Uma folha de papel impacienta-se ao vento, ameaçando desprender-se do tronco da imponente “árvore do inferno” onde foi pregada, no centro do terreiro vudu de Saut d’Eau, o mais importante local de peregrinação deste culto animista criado no Haiti. O sangue de um animal sacrificado e as velas queimadas junto às disformes raízes comprovam a devoção de quem deixou a mensagem, pedindo a intervenção dos loas (espíritos). Os rabiscos em crioulo francês, numa letra nervosa, são incompreensíveis.
De qualquer forma, as súplicas de um devoto pertencem ao reino da intimidade. Naquele papel poderia caber qualquer pedido.
Aqueles que ali rumam, buscando ajuda espiritual, creem não haver impossíveis para o hougan (sacerdote) que vive no exato local onde a Virgem terá aparecido, no topo de uma palmeira, há cerca de 150 anos. Os seus poderes, afiançam, permitem-lhe fazer o bem e o mal: curar doenças ou desfazer casamentos, dar a um velho a energia de um jovem ou levantar um morto da sua campa (os zombies são uma criação da cultura vudu, não de argumentistas de Hollywood).
Os resultados levam tempo a chegar, explica o hougan, porque os espíritos “andam muito ocupados”. Pudera: os haitianos têm muito que pedir. Este pedaço de ilha nas Caraíbas (divide o território com a República Dominicana) lidera os piores indicadores de desenvolvimento humano e, também, a lista dos países mais fustigados por catástrofes naturais. O terramoto de 2010, com um impacto semelhante à explosão de uma bomba atómica, foi apenas um infortúnio maior na história dos 10 milhões de haitianos, há muito pontuada por desgraças. Dois anos antes, quatro furacões tinham arrasado Port-au-Prince, causando 800 mortos.
Sete meses depois, outra tempestade tropical fez voar as tendas onde se abrigavam mais de dois milhões de desalojados, deixando-os com água até ao pescoço. A falta de saneamento e o calor que se instalou em seguida fizeram o resto: explodiu uma epidemia de cólera.
“É uma pergunta que repito todos os dias: ‘Que mais nos irá acontecer?…’ Mas temos de ter fé e dar graças por estarmos vivos “, desabafa Marianne Pierre, 39 anos, rodeada por três das suas quatro filhas, à porta da sua “casa” de lona, reforçada com pedaços de madeira e chapas de zinco, num dos campos de tendas que ainda se erguem na cidade, albergando 85 mil haitianos, cinco anos depois do terramoto.
Uma cidade de contrastes
Nos socalcos escavados nas montanhas que envolvem Port-au-Prince, os bairros de tetos azuis – a cor das tendas fornecidas pela ONU, começam a ficar escondidos pelas copas das árvores, que encontram no clima tropical terreno fértil para crescer a uma velocidade sobrenatural. Mas não há arvoredo que rompa nas favelas de cimento, plantadas em cada pedaço de terreno livre da cidade.
“Enquanto nós construíamos 5 mil casas, os haitianos faziam 50 mil…”, assume um alto quadro da União Europeia (UE), um dos principais financiadores da recuperação do país, a par dos Estados Unidos da América.
Antes do terramoto, os bairros de lata já se impunham na paisagem. Mas hoje, a capital assumiu toda ela um aspeto de favela, com as suas construções toscas e mal acabadas, fazendo uso de qualquer material a que se deita a mão (contraplacados, chapas de zinco, sacas de comida), com puxadas de eletricidade a cruzar os céus, esgotos a escorrer pelas ruas e porcos a chafurdar nas pilhas de lixo que se amontoam a cada esquina. Nos arredores, nasceu mesmo uma nova cidade. Batizaram-na de Canaã mas qualquer semelhança com a terra prometida na Bíblia, onde tudo existia em fartura, é mera coincidência. Ali vivem amontoadas, em barracas sem água nem luz, cerca de 300 mil pessoas, na mais abjeta pobreza.
