A fortuna de Bernie Ecclestone está avaliada em 2,7 mil milhões de euros. Aos 85 anos, o patrão da Fórmula 1 é um dos empresários mais ricos da Grã-Bretanha, onde nasceu e mora. A mais de 9 mil quilómetros de distância, nos limites de São Paulo, no Brasil, vivem Maria de Fátima Oliveira e Getúlio Furtado, numa casa que conseguiram construir antes de se reformarem. Ela era empregada doméstica e ele ainda pesa cavalos de corrida no Jockey Club da cidade.
Os três já tinham em comum um passado de pobreza; apesar do seu nome aparentemente pomposo, Bernard Charles Ecclestone é filho de um pescador e de uma ama. Agora, Bernie, Fátima e Getúlio ganharam a mesma história para contar: foi numa parte da casa dos Oliveira-Furtado, na Rua São Serafim, em Coita, na Grande São Paulo, que a sogra de Ecclestone esteve sequestrada durante nove dias.
Foi mais de uma semana em que Aparecida Palmeira teve a companhia de um santinho e pouco mais. Os sequestradores deixaram-na levá-lo, e só faltava ser uma imagem da Nossa Senhora de Fátima para, numa frase, uma série de portugueses sentirem que ajudaram à sua libertação.
“Estava debaixo do meu nariz”
A vivenda de Fátima e Getúlio tem dois andares e está dividida em cinco partes, com três entradas e garagens independentes. Uma delas encontrava-se arrendada há dois meses e meio a Victor Oliveira Amorim, por 118 euros; ele raramente era visto por ali e dizia que trabalhava à noite.
“O carro dele sempre saía e entrava. Um dia eu quis entrar lá e ele disse que a namorada estava dormindo. Não escutámos nada”, contou Getúlio na Globo, esta segunda-feira, 1 de agosto, já depois de a Divisão Antisequestro (DAS) ter libertado Aparecida, que estava amarrada e vigiada por Victor, sem que Fátima ou o marido desconfiassem. “Isso dói em mim porque estava debaixo do meu nariz e eu não vi”, disse ela ao mesmo canal de televisão. “Eu peço perdão para a família dela porque eu não sabia de nada.”
Sabe-se agora que Victor Amorim não atuou sozinho – terá executado o sequestro com a ajuda de Davi Vicente Azevedo. Ambos eram conhecidos da polícia (procurados por roubo), que deteve um terceiro homem, Jorge Eurico da Silva Faria, um piloto de helicópteros que servia a família de Ecclestone sempre que havia eventos de Fórmula 1 em São Paulo.
Jorge era amigo de Aparecida no Facebook e já estava a ser investigado por suspeitas de ser o mentor do crime. O seu computador terá sido utilizado na troca de emails com a família da vítima; segundo a revista Veja, os criminosos pediam 28 milhões de libras (33 milhões de euros), que deveriam ser entregues em quatro pacotes. Peanuts para Bernie (que foi aconselhado a manter-se longe das negociações), uma colossal fortuna para qualquer comum mortal.
Big Brother is watching you
Na manhã do dia 22 de julho, Aparecida “Cida” Schunck Flosi Palmeira, de 67 anos, estava em casa, na região de Interlagos, na Zona Sul de São Paulo, quando dois homens tocaram à porta. Fizeram-se passar por entregadores de móveis, fecharam as duas empregadas domésticas num quarto e levaram Cida no seu próprio carro, um Fiesta. O alarme seria dado por uma empregada da casa da frente que estava no quintal e ouviu gritar que Cida fora sequestrada.
Imagens de câmaras de vigilância mostram o Fiesta a seguir um outro carro, e depois ela ser passada para o segundo carro que só parou na Rua São Serafim. Quando a polícia obteve essas imagens, não lhe foi difícil descobrir que esse carro pertencia a Davi Vicente Azevedo.
Davi confessou e levou os agentes até à casa arrendada por Victor, em Cotia. Ao final da tarde de domingo, 31 de julho, cercaram a vivenda de Fátima e Getúlio, que se encontravam na missa, libertaram Aparecida e detiveram Victor. No dia seguinte, seria a vez de Jorge Faria ser detido e acusado de orquestrar o sequestro da mãe de Fabiana Flosi, de 38 anos, advogada, casada com Bernie Ecclestone. Os dois conheceram-se em 2009, quando ela trabalhava na organização do Grande Prémio do Brasil.
Jorge negou tudo, inclusive afirmou não conhecer Victor nem Davi. “Eu não planejei nada, estou morando fora do país”, disse na Globo. “E não tem nenhum contacto meu com eles, eu não sei de onde saiu isso.”
“Só peço para os bandidos não sequestrarem mais ninguém em São Paulo”, desabafou Aparecida, antes de prestar depoimento no Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa. “Que eles vão presos.” Quanto a Fátima Oliveira, já decidiu vender a casa sem olhar para trás. “Vender e sumir daqui”, disse na Globo. “Não quero mais mexer com aluguel de jeito nenhum.”