A sua grande bandeira é a defesa de uma “nova política” e o seu grande trunfo é não ter compromissos com a velha política. Ou seja: com as diversas formas de corrupção e fisiologismo que continuam a infestar a política brasileira, não obstante as promessas em contrário do PT e de Lula quando chegaram ao poder, em 2002. Assim, Marina Silva, 56 anos, de certo modo representa hoje, nesse aspeto, o que o ex-barbudo líder sindical representou nessa altura, transformado em “Lulinha paz e amor”. E, como Lula – o maior “cabo eleitoral” da atual Presidente, recandidata, Dilma Rousseff, 66 anos, que ele próprio escolheu -, Marina tem todas as hipóteses de ser eleita.
Há ainda, porém, uma grande dose de imprevisibilidade. Certo apenas, neste momento, é que a não ocorrer nenhum “cataclismo” haverá uma 2.ª volta a disputar entre duas ex-“companheiras” e colegas no Governo Lula: Dilma (PT, com a coligação, Com a Força do Povo, que inclui o poderoso PMDB, do vice Michel Temer) e Marina (PSB, com a coligação Unidos pelo Brasil, mais a Rede da Sustentabilidade, criada pela candidata que, em 2010, apoiada só pelos Verdes, teve quase 20 milhões de votos). De facto, todas as pesquisas indicam, na 1.ª volta, a 5 de outubro, um empate técnico entre as duas, na casa dos 30 e tal por cento, com ligeira vantagem de Dilma. Quanto ao terceiro candidato relevante, Aécio Neves (PSDB – o maior partido da oposição, a que pertence Fernando Henrique Cardoso, o Presidente que antecedeu Lula, com a coligação Muda Brasil), se fica pelos cerca de 15 por cento.
Ainda a ‘velha política’
Já na 2.ª volta, todas as sondagens coincidem, também, em dar uma vantagem de cerca de dez pontos a Marina, que na 1.ª tem apenas cerca de um sexto do “tempo de antena” televisivo da sua adversária (tempo proporcional à representação parlamentar dos partidos apoiantes), e cerca de um terço do de Aécio, enquanto, na 2.ª, o tempo é igual. Tal vantagem não surpreende, dado ser natural que a maioria do eleitorado de Aécio, e de mais oito outros candidatos “nanicos”, nessa 2.ª volta, votem Marina para afastar o PT do poder, como desejam. De sublinhar ainda que, segundo as mesmas sondagens, se a disputa fosse entre Dilma e Aécio seria a atual Presidente a ganhar, por mais de 12 pontos de diferença. O que fará com que, mesmo na 1.ª volta, se possa transferir para Marina algum “voto útil”.
Entretanto, há quem entenda que Aécio, 54 anos, neto de Tancredo Neves e com uma brilhante carreira política, teve a sua última oportunidade com uma recentíssima denúncia (“delação premiada”) feita por um ex-diretor, preso, da estatal Petrobras, que terá citado os nomes de pelo menos 25 políticos de cinco partidos, a propósito dos esquemas de corrupção naquela gigantesca empresa estatal. Entre eles estará Eduardo Campos, o candidato a Presidente de que Marina era vice, falecido num desastre de avião a 13 de agosto, e vários dirigentes do PT, que poderá ser o partido mais afetado. O PSDB e Aécio não foram citados e o candidato já falou em “2.º mensalão”.
Dilma, que quando eleita fez várias mudanças na empresa, já veio marcar a sua distância em relação ao caso; e quanto a Campos, um político íntegro (presidente do PSB, duas vezes governador de Pernambuco, com enorme aprovação, neto de Miguel Arraes) já foi defendido até por adversários que, aquando da sua morte, lhe prestaram unânime homenagem. Assim, creio que estando Marina acima de toda a suspeita e, aliás, nem pertencendo ao PSB, o caso em nada a afetará, é apenas mais um da “velha política” que ela se propõe combater. E já houve até quem sugerisse que Aécio se devia voltar a dedicar ao seu poderoso Estado, Minas Gerais, de que foi (bom) governador, e a abrir caminha para um próximo acordo com Marina e o PSB, com vista a um futuro Governo que tivesse como base os dois partidos. Partidos que, reclamando-se do socialismo e da social-democracia, serão programaticamente os mais próximos, tanto quanto isso é possível dizer no Brasil…
A ‘central de boatos’ em ação
Com uma posição tão favorável nas sondagens, Marina passou a ser um alvo preferencial dos seus adversários, por vezes com pretextos sem qualquer fundamento, através da chamada “central de boatos”. Acusações, sobretudo de setores do PT, de que deixaria cair muitas das efetivas grandes conquistas sociais dos tempos dos governos Lula, prosseguidas ou aprofundadas por Dilma, foram rebatidas e parece óbvio não terem nenhum fundamento. Desde logo pelo próprio percurso político e sindical da antiga “estrela” do PT e n.º 2 do lendário Chico Mendes, assassinado pela sua luta em favor dos seringueiros da Amazónia. E ainda pela sua extraordinária história de vida: nascida no Acre, numa família paupérrima, com dez irmãos, dos quais três morreram vítimas de malária e hepatite, de que também sofreu, bem como de contaminação por mercúrio e leishmaniose, começou a trabalhar no seringal aos 10 anos, apenas com 16 aprendeu a ler e a escrever, foi empregada doméstica, membro de uma comunidade eclesial de base (hoje é evangélica), tirou o curso de História, etc., etc.
As críticas porventura mais consistentes a Marina têm a ver com a alegada indefinição do seu projeto e falta de fundamentação das suas promessas ou propostas, que seriam irrealizáveis ou nocivas para a economia. Entre as primeiras estarão a de governar com os melhores, de qualquer partido; e entre as segundas as relacionadas com um pretenso “fundamentalismo” na defesa do meio ambiente, que prejudicaria gravemente o desenvolvimento, e, em particular, o gigantesco setor do agronegócio. No entanto, Marina, sem transigir nos princípios, tem moderado as suas posições nesse domínio, salientando mesmo a grande importância do agronegócio para o Brasil.
Em geral considerada mais “liberal”, no domínio económico, do que Dilma – uma política séria, corajosa, de certa forma também vítima dos graves desvios éticos do PT e da atual estagnação da economia -, Marina já tem o apoio, ou pelo menos a simpatia, de vários grandes empresários e financeiros, embora menos do que Aécio e Dilma. Ainda há dias, Roberto Setúbal, presidente executivo do maior banco brasileiro, o Itaú, considerou “natural” a sua vitória, apontando-a como “um exemplo positivo, no cenário eleitoral”.
Uma coisa é, para já, indiscutível: será muito mais fácil Marina Silva ser eleita Presidente do Brasil, em nome de uma “nova (forma de fazer) política”, do que, depois, governar o país, sobretudo mantendo-se fiel ao seu projeto e aos seus propósitos. E as condições de governabilidade que possa ou não ter, num sistema político complexo e defeituoso, há muito a necessitar de reforma, em parte dependerão dos resultados das múltiplas eleições de 5 de outubro. Porque, ao contrário do que muitos supõem, nesse dia não há só presidenciais, antes eleições para 1 627 cargos, a que concorrem 24 mil candidatos de 32 partidos ou coligações! Serão, designadamente, eleitos os 513 deputados federais e um terço (27) dos senadores, essenciais para a formação de maioria(s) que viabilizem a ação do Executivo, 27 governadores de Estado e 1 509 deputados estaduais.