O cenário impressiona quem chega de fora mas, com o passar do tempo, aprende-se a filtrar o bom do mau. Apesar da miséria, esta não deixa de ser uma ilha nas Caraíbas, com palmeiras a recortar o horizonte, contra o mar. No centro da cidade pintaram-se as fachadas dos casebres com cores garridas (do rosa, ao verde e amarelo), há sempre música no ar, miúdos a dar chutos numa bola, anúncios do regresso de Jesus e de happy hours nos bares de alterne, velhos a dormitar nos alpendres para digerir o rum e meninas impecavelmente fardadas a caminho da escola, com laços de cetim prendendo o cabelo. E negócios, muitos negócios preenchendo cada pedaço de passeio nas ruas. Vende-se comida e sapatos, telemóveis e roupa interior, brinquedos e motores de automóveis. Há de tudo, e a todos um haitiano oferece de troco um sorriso.
Há hoje na vida do país a mesma dualidade que nos mortos-vivos popularizados pelos cultos vudus, seguidos por mais de metade da população por um lado, o horizonte negro da pobreza, o luto por aqueles que morreram, a tristeza melancólica nos olhares que não alcançam futuro; por outro, a energia de quem vive nos trópicos, a força de um povo que teima em manter-se de pé, a face solar das crianças. Como cantam os evangélicos nas suas grandiosas missas campais, enquanto fazem soar tambores por toda a capital, “ainda há um coração que bate, bate, bate… sim, é o Haiti”.
Um país sem governo
“Somos pobres mas muito orgulhosos das nossas raízes. E nunca baixamos os braços. Não há povo mais resiliente que o haitiano”, afiança Marie Jean Baptiste, diretora dos Serviços de Proteção Civil do Haiti, que têm apostado na formação de equipas de primeiros socorros, para prestar assistência imediata no caso de novas catástrofes. Cristine Monquélé, 24 anos, é uma das três mil pessoas já formadas, com apoios da ONU, UE e Cruz Vermelha. “Senti este chamamento depois do terramoto, porque vi muita gente ferida à minha volta e custou-me muito não poder fazer nada”, conta, no final de mais um exercício semanal de simulação. “Comecei por ser voluntária mas fui estudando e hoje já ganho um salário. No dia em que fui chamada em serviço pela primeira vez, para intervir num acidente, tive a confirmação: é isto que quero fazer para o resto da minha vida. É a minha forma de ajudar o meu país.”
Reconstruir o Haiti precisa da entrega de todos e será uma missão que dificilmente se esgotará na geração de Cristine. Em quase todas as áreas da educação à saúde, da economia à segurança, foi necessário recomeçar quase do zero.
Construir a casa pelo telhado
“Havia quem dissesse que o terramoto tinha criado a oportunidade para erguer um novo país [80% dos edifícios ficaram destruídos, só na capital]. Em teoria, era uma boa perspetiva; na prática, as pessoas deitaram mãos à obra enquanto os arquitetos coçavam a cabeça nos ateliês…”, ironiza Patrick Martin, urbanista da organização Solidarité Internationale, que procura melhorar as condições de vida no bairro de Christ Roi, um dos mais destruídos há cinco anos. Com um financiamento de 4,3 milhões de euros da União Europeia, a ONG francesa tem conseguido fazer algo tão difícil como começar a construir uma casa pelo telhado. Num local sem saneamento básico, criaram um sistema de recolha de esgotos, centralizado em latrinas asséticas, limpas regularmente por serviços especializados. Também introduziram canalizações, distribuindo água potável aos mais de 20 mil habitantes desta zona da cidade. Ajudaram ainda a reconstruir muitas casas. “Os habitantes têm de fornecer os materiais, mas nós ensinamos a reforçar estruturas, a construir de forma mais sólida e duradoura”, explica Benjamin Biscan, coordenador do projeto. Na fase final, investiram nos espaços públicos. “Perguntámos às pessoas o que lhes fazia mais falta. Pediram-nos um recinto desportivo, para a juventude, e foi o que fizemos”, diz Patrick, no topo da bancada de um pequeno campo de futebol, onde duas equipas se enfrentam com brio profissional, apesar do calor inclemente.
No resto da capital, os projetos de requalificação foram ficando em stand by enquanto avançava a maior obra que havia a completar no país: a limpeza dos escombros. Era uma tarefa faraónica, só possível com o empenho da ONU, ao longo de três anos, sem descanso.
Em 35 segundos de terramoto, foram gerados 10 mil milhões de metros cúbicos de entulho, obstruindo a maioria das ruas. Se os camiões necessários para retirar os destroços fossem alinhados, criariam uma fila desde o Norte do Canadá até ao extremo da Argentina.
