Há anos, que já não conseguem contar-se com exatidão, havia, no Parlamento Europeu (PE), uma eurodeputada que era mais conhecida por “senhora Nokia” que pelo seu próprio nome. Estava na casa do povo europeu a defender os interesses daquela empresa e não via mal nenhum nisso. Mas os seus pares comentavam. E quando um deles lhe perguntou se a alcunha não a incomodava, respondeu que não e explicou que estava no PE a representar os seus eleitores e os interesses da Finlândia e que, naquele tempo, os interesses do seu país passavam, em grande medida, pela defesa de tudo o que rodasse à volta daquela empresa de telecomunicações. Os tempos passaram e as regras mudaram. Hoje, ter um eurodeputado assim, claramente associado a uma empresa, daria logo brado. “É lobing”, acusariam muitos.
Paulo Sande desvaloriza. Afinal, diz o antigo diretor do gabinete do Parlamento Europeu em Portugal, “o lóbi é a atividade mais antiga que existe. Todos o fazemos, todo o tempo.” E, ao longo dos tempos, foi sendo regulado. António Vitorino, que foi comissário europeu (com a pasta da Justiça e Segurança interna) entre 1999 e 2004, dá conta como as coisas evoluíram: “Há mais transparência, maior conhecimento do perímetro do lóbi, um registo obrigatório que obriga ao cumprimento de um código de conduta e exige o conhecimento das fontes de financiamento” da empresa.
Tudo se foi tornando mais restritivo, em nome da ética. E as regras não se ficam pelas elencadas por Vitorino. Além dessas, também o valor das ofertas foi definido (não pode ultrapassar os 150 euros, o mesmo limite que acabou de ser definido em Portugal), nenhum diretor-geral ou elemento do gabinete de um comissário (incluindo o próprio comissário) pode receber lobistas sem que fique registado o seu nome, número de registo, a empresa para que trabalha, o(s) interesse(s) que representa e o tema que o leva a marcar a reunião. Depois, não está escrito, mas os encontros decorrem, geralmente, de porta aberta e com pelo menos mais uma pessoa na sala. No final de cada reunião, recorda Vitorino, “fazia um resumo dos pontos tratados (para registo interno) e, se alguma informação trocada fosse da área de outro comissário, dava-lhe conta”.
Claro que não é assim em todo o lado. No Parlamento Europeu, por exemplo, os lobistas acreditados andam livremente pelos corredores. Têm é de andar identificados – têm um crachá, que tem de estar sempre visível. E a sua estadia fica automaticamente registada no ato de entrada e de saída. As conversas e trocas de informação, essas, são consideradas como coisa séria, não tratável à saída de um elevador ou à porta de um gabinete (ver. em baixo, a caixa “Pluxers no local do crime”), pelo que geralmente são tratadas com a solenidade de uma reunião com data e hora marcada. E, tirando casos como o de John Dalli (o comissário maltês da Saúde que teve contactos secretos e não oficiais com a indústria tabaqueira, enquanto a Comissão preparava legislação antitabaco e que acabou por o levar à demissão), estas regras têm sido aceites, de parte a parte.
Geralmente, “quando os eurodeputados chegam, estranham” o modus operandi, explica Henrique Burnay, senior partner da Eupportunity, a empresa de lóbi portuguesa com mais passes concedidos pelo Parlamento e mais reuniões realizadas com diretores-gerais e gabinetes de comissários da Comissão Europeia (em termos de número de lobistas registados, é ultrapassada pela Associação Portuguesa de Bancos).
Apesar de estar no seu segundo mandato, Nuno Melo, eurodeputado eleito pelo CDS, diz que, por norma, não recebe lobistas. Mas a regra não é rígida. Agora que é relator-sombra num relatório sobre uso de armas, reuniu (mas “nunca sozinho”) com representantes da indústria do armamento, para se inteirar de aspetos mais técnicos da questão. Henrique Burnay chegou a ouvir, de um interlocutor, “ainda bem que vieram. Sabíamos que essa solução [de contratação pública] existia, mas não sabíamos como funcionava”. Ou seja, o lobing serve para influenciar, sim, mas muitos dos alvos acabam por retirar mais valias (informação que desconheciam) dos encontros.
Mas afinal são todos lobistas?
O Registo de Transparência tem 9861 entidades registadas, o que equivale a mais de 30 mil lobistas e custos, por empresa, que podem chegar aos seis milhões de euros ao ano. Mas são todos lobistas? Não. No mesmo registo, estão lobistas e representantes de associações empresariais, sindicais e profissionais (estes, verdadeiros lobistas, são mais de metade do total), organizações não governamentais, consultores e sociedades de advogados, grupos de reflexão e instituições académicas, organizações públicas ou mistas e até representantes de igrejas e comunidades religiosas.
É neste grupo de 30 mil lobistas que entrará Durão Barroso, o ex-presidente da Comissão que passará a ser recebido como um simples representante dos interesses da Goldman Sachs. “Falar de Durão Barroso como lobista é um disparate”, dispara Burnay, que é considerado por muitos o maior lobista português em Bruxelas.
Vitorino recorda os seus tempos de comissário. Durante o processo movido à Microsoft pela Comissão, por comportamento anticoncorrencial, cruzou-se durante semanas, nos corredores da Comissão, com o presidente da tecnológica americana. “Isso faz dele um lobista?” A Vitorino não lhe parece. “Se os presidentes das empresas fossem considerados lobistas, todas as empresas do mundo tinham de estar no Registo de Transparência”, remata Burnay.
À hora de fecho desta edição, o mundo desconhecia ainda o teor do contrato de José Manuel Durão Barroso com a Goldman Sachs. Sabia-se que tinha sido convidado para ser seu presidente não executivo e consultor e isso bastou para o seu sucessor, Jean-Claude Junker, declarar que “ao assumir o emprego, o Sr. Barroso será recebido na Comissão não como um antigo presidente mas como um representante [dos interesses do banco] e será submetido às mesmas regras de outros representantes”. Ele, tal como todos os outros que saíram da “eurocracia”, cruzaram a porta giratória e entraram no mundo dos negócios. Tal como Vitorino, que sempre que tem reuniões nas instâncias europeias, preenche a ficha onde se apresenta como advogado, se Barroso quiser seguir-lhe os passos, terá – tão simplesmente – de marcar, como qualquer outro representante de interesses.
Barroso cumpriu os 18 meses de nojo e pode (re)começar a sua vida. Mas o caso levantou tanta celeuma que, dia 28, quando o Colégio de Comissários estiver a debater o Registo de Transparência, e a propor que o atual registo passe a cobrir, de igual modo, o Conselho da UE e o Parlamento Europeu, sentirá a presença, na sala, das sombras de membros não registados na sessão: Charlie McCreevy, o ex-comissário para o Mercado Interno e Serviços (2004-2010) que foi levado a renunciar a um cargo na banca de investimento NBNK, depois de a comissão de ética da comissão alegar conflitos de interesses… e José Manuel Durão Barroso.
Pluxers no local do crime
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A Place du Luxemburgo (Plux, para os habitués), nas redondezas do Parlamento Europeu (mas não longe do Conselho Europeu e da Comissão), torna-se, às quintas-feiras à tarde, a partir das 17h30, 18h, um espaço apinhado de funcionários, assistentes e todo o mundo que rodeia os eurocratas, no qual se inserem, obviamente, lobistas. “Com a ajuda de uma ou duas cervejas, a troca de informação e de contactos” torna-se mais facilitada entre pluxers, garante Carlos Coelho, o decano dos eurodeputados. Mas isto não quer dizer que a prática do lobi se faça nas ruas ou encontros sociais. “É party killer”, garante fonte com muita experiência de lobing nos corredores de Bruxelas.
As ações de lobi (“cujo objetivo é influenciar, não condicionar”, como esclarece Henrique Burnay) passam–se nos gabinetes, com reuniões agendadas e devidamente registadas.