Estava condenado a ser um grande Presidente. Por vontade da sua família, dos seus colaboradores e por ele próprio ter preparado de forma metódica e obsessiva o seu lugar na história. Às 12 horas e 34 minutos de sexta-feira, 22 de novembro de 1963, três balas disparadas de uma carabina italiana Mannlicher-Carcano converteram-no, aos olhos de muitos americanos, no Presidente perfeito. O melhor que os EUA alguma vez tiveram. Vinte e quatro horas depois do atentado na Praça Dealey, em Dallas, Arthur Schlesinger, um dos homens de confiança de John Fitzgerald Kennedy, escreveu: “Sei apenas que o assassino provocou um dano incalculável a este país e à humanidade. Vai passar muito tempo até que esta nação seja liderada de forma tão nobre como o foi nos últimos três anos.” Estas palavras eram muito mais do que um elogio fúnebre, eram a consagração do mito, eram a prova de que o 35.° Presidente tinha sido capaz de mobilizar os seus compatriotas e fazê-los acreditar no caráter excecional da América, apesar de todos os seus defeitos, contradições e erros.
Cinquenta anos e nove presidentes depois, JFK continua vivo na memória popular e o seu legado ainda inspira quase todos os que têm a pretensão de alcançar sucesso na política. Jack, como lhe chamavam, fez com que o clã Kennedy se convertesse na família real de um país republicano, uma versão americana de Camelot (JFK adorava a lenda do rei Artur e dos Cavaleiros da Távola Redonda). Jacqueline Lee “Jackie” Bouvier, a sua mulher, tornou-se um modelo incontornável para todas as primeiras damas que lhe sucederam na Casa Branca.
Todos os discursos presidenciais do último meio século tentaram replicar os efeitos e os truques retóricos imortalizados pelo homem que foi a Berlim dizer-se berlinense.
Ronald Reagan citava-o vezes sem conta e tinha-o como um exemplo da forma de lidar com o “império do mal” (a URSS). Bill Clinton apresentou-se na corrida eleitoral de 1992 como uma reencarnação de JFK daí ter usado, na campanha, uma imagem sua, aos 17 anos, a cumprimentá-lo. E Barack Obama, cujos dotes oratórios são muitas vezes comparados aos de Kennedy, sabe agora após quase seis anos no poder que não basta dizer “yes we can”. O magnicídio de Dallas veio apenas demonstrar que JFK foi um caso único. Só o seu desaparecimento prematuro permitiu que ele ainda seja visto como um líder que parecia ser capaz de tudo para os americanos e para o mundo.
Oito razões que ajudam a explicar e a compreender o mito.
1 – HERÓI DE GUERRA
Joe Kennedy, o patriarca da família, sempre quis colocar um dos seus filhos na Casa Branca. Antigo embaixador dos EUA no Reino Unido após ter ganho fama e fortuna em negócios tão diversos que iam de Hollywood à distribuição de uísque reservou tal missão para o seu filho mais velho, Joe Júnior. Mas a Segunda Guerra viria a mudar-lhe os planos, quando este último morre, acidentalmente, aos comandos de um bombardeiro, nos céus de Inglaterra.
Jack torna-se, então, o eleito. Com alguma sorte à mistura: a 2 de agosto de 1943, quando era o jovem comandante de uma lancha patrulha, no Pacífico, a sua embarcação foi abalroada por uma fragata japonesa, perto das ilhas Salomão.
O tenente Kennedy ficou ferido na coluna mas comportou-se de forma heróica, ao salvar alguns dos seus companheiros. O que lhe valeu várias condecorações militares. A sua carreira pública estava lançada.
2 – JORNALISTA E POLÍTICO PROFISSIONAL
Após o fim da guerra e graças aos contactos do pai, Jack é recrutado pelo maior grupo de comunicação dos EUA, propriedade de William Randolph Hearst, personagem que inspira o filme Citizen Kane, de Orson Welles. JFK descobre os prazeres da escrita e do jornalismo, chegando a deslocar-se à Europa em reportagem. No entanto, a política leva-o até à Câmara de Representantes, onde fica entre 1946 e 1952, data em que é eleito para o Senado. A sua passagem de 14 anos pelo Congresso é discreta e pouco consensual, quanto mais não seja pelas boas relações entre a família e o senador Joseph McCarthy, responsável pelas purgas “anticomunistas” no país.
