Quando muitos esperavam que os debates das eleições para o Parlamento Europeu fossem contaminados pelo periclitante momento político que se vive em Portugal, a Europa acabou mesmo por ser o tema principal do primeiro, esta noite, na SIC. E, sendo assim, ficámos sem muitos pontos de discórdia entre Sebastião Bugalho, da AD, Marta Temido, do PS, João Cotrim Figueiredo, da IL, e Francisco Paupério, do Livre. Mas houve alguns.
Migrações
Clara de Sousa, a moderadora, arrancou com o tema das migrações, que seria polémico se estivessem certos candidatos na mesa, mas que não dividia grandemente nenhum dos quatro presentes. Questionada sobre o Pacto para as Migrações, Marta Temido admitiu que o PS votou a favor mesmo não se revendo no diploma. “É um tema complexo, este foi o compromisso possível, que representa um avanço. Não podemos continuar a ter tragédias no Mediterrâneo.”
Sebastião Bugalho, por seu lado, defendeu mudanças ao Pacto e aproveitou para atacar o PS, devido aos problemas com o SEF/AIMA. “A única forma de combater a imigração ilegal é através de planos de migração legal. (…) Há 400 mil migrantes que estão à espera que os seus processos sejam concluídos, que ficam vulneráveis a redes de tráfico humano. Aproveitam-se das deficiências. O PS entregou a política de emigração a redes de tráfico humano.”
Cotrim Figueiredo concordou com as críticas, acusando o PS de “enorme irresponsabilidade” ao substituir o SEF pela AIMA sem que a agência estivesse preparada. Mas sublinhou também a necessidade de “ampliar” a imigração legal, “entre trabalhadores sazonais e qualificados”.
Francisco Paupério, até hoje desconhecido do público, foi o único que destoou da relativa concordância quanto ao Pacto das Migrações, chamando-lhe “um pacto que prende crianças”. “‘Os Verdes’ [grupo do Parlamento Europeu a que o Livre pertence] defendem um