Quando cortou a ligação via microfone após ter sido mandada calar pelo convidado Hani Sibai, a apresentadora Rima Karaki estava longe de imaginar que se tornaria uma sensação, e que o vídeo da sua entrevista se tornaria viral no Líbano e em todo o mundo.
Vários apoiantes da apresentadora felicitaram-na online, for defender os direitos das mulheres e mostrar-se contra a instituição religiosa patriarcal que procura subjugá-las. Mas para a própria Karaki, tratou-se de uma simples questão de respeito próprio.
“Se eu não tivesse respondido, ter-me-ia odiado e eu não quero odiar-me,” disse em declarações ao The Guardian. “Quando ele disse ‘cale-se’ foi impossível calar-me porque seria um insulto a mim própria e perderia tudo.”
Durante a entrevista, em direto, Rima Karaki ostentava um véu, a pedido de Sibai. Perguntou ao entrevistado de que modo o Estado Islâmico atrai cristãos para as suas fileiras, depois de relatos de que dois cristãos se tinham juntado ao grupo terrorista. Sibai respondeu com um monólogo histórico, que a pivot considerou não ser relevante para a questão que colocou.
“Pedi-lhe que se concentrasse na época atual, para que não perdêssemos tempo,” disse ela. “Isso fê-lo enraivecer, achou que eu estava a interrompê-lo. Tentei acalmá-lo e dizer-lhe que não se enervasse, e que queria tirar o máximo proveito da presença dele no programa. E disse-lhe ‘o senhor é que sabe.'”
Sibai ficou ainda mais irritado e disse à apresentadora que era livre de dizer o que bem lhe apetecesse, e em seguida mandou-a calar. Quando ela lhe perguntou como era possível ‘um xeque respeitável mandar calar uma apresentadora de televisão’ e lhe disse que era ela quem mandava no estúdio, ele ripostou dizendo ser um homem respeitável, independentemente da opinião de Karaki. Declarou ainda que considerou ‘desonroso’ ser entrevistado por ela.
Karaki parou a entrevista após três minutos, declarando: “Espere aí. Ou existe respeito mútuo ou a conversa acabou.” E desligou o microfone.
“O estúdio é como um tribunal, alguém tem de moderar a conversa. A única diferença é que ele não está dentro do meio da minha profissão, para julgar as pessoas,” disse Karaki ao The Guardian. Disse ter convidado Sibai para o programa porque acreditava no diálogo construtivo, independentemente do contexto do indivíduo. “Mas é meu dever moderar a conversa, e eu senti que tinha o direito de dizer que era eu quem estava ao comando e quem decidia o assunto, e que não poderia ir por esse caminho. Ele decidiu falar de forma desrespeitosa e eu tive que parar a entrevista,” disse ela.
Uma versão do vídeo, com legendas em inglês, disponibilizado alguns dias antes do Dia Internacional da Mulher, teve mais de 5 milhões de visualizações no YouTube.
Sibai publicou uma carta através do Twitter, exigindo um pedido de desculpas da Al-Jadeed, a estação de tv da apresentadora. Acusou o canal de ser tendencioso por tentar retratá-lo como um fundamentalista e um amigo do líder da Al-Quaeda, Ayman al-Zawahiri.
“Como se a amizade do Dr. Zawahiri fosse um insulto!”, disse ele na carta. “Mas eu estou orgulhoso dele e todos os muçulmanos se orgulham dele! Mas foi mencionado como sendo algo calunioso.”
O xeque, residente em Londres, disse que, ao mandar calar a apresentadora, foi como se “um demónio se tivesse apoderado dela” e que ela falava “delirantemente.”
Karaki disse que não queria atribuir o comportamento de Sibai a sexismo e disse não poder discernir a sua intenção – só que ele estava a ser desrespeitoso com ela.
“Não posso saber a intenção interior de uma pessoa, mas o que sei é que o tom com que falou era muito autoritário, mas talvez seja essa a maneira como fala, e a sua reação foi inexplicável,” disse ela. “Não sei se mandaria calar um homem, nesta situação, mas considerei uma falta de respeito, trate-se de uma mulher, sendo ele um xeque, ou qualquer que seja o seu historial. Para mim, não tem a ver com religião nem política, trata-se de boas maneiras e ética.”
Rima Karaki disse que se sentiu insultada quando o clérigo a mandou calar, e sentiu que tinha o dever de se defender. Confessou que não esperava que o vídeo da sua altercação com Sibai causasse tanto furor. Mas causou, e trouxe-lhe uma avalanche de apoio online, bem como da imprensa local. Ela disse que acreditava ter tido um impacto positivo, particularmente em sociedades patriarcais, onde, segundo diz, as jornalistas enfrentam muito mais desafios dos que os seus colegas jornalistas homens.
“Há quem pense que os homens têm, à nascença, um direito de exercer controlo sobre as mulheres. Mas há muitas mulheres que estão agora a quebrar com essa imagem, e também muitos homens que as apoiam. Não me sinto uma heroína, sinto-me como qualquer homem ou mulher que se respeitam.”
“Não acho que qualquer homem aceite que a sua mulher seja insultada e que não responda, ou que a sua mãe seja insultada e não responda, ou a sua filha. Também não é ele que tem de responder por ela, ela pode fazê-lo por si própria. Se um homem se afastasse um pouco, ficaria surpreendido com o que elas podem fazer para se defenderem.”
Na opinião da jornalista, a receção positiva ao vídeo traz esperança de que essas tendências patriarcais possam ser controladas, e que as mulheres nos meios de comunicação, em particular, possam desempenhar um papel forte na reversão destas tendências.
“Os meios de comunicação social nos nossos países centram-se muito na aparência, especialmente para as mulheres,” disse ela. “No mundo árabe os homens continuam sempre a trabalhar, mas na maioria das vezes, as mulheres são julgadas pela sua aparência.”
“Não quero dizer que foi uma reivindicação, mas deu talvez uma boa imagem, de que as mulheres são capazes, porque as nossas nações estão cheias de mulheres capazes, eu sou a menor, entre elas. A única diferença é que tenho a sorte de ter uma plataforma e um ecrã,” expressou. “A dignidade das nossas mulheres é alta e todos os momentos difíceis que enfrentam são a prova disso.”
Rima destacou, em particular, as mães dos soldados libaneses, que durante os últimos anos têm sofrido a perda de ‘grandes homens’ em batalhas contra o extremismo. “Grandes mulheres são as que educam grandes homens.”
A jornalista criticou o que sentiu ser hipocrisia por parte de alguns convidados religiosos, que lhe exigem o uso de véu nas entrevistas, mas que falam a jornalistas que não o usam, fora do estúdio. Como jornalista, Rima considera o assunto uma prioridade.
“Oponho-me por respeito ao véu, porque o véu não é um jogo, algo que vestimos ou tiramos de acordo com o capricho de alguns homens religiosos. A vontade de Deus é mais importante do que a deles e eles não têm o direito de atribuírem a si próprios esse poder.”
Karaki disse que iria em breve levantar a questão da pressão colocada às jornalistas, para que vistam o véu nas entrevistas. “Como respeito o véu, custa-me. Mas uso-o como um meio termo.”