Hoje, as estradas voltam a estar entupidas mas de trânsito, que é infernal nas ruelas estreitas de uma cidade colonizada pela construção desenfreada e onde os bloqueios impostos pela polícia se sucedem, procurando travar as manifestações quase diárias dos opositores ao Presidente Michel Martelly.
A palavra de ordem é sempre a mesma: “Eleições, já!” Esperam por elas há mais de três anos. A meio de dezembro, a frágil estrutura governamental ruiu, de vez. O primeiro-ministro Laurent Lemothe demitiu-se e, no dia de Natal, o Presidente nomeou Evans Paul como novo chefe de governo. Mas o Parlamento terminará o seu mandato constitucional a 12 de janeiro exatamente cinco anos depois do grande terramoto, o país volta a enfrentar tempos turbulentos.
Crescer numa tenda
Uma contração. Duas. Um pontapé bem forte. Myrlande Jean decidiu sentar-se, deixando a roupa por arrumar. Talvez fosse a hora do seu primeiro filho nascer. Estava sozinha em casa, o marido ainda não regressara do trabalho. Respirou fundo, tentando acalmar-se, com as mãos sobre a barriga gigante, desproporcionada em relação ao seu corpo magro. De repente, o silêncio da casa vazia era quebrado por um ruído ensurdecedor.
A casa de cimento bailava como se fosse de palha, sacudida pelas ondas do terramoto. Cambaleou o mais depressa que conseguiu, em direção à rua. Escapou segundos antes de o teto ruir mas não conseguiu afastar-se mais do que alguns metros. Ficou deitada no meio da estrada, enrolada sobre a barriga, pedindo aos loas vudus que protegessem o seu filho.
Lucas acabaria por nascer a 17 de janeiro de 2010, cinco dias depois do sismo, sob um lençol estendido no chão. Esse mesmo pano seria a sua primeira e única roupa, durante dias. Hoje, o rapaz espreita envergonhado atrás de outro lençol, que serve de porta à tenda onde os seus pais ainda vivem, enquanto esperam pela hipótese de realojamento.
As ONGs no terreno há mais de seis mil a operar no país, um recorde mundial coordenaram-se para oferecer o mesmo tipo de resposta aos deslocados. Pagam o primeiro ano de renda, dão formação profissional e apoio à criação de pequenos negócios, tentando retirá-los do torpor em que acabam por cair, depois de tantos anos de vida miserável. O problema é que, para os últimos habitantes das cidades de pano, é cada vez mais difícil encontrar casas. As organizações só pagam as rendas em locais com um mínimo de condições de segurança e salubridade, uma miragem numa cidade como Port-au-Prince.
Sem solução, Myrlande foi reforçando as paredes da sua tenda e tendo mais filhos, sob o mesmo chão forrado a lençóis. Depois de Lucas chegou Ferdinand e, no ano passado, Jonathan. É ao mais novo que a mulher de 29 anos vai dando banho de alguidar, no meio da rua, enquanto desfia a sua história. “O que me vale é ter marido, e um marido trabalhador, apesar de agora estar sem emprego “, conta. “Ele ajudou a carregar muito do entulho que havia pelas ruas, e por vezes ganha algumas moedas como mecânico.
Mas não consegue nada certo.” O desemprego é mais um grande problema num país com dificuldades colossais quase 70% da população não tem trabalho.
A criminalidade acaba por ser a saída de emergência para muitos dos que se sentem num beco sem saída. Em zonas como a Cité Soleil, classificada pela ONU como a favela mais violenta do mundo e retratada em vários filmes, os gangues criaram um Estado dentro do Estado. Ali, quem tem armas é quem mais ordena apesar dos militares do Minustah, a força de estabilização da ONU que tenta impor a ordem no país desde 2004, patrulharem as ruas de tanques e metralhadoras.
Muitos dos criminosos mais temidos tinham sido presos entre 2007 e 2010, atenuando os problemas de segurança para os mais de 250 mil habitantes de Cité Soleil, mas a prisão de Port-au-Prince ruiu com o terramoto e cerca de quatro mil reclusos acabaram por fugir.
Até hoje, só 286 foram recapturados. Os tiroteios e as rixas entre grupos rivais são tão frequentes que os Médicos Sem Fronteiras (MSF) abriram no bairro uma clínica especializada no tratamento de ferimentos de balas e armas brancas. Ali, fazem-se turnos de 24 horas, sem descanso.
Cólera imparável
Do outro lado da cidade, ergue-se outra clínica dos MSF, dedicada ao tratamento da cólera. É o único centro médico onde quem apresente sintomas da doença (febre, diarreia, vómitos) pode encontrar assistência gratuita. Abriu para dar resposta a uma situação de emergência mas, quatro anos depois, não se vislumbra quando poderá fechar portas. Depois de mais de 700 mil infetados (e 8 500 mortos), “no início do ano passado parecia que a epidemia estava controlada mas, nos últimos três meses, voltou a haver um pico de casos”, explica Oliver Schulz, chefe de missão da ONG no Haiti.
A maioria dos contaminados vivia em campos de desalojados, com latrinas partilhadas por centenas de pessoas, ou na zona baixa da cidade. Com a época das chuvas, todos os esgotos das favelas que se empoleiram nas montanhas são varridos para o coração do vale, piorando a situação de insalubridade nessa região. A transmissão da cólera é fecal-oral e dá-se sobretudo através do consumo de água e alimentos contaminados por fezes. As crianças acabam por ser um dos principais grupos de risco sobretudo na idade de Felicie, que começou a gatinhar e passa a vida a levar as mãos à boca. A sua mãe, Jasmine, 17 anos acabados de fazer, vela o seu sono murmurando súplicas aos deuses. Os médicos já fizeram tudo o que podiam por ela. De soro nas veias, para acelerar a reidratação, resta agora rezar para que o seu pequeno corpo reaja.
Ao lado da menina, um homem vomita sangue para dentro de um balde. Nas macas em frente, as enfermeiras afadigam-se a limpar a diarreia de outros três pacientes.
“Não é fácil lidar com estes cenários todos os dias”, admite Schulz. “Mas quem sofre mais são os doentes, que são despidos de toda a dignidade por esta doença.” A origem da epidemia terá sido no rio Artibonite, nos arredores da capital, após uma descarga acidental de uma latrina usada num quartel com capacetes azuis nepaleses a conclusão de um epidemiologista francês atiçou o ódio dos haitianos aos militares da ONU, apesar de todos os desmentidos da organização. A saída do contingente de 12 mil homens acabou por ser acelerada e, até final do ano, restarão apenas algumas centenas na retaguarda, assegurando a formação dos corpos policiais (depois de décadas de ditadura, o Haiti extinguiu o seu exército nos anos 90, para evitar novos golpes militares, e assim deverá permanecer).
Além da cólera, também as violações que alastraram pelos campos de tendas como uma praga são atribuídas aos militares estrangeiros.
Jocie Philistin, da organização de defesa dos direitos das mulheres Kofaviv, não descarta que possam ter ocorrido alguns casos, mas afiança que os abusadores são maioritariamente haitianos. “Temos voluntárias em todos os bairros, tentando convencer as vítimas a denunciar os violadores.
Quase sempre são vizinhos, predadores que atacam impunes, até que alguém os pare.” Ela também foi vítima de ataques sexuais. Por três vezes. Por isso sentiu que devia dedicar a vida a travar esta praga social que, até há cinco anos, não era sequer criminalizada no país. Foi graças aos seus esforços, e à iniciativa legislativa de outra mulher, Marie Laurence Lassègue, que a situação foi lentamente melhorando. “Era apenas um crime de honra. Hoje pode dar até 15 anos de prisão.”
Um milhão de órfãos esquecidos
Os abusos sexuais contribuíram também para um baby boom no Haiti, um ano após o terramoto. A taxa de natalidade triplicou em 2011 e, segundo um inquérito da organização haitiana PotoFi a duas mil adolescentes que deram à luz nesse ano, 64 por cento tinha engravidado na sequência de uma violação.
Pierre Alexis, diretor do orfanato Maison des Enfants de Dieu, conhece bem essa realidade. “Todas as semanas tentam entregar-me 75 a 80 bebés, e muitos são fruto de relações indesejadas”, explica, consternado.
