“No futuro, as ações de combate passarão, cada vez mais, por estes aparelhos que serão demasiado rápidos, demasiado pequenos, demasiados numerosos e destinados a operar em cenários demasiado complexos para os seres humanos”, escreve o coronel Thomas Adams no livro Drone Warfare. De facto, os veículos aéreos não tripulados (Unmanned Aerial Vehicle – UAV), já mudaram a face do combate ao terrorismo e podem ter aplicações tão diversas como a prevenção da caça às baleias nos mares japoneses ou a monitorização de fenómenos naturais. No entanto, é o seu uso militar, responsável pela morte de mais de 1 500 pessoas só no Paquistão, desde 2004, que suscita críticas.
O assassínio de Anwar al-Awlaki, imã radical que possuía nacionalidade norte-americana, por ação de um destes aparelhos, no Iémen, levantou uma série de questões legais.
Ainda assim, ninguém tem dúvidas de que eles vieram para ficar: a Força Aérea dos EUA já treina mais operadores de drones que pilotos de aviões tripulados. O desaparecido Usama Bin Laden está diretamente ligado à crescente utilização destes veículos, em ataques militares. Depois de, em 1998, a administração dos EUA ter descartado uma missão para bombardear um local afegão onde se acreditava estar o então líder da Al Qaeda, em função do elevado número de baixas colaterais e da relativa incerteza quanto à veracidade da informação, “o Pentágono intensificou esforços para encontrar uma alternativa mais precisa”, segundo a Comissão norte-americana de investigação aos atentados de 11 de Setembro de 2001.
Já no final dos anos 90 havia drones, desarmados, a espiar a Al Qaeda em territórios afegãos e é daí que parte o programa dos EUA para este tipo de aviação. Hoje Bin Laden está morto (com a ajuda dos drones, que forneceram informações essenciais para a sua localização) e as ações de combate passarão, cada vez mais, por estes aparelhos.
Eficazes e sem riscos
Os EUA dispõem de uma frota de 7 500 drones e não têm receio de usá-los: o último ataque conhecido ocorreu a 24 de maio, na região tribal paquistanesa do Waziristão, perto da fronteira afegã, onde as ações dos UAV são mais frequentes. Dois mísseis mataram oito alegados insurrectos. A informação oficial, como sempre acontece nestes casos, é escassa. Zona remota e inacessível, o Vaziristão, onde os campos de treino para combatentes talibãs proliferam (80% dos bombistas suicidas que atuam no Afeganistão vêm das regiões tribais do Paquistão), viu a Al Qaeda e os seus aliados alterarem por completo o seu modus operandi como resposta à presença constante de drones. Deixaram de usar dispositivos eletrónicos e evitam ao máximo reuniões com grande número de pessoas, inclusive nas mesquitas.
Barack Obama é um entusiasta destes aparelhos, que, muitas vezes, são controlados a partir de bases em solo norte-americano, sem qualquer risco para a vida dos seus compatriotas. Permitem atingir alvos com muito menos “intrusão militar”, como admitiu, num fórum online, em janeiro. O Presidente dos EUA, a meio do seu mandato, já tinha autorizado quatro vezes mais ataques de drones que o seu antecessor, George W. Bush, ao longo dos oito anos que esteve na Casa Branca. Iraque, Afeganistão, Líbia, Paquistão, Iémen e Somália são os destinos conhecidos destas missões. Para os operadores dos veículos, “que correm mais risco de ter um acidente na estrada a caminho do trabalho do que em combate”, de acordo com Peter Singer do Brookings Institution, as suas funções confundem-se com um videojogo.
Podem-se produzir disfunções cognitivas dadas as dificuldades em assimilar uma realidade que os leva da tranquilidade das suas casas até às distantes montanhas paquistanesas, numa questão de minutos, tendo pouco tempo para descomprimir entre as operações de morte seletiva em frente de um ecrã e os tempo de convívio familiar.
Também por isso, já estão em curso investigações militares para criar Robô-Drones: drones capazes não só de matar como de tomar “decisões éticas”, segundo relatou, no fim de semana passado, o Wall Street Journal. As transações de drones entre nações são muito reduzidas, estando em curso uma corrida global ao domínio desta tecnologia. Não havendo muitas informações de pormenor sobre o ponto em que está cada país, é para já claro que os EUA se encontram claramente à frente de todos os concorrentes, com um avanço significativo sobretudo no que se refere ao fabrico de UAV armados. Israel é o segundo maior produtor, sendo que a China tem investido maciçamente nestes aviões, nos últimos tempos, não se coibindo de exibir alguns dos seus modelos em feiras militares.
