Borno, um Estado do Nordeste da Nigéria que faz fronteira com o Chade está na terceira época sem colheitas. Os refugiados chegam aos magotes a Maiduguri, a capital da região. Crianças esqueléticas, de omoplatas salientes, como se fossem assas, e de barrigas inchadas mantém os campos de deslocados internos sobre-lotados.
Num centro de apoio criado pela organização governamental Médicos do Mundo não há mãos a medir. As crianças, muitas das quais sempre viveram subnutridas, são alimentadas através de tubos que os elementos equipa humanitária lhes enfiam pelo nariz, numa tentativa de as salvar. Contudo uma em cada quatro das que ali conseguem chegar não resiste mais de 24 horas.
O centro de atualmente 110 camas quadruplicou a sua capacidade nas últimas semanas. Mas esta esgota-se rapidamente após cada expansão.
A fome tem alastrado de forma vertiginosa em praticamente não só em Borno, onde a situação é particularmente grave, mas em todo o nordeste nigeriano.
Com os terroristas a perderem terreno na região há já um ano e meio, todos os dias emergem novas vítimas, o que levou, já no início do Verão, os Médicos do Mundo a acionar os alarmes: a crise humanitária na Nigéria atinge “proporções catastróficas”.
Segundo as Nações Unidas, só em Borno viverão 240 mil crianças numa situação de subnutrição severa aguda – a forma mais mortífera. Mais de 130 morrem todos os dias sem qualquer tipo de assistência. Em toda aquela região que, além de Borno, compreende Adamawa, Jaigawa e Yobe, há cerca de 4,6 milhões de pessoas (o equivalente à população da Novazelândia) a precisar de ajuda alimentar urgente.
Segundo os números das agências humanitárias, há mais de um milhão de crianças isoladas às quais é impossível fazer chegar comida e estima-se que mais de 30% da população de Borno já esteja subnutrida. Este verão, a UNICEF ainda tentou fazer chegar auxílio às zonas mais remotas, mas a coluna de camiões foi atacada pelos extremistas.
Em grande medida, a situação, que os Médicos do Mundo descrevem como catástrofe humanitária, deve-se à violência protagonizada pelo Boko Haram, que jurou obediência ao Estado Islâmico. A organização terrorista quer criar um califado no coração de África e naquela região já controlou um território equivalente à Bélgica. Mas em vez de o administrarem subjugaram as populações locais a uma violência atroz, praticando um autêntica política de terra queimada. Em vez de incentivarem os pequenos agricultores a produzirem, pilharam os celeiros, roubaram o gado e envenenaram os poços.
Ao longo do último ano e meio, os terroristas foram escorraçados das principais cidades da região. Contudo, continuam no mato, atacando e pilhando pequenas aldeias.
A instabilidade, o perigo e as minas terrestres revelam-se um problema para a produção agrícola, levando à escassez e à carestia dos bens alimentares. A agravar isso, os ataques sucedem-se ao longo das estradas de forma a que não seja possível fazer chegar alimentos onde eles mais falta fazem.
O governo nigeriano já giza projetos de fazer regressar os deslocados para as regiões de origem. Mas as principais cidades estão arruinadas.
Terrorismo, recessão e incompetência
No terreno, as equipas batidas em outros cenários de catástrofe humanitária comparam o cenário nigeriano com o que já testemunharam no Chade e na República Centro Africana. Mas para a Nigéria o epíteto de “Estado falhado” dificilmente se aplica. Estamos a falar da terceira maior economia de África, do maior produtor de petróleo do continente (o 13º. A nível mundial). E se o Boko Haram mantém toda a região Nordeste a ferro e fogo, a recessão económica, a incompetência e incúria política e administrativa e militar também têm a sua quota parte da responsabilidade.
O preço do petróleo baixou, mas a indústria petrolífera nigeriana, que conta com as décimas maiores reservas mundiais, tem sido massacrada por outras maleita, tais como um elevado grau de corrupção, furto de petróleo (cujas receitas vão parar muitas vezes às contas bancárias privadas de altos funcionários do Estado).
Cometeram-se também muitos erros operacionais. Assim, o exército nigeriano é acusado de ter contribuído para a crise alimentar no nordeste do país ao ter mandado encerrar mercados, suscetíveis de se tornarem alvos de atentados e por bloquear a passagem de abastecimentos a pretexto de de se poderem destinar aos combatentes do Boko Haram. O governo de Abuja também é acusado de subvalorizar os riscos de uma crise alimentar na medida em que, tendo desalojado, os terroristas dos principais pontos estratégicos não se mostrou muito disponível para aceitar ajuda internacional para as populações carenciadas. E como a Nigéria não quer ser tida como mais um país africano em crise, tem tardado em reconhecer a gravidade da situação. Por seu turno, os organismos internacionais, como a ONU, também têm evitado referir-se à dimensão de catástrofe nesta crise para não abrir um conflito diplomático com o poder em Abuja.