“Infelizmente, não consigo receber mais nenhuma criança. Custa-me muito fechar-lhes a porta mas já mal consigo dar de comer aos que cá estão.” Este orfanato, tal como todos no país, depende apenas de donativos privados e, cinco anos depois do terramoto, o mundo parece ter esquecido o milhão de órfãos que existem no Haiti. Contudo, o coração do pastor protestante é mole e é raro o dia em que não abre uma exceção. “Ontem acolhemos duas gémeas, com poucos dias de vida. A mãe era ainda uma menina, sem casa nem família, as bebés estavam subnutridas. não tive como dizer que não.” Neissa e Neika, pouco maiores que a palma de uma mão, dormitam agora de barriga cheia, enroladas em cobertores, num berço de madeira construído pelo pastor e que já embalou o sono de centenas de outros bebés.
Um deles foi Berlando, um menino que tinha 9 meses quando o terramoto matou os seus pais. Pierre recebeu-o das mãos da sua avó e colocou-o a dormir nas traseiras de um camião, estacionado no pátio e transformado em berçário, pois ninguém ousava deixar as crianças a dormir no interior do orfanato, em estado periclitante após o sismo.
A fotografia do menino foi publicada na VISÃO, há cinco anos, e Pierre abre um sorriso quando vê as páginas da revista. “O Berlando era mesmo um bebé bonito. mas, infelizmente, não foi adotado”, revela, enquanto espreita por uma janela, gritando o seu nome. De repente, dezenas de crianças, com os seus olhos-farol, empoleiram-se no gradeamento que separa a sala das brincadeiras do jardim. E Berlando surge sorridente, orgulhoso por merecer tanta atenção. Já tem quase seis anos e, no francês de sobrevivência que todos os órfãos se esmeram por aprender, arrisca uma pergunta: “Partir?” Na Maison des Enfants de Dieu restam 15 órfãos do terramoto: 144 conseguiram encontrar uma nova família, quase todos nos EUA. Os que ficaram, como Berlando, têm pequenos problemas de saúde que afastaram os casais que ponderaram acolhê-los. Com o passar dos anos, as hipóteses de saírem do orfanato diminuem drasticamente. Além disso, depois dos casos de tráfico de crianças denunciados pela Unicef, nos dias que se seguiram ao sismo, a lei haitiana mudou, sendo hoje um processo mais complexo. “Em média, pode demorar três anos, o que dificulta a adoção de bebés mais pequeninos. Isso tem afastado muitos candidatos e há instituições a fechar por falta de meios”, lamenta. “Eu próprio peço a Deus todos os dias que me ajude a cuidar destes meninos, mas há momentos em que desespero. Já não sabemos o que são fraldas há vários meses, o leite tem de ser racionado, as amas têm os salários em atraso. não é fácil.” O principal apoio deste orfanato chega de uma igreja nos EUA. Enviam-lhes roupa, alguns brinquedos, mas o dinheiro é cada vez menos. O diretor tem procurado, no último ano, estabelecer pontes com a Europa e acabou de regressar de Roma, que visitou a convite de uma agência de adoção internacional. “Há uma família italiana que demonstrou interesse no Berlando, tenho fé que tudo se venha a encaminhar num bom sentido”, revela.
As amas chamam os mais pequenos para a sesta e o menino despede-se cabisbaixo. Ainda não chegou a sua vez de partir. A porta abre-se e pelo chão voam papéis com nomes rabiscados e desenhos coloridos. Aos ocupados loas vudus, fica lançada a prece: que estas crianças possam, um dia, sonhar um novo país.
Terramoto no Haiti em números
- 12 DE JANEIRO DE 2010, 16H53
- 7.0 na escala de Richter, o pior terramoto em 200 anos, na região. Na semana seguinte foram sentidas mais de 50 réplicas acima de 4.5 e um segundo sismo, de 6.1, voltou a lançar o pânico entre a população
- 222 570 mortos
- 300 572 feridos
- 2,3 milhões de desalojados
- 6,5 mil milhões de euros de prejuízos em infraestruturas
- 11,3 mil milhões de euros prometidos em ajuda internacional, logo a seguir à catástrofe. Os principais doadores são os EUA, a União Europeia e a Venezuela. Mais de 6 mil ONGs operam ainda no país, um recorde mundial