ter rejeitado uma licença bancária.
O caso assumiu tais proporções que vários nomes de familiares de políticos têm saltado para os jornais como sendo os alegados beneficiários dos carros comprados por Álvaro Sobrinho. A tal ponto que Irvin Collendavelloo, filho do vice-primeiro-ministro Ivan Collendavelloo, para afastar suspeitas publicou na passada semana nas redes sociais o seguinte post: “A caminho do trabalho e ouço o meu nome na rádio. Só para que saibam aqui fica uma fotografia do Renault Megane que estou neste momento a conduzir a caminho do trabalho.”
A oposição também tem comentado que o primeiro-ministro, Pravind Jugnauth, é o principal responsável por este caso por ter feito votar uma lei que dava mais poderes à Comissão de Serviços Financeiros para licenciamentos na área da banca de investimento.A nova lei foi aprovada 31 de agosto. Só depois desta data Álvaro Sobrinho terá feito os pedidos.
O site da fundação criada por Sobrinho explica que dos cinco países em que mais tem investido desde 2015, as Ilhas Maurícias estão no terceiro lugar. O escritório está localizado em Londres mas há filiais em vários países africanos. Sobrinho deixou a presidência da organização em 2012, tendo o seu lugar passado para as mãos de um antigo embaixador britânico na África do Sul.
Nas últimas semanas, os jornais das Ilhas Maurícias têm recordado os processos judiciais de que o empresário é alvo em portugal, nomeadamente as suspeitas de que terá desviado milhões de dólares do banco a que presidiu: o BES Angola.
O dinheiro de Angola
Em outubro, a VISÃO revelou os testemunhos reunidos num dos processos-crime relacionados com o universo Espírito Santo. E que mostram como milhões de dólares do BES Angola terão alegadamente entrado em contas do ex-presidente do banco angolano, em Portugal e na Suíça. Segundo Rui Guerra, que substituiu Álvaro Sobrinho na liderança do BES Angola (BESA), os milhões suspeitos que terão entrado nas contas bancárias do seu antecessor terão chegado, não por empréstimos diretos concedidos pelo banco angolano a Sobrinho, mas por ordens de transferência para o exterior dadas por cinco entidades que terão, essas sim, beneficiado de créditos do BESA no total de 1600 milhões de dólares (1426 milhões de euros), sem quaisquer garantias.
Rui Guerra acrescentou à equipa liderada pelo procurador José Ranito que essas entidades estarão ligadas “aos negócios das torres da Escom”. Mas os verdadeiros beneficiários do dinheiro ainda estão por identificar. Também João Gomes da Silva, que presidia à mesa da assembleia-geral do BESA em 2013, terá contado que da documentação reunida por Rui Guerra constariam talões de levantamento em numerário “de valor elevado” que “coincidiam temporalmente com entradas de fluxos de dinheiro equivalentes em contas” que beneficiariam diretamente Álvaro Sobrinho, os seus familiares ou a empresa Grunberg Portugal, dedicada à compra e venda de bens imobiliários.
Quando o inquérito foi aberto em 2014, o Ministério Público suspeitava que 500 milhões de dólares do BESA (446 milhões de euros) tinham entrado indevidamente na esfera patrimonial de Sobrinho e de terceiros. Neste momento, depois de uma análise mais detalhada dos movimentos bancários, os investigadores suspeitam que só Álvaro Sobrinho ter-se-á apropriado de mais de 140 milhões de dólares (cerca de 125 milhões de euros).
De acordo com vários depoimentos a que a VISÃO teve acesso, Álvaro Sobrinho terá sido diretamente confrontado com as transferências suspeitas para as suas contas na célebre reunião do conselho de administração do BESA, de 3 outubro de 2013, em que foram discutidos créditos cedidos pelo banco angolano no total de cerca de 5,7 mil milhões de dólares (cerca de 5 mil milhões de euros) que não estavam a ser cumpridos. Seriam esses créditos que viriam a obrigar o Estado angolano a emitir uma garantia soberana a favor do BESA, que acabaria sem efeito depois da tumultuosa queda do Grupo Espírito Santo (GES), no verão de 2014. Encostado à parede na reunião, o ex-presidente do BESA terá apresentado um conjunto de nomes que dizia serem os beneficiários efetivos das cinco sociedades que tinham recebido a maior fatia dos créditos em causa. Mas os nomes apresentados não convenceram os presentes.
Rui Guerra contou ao Ministério Público que houve esforços para que Sobrinho desse informações sobre os destinatários dos créditos em incumprimento ao novo presidente do conselho de administração do BESA, Paulo Kassoma, mas sem êxito.
Até ao momento em que saiu de Angola, em outubro de 2014, Guerra garante que as dívidas de Sobrinho e dos seus familiares não foram pagas nem houve qualquer acordo para a reestruturação das mesmas. Revelou ainda que, já em 2013, foram detetados registos de transferências “constantes” de 70 mil dólares (62,5 mil euros), no início de cada mês, para contas ligadas a Álvaro Sobrinho. Disse não saber, no entanto, se se tratavam de remunerações.
Apesar de estes depoimentos colocarem Álvaro Sobrinho como destinatário efetivo de transferências de cinco entidades que receberam 1,6 mil milhões de dólares (1,4 mil milhões de euros) do banco angolano enquanto o próprio o dirigia, quando o Ministério Público tentou usá-los como justificação para apreensões e arrestos de bens no âmbito de outros processos mais antigos, o ex-presidente do BESA saiu a ganhar.
A compra de bens móveis e imóveis por Álvaro Sobrinho está a ser investigada pelo DCIAP desde 2010. O mesmo departamento do Ministério Público começou em 2014 a investigar o seu papel na atribuição de créditos sem garantias enquanto liderava o BES Angola.
O Ministério Público tem reunido provas dos diversos processos e o juiz Carlos Alexandre, do Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC), tem determinado que os bens do ex-líder do BESA fiquem na posse do Estado até as investigações estarem concluídas, tendo por base a “hipótese de desvios de dinheiro”, suspeitas de “desfalque” e “disposição de património a seu bel-prazer” [de Álvaro Sobrinho].
Mas é a defesa de Sobrinho quem tem somado vitórias consecutivas nos tribunais superiores. Juízes da Relação de Lisboa como Rui Rangel ou o ex-diretor do Serviço de Informações e Segurança (SIS), Antero Luís, decidiram levantar o arresto e apreensão de inúmeros imóveis de luxo do luso-angolano. Para os juízes-desembargadores, as provas dos movimentos bancários e dos fluxos financeiros não bastam; é preciso provar que na origem houve um crime de burla qualificada ou de abuso de confiança. Para estes juízes, não há provas de que os investimentos imobiliários de Sobrinho resultam de dinheiro desviado do BESA para as suas contas bancárias, ou de qualquer crime cometido contra o BES ou contra o BESA.
Em outubro, contactado pela VISÃO, Artur Marques, advogado de defesa de Álvaro Sobrinho, esclareceu que o seu cliente não tinha sido constituído arguido nem sequer chamado a prestar declarações no processo que nasceu em 2014 (relacionado com o BES Angola). Sobre os depoimentos a que a VISÃO teve acesso, que constam desse processo e que têm sido extraídos para os processos mais antigos, Artur Marques argumenta que “não são indícios” e que as cinco decisões favoráveis a Sobrinho dos tribunais superiores “só significam” que a defesa tem “razão”.