Imbróglio jurídico
O drone que se despenhou no Irão, no início de dezembro, deixou a nu as deficiências destes aparelhos. As más condições atmosféricas, falhas nos sistemas de comunicação, erros humanos, determinam, muitas vezes, a sua queda. A Força Aérea norte-americana já perdeu mais de 50 drones, implicando custos de, pelo menos, um milhão de dólares. Colocados em cenários de alto risco, não é difícil “começarem a cair do céu como chuva”, nas palavras do tenente-general David Deptula, reproduzidas pela Foreign Policy. Com toda a programação informática envolvida, os UAV também poderão estar sujeitos a ataques de hackers, uma eventualidade de resultados imprevisíveis. No Iraque, responsáveis norte-americanos reconheceram que combatentes rebeldes já conseguiram intercetar informação transmitida pelos drones Predator, servindo-se de software rudimentar que pode ser adquirido por apenas 20 euros. Ainda assim, são as questões jurídicas do uso dos drones que têm dado mais dores de cabeça à administração de Barack Obama. O procurador-geral dos EUA defendeu, num discurso a 5 de março, que o Presidente não necessitava de “aprovação jurídica para autorizar o uso da força no estrangeiro”, mesmo que o alvo seja um cidadão norte-americano, como aconteceu no caso da operação contra o clérigo islâmico Anwar al-Awlaki, morto a 30 de setembro. Segundo Holder, no combate ao terrorismo, aplicam-se os princípios da guerra e os inimigos, quer sejam concidadãos quer não sejam, perdem o direito à defesa legal prevista na Constituição dos EUA.
A autoridade sobre estes veículos também é difusa: tanto a CIA como o Pentágono controlam UAV’s com o comando das operações a variar, conforme o local e a situação. A licença para matar remonta à autorização do uso de força militar, norma aprovada pelo Congresso norte-americano em 2001, na sequência do 11 de Setembro. Mas é cada vez mais difícil enquadrar as ações de combate numa lei estabelecida há dez anos, num cenário diferente. Desde então, mais de 100 mil pessoas foram detidas, acusadas de terrorismo, mas tem-se tornado penoso para a Casa Branca justificar estas detenções por tempo indeterminado.
Os ataques dos drones revelam-se, assim, uma alternativa eficiente, mesmo pondo em causa a soberania dos países cujos espaços aéreos são invadidos.
Uso civil
Em 2012 já morreram mais de 65 pessoas devido à ação dos aparelhos não tripulados da Força Aérea norte-americana mas as operações de vigilância são as mais comuns e a maioria dos drones nem sequer tem capacidade de artilharia (no Afeganistão são também usados para abastecer as tropas, na frente de batalha). E se o uso militar destes veículos está em expansão, o mesmo se passa no campo civil, onde parece haver um leque infindável de possibilidades por explorar. Já é possível controlar um robô aéreo a partir de uma aplicação para iPhone e este mercado, hoje avaliado em mais de 4 mil milhões de euros, continua a crescer. Ao contrário dos drones militares, que envolvem investimentos de milhões de euros e vastas equipas para os pilotar e manter, os aparelhos para uso comum podem ser adquiridos por menos de 250 euros e dominados facilmente por uma única pessoa. Isto levanta o problema de saber se os drones não poderão vir a ser utilizados, a curto prazo, também pelos terroristas, criando-se novo pesadelo de “guerra assimétrica”.
Em fevereiro, o Senado norte-americano aprovou o financiamento da Administração Federal de Aviação para o próximo quadriénio, no valor de €48 mil milhões, com um dos pressupostos a ser a simplificação da emissão de licenças para os UAV civis. Por seu turno, as autoridades japonesas recorreram a um veículo não tripulado para avaliar os estragos na central nuclear de Fukushima, depois do tsunami de 2011, o mesmo que já tinha sido feito no Haiti, após o terramoto de 2010, e, este ano, já haverá drones a descerem ao olho de um furacão afim de recolherem informações detalhadas sobre o fenómeno. Também a curto prazo será possível ver robôs nos céus de grandes cidades, a efetuarem ações de policiamento, que já são comuns em algumas zonas fronteiriças. Com drones praticamente silenciosos já a voar e aparelhos do tamanho de insetos a seres desenvolvidos, o limite destas máquinas parece ser mesmo a imaginação.
O Nicolas Brody dos drones
No intricado mundo das agências de segurança norte-americanas, poucos ocupam um cargo de topo há tanto tempo como ele: Roger, que mantém a sua identidade secreta, é o chefe do Centro de Contraterrorismo da CIA, desde há 6 anos, e o principal responsável pelo crescente uso de drones pela agência. Convertido ao Islão por influência da mulher, lidera a campanha de caça aos muçulmanos radicais e está por detrás da estratégia de mortes seletivas implementada pela administração de Barack Obama. Segundo o diretor da CIA, David Petraeus, em declarações ao Washington Post, “nenhum membro da agência tem sido mais esforçado, focado ou dedicado, no combate a Al-Qaeda” do que Roger, o agente que se revelou mediano nas provas de treino para espião mas acabou por se tornar indispensável, numa guerra que não dá mostras de abrandar.