3 – CONGRESSISTA MEDÍOCRE
A fortuna da família e a capacidade de influência do seu pai, foram decisivas na carreira de Jack. Por outro lado, os seus problemas de saúde impediam-no de ser um congressista assíduo e empenhado. Só quando participa na corrida presidencial de 1960 revela a sua capacidade de mobilizar e encantar multidões. Mesmo assim, em novembro desse ano, ganha a Richard Nixon pela margem mínima: 110 mil votos e uma décima percentual de diferença. Isto para já não falar das suspeitas de compra de votos e manobras clandestinas dos sindicatos e da máfia, a seu favor.
4 – GÉNIO DA COMUNICAÇÃO
Ainda antes de chegar à Casa Branca, Joe Kennedy recrutou os serviços do fotógrafo Jacques Lowe para que este retratasse a família do filho. Pela primeira vez, um candidato expunha a sua vida privada para daí tirar proveitos políticos. Mas não só. O clã percebeu, igualmente, a importância da televisão e o debate entre JFK e Nixon ditou as novas regras mediáticas para as campanhas eleitorais. Já como 35.° Presidente, instituiu as conferências de imprensa e todas as suas aparições públicas eram cirurgicamente preparadas. Quanto aos seus discursos, ainda hoje são uma referência. Mesmo aqueles em que os sound bites não eram da sua lavra, nem da autoria dos seus colaboradores.
O melhor exemplo é o famoso “Não perguntes o que a tua pátria pode fazer por ti. Pergunta o que tu podes fazer por ela” expressão plagiada dos cartazes de propaganda bélica dos EUA na Primeira Grande Guerra.
5 – JACKIE E A IMAGEM
A primeira-dama foi uma peça fundamental, ao longo dos 1 036 dias da presidência de JFK. A remodelação da Casa Branca por si feita deu direito a uma reportagem da CBS vista por mais de 55 milhões de americanos.
O seu glamour e elegância foram, igualmente, usados na estratégia de marketing da presidência, incluindo fora dos EUA. Quando o casal se deslocou a França, na primavera de 1961, o ministro da Cultura gaulês, André Malraux, rendeu-se aos encantos de Jackie.
A tal ponto que, dois anos depois, aceitaria que a Mona Lisa fosse exposta em Washington e Nova Iorque.
6 – ANFITRIÕES GLOBAIS
Jackie era uma consumidora desenfreada e sempre se manteve a par das últimas tendências ditadas pela alta costura, em Paris.
Cliente privilegiada das casas Chanel, Givenchy, Dior e afins, terá gasto mais de 45 mil dólares em roupa só no primeiro ano da presidência Kennedy uma soma que era quase metade do salário do marido. Ele, por seu turno, fazia furor com o seu look Mad Men. Ambos inauguraram as festas e os concertos na Casa Branca com artistas e convidados ilustres um dos primeiros eventos teve como protagonista o violoncelista e músico catalão Pau Casals.
7 – PREDADOR PRESIDENCIAL
Apesar da imagem de chefe de família exemplar, JFK sempre foi um mulherengo inveterado. A sua lista de conquistas incluiu tanto as estagiárias da Casa Branca como as grandes vedetas de Hollywood: Grace Kelly, Jayne Mansfield, Kim Novak, Marilyn Monroe…
O seu irmão Bobby tentava domarlhe o caráter libertino, sem sucesso. Essas histórias de alcova incluíram, também, personagens como Judith Exner (amante de Frank Sinatra e de Sam Giancana, chefe da máfia de Chicago) e Ellen Rometsch, apontada pelo diretor do FBI, Edgar Hoover, como uma espia comunista.
8 – VISIONÁRIO E VÍTIMA DAS CONSPIRAÇÕES
JFK foi o mentor de algumas das mais progressistas reformas, nos EUA o Medicare, os direitos civis para a população negra mas, na política externa, há quem o descreva como um falcão que acumulou erros e medidas polémicas: a frustrada invasão de Cuba, a crise dos mísseis e a corrida às armas para conter a URSS, o reforço do contingente militar no Vietname, onde mais de 55 mil soldados americanos viriam a morrer até 1975… No entanto, poucos duvidam da sua capacidade de improviso para unir e mobilizar o seu país. Em abril de 1962, mal Yuri Gagarin se tornou o primeiro ser humano a viajar no espaço sideral, JFK desafiou todos à sua volta no sentido de contribuírem para que os EUA pusessem um astronauta na Lua, antes da URSS e até ao final dessa década. O seu sonho concretizou-se. Hoje, 74% dos americanos, segundo uma sondagem da Fox News, não acreditam na versão oficial da sua morte.
Nem mesmo o atual chefe da diplomacia do país, John Kerry. Um Presidente como Kennedy jamais poderia ter sucumbido aos miseráveis tiros de um antigo marine tresloucado. Lee Harvey Oswald era um zé ninguém. Só podia estar a soldo de alguém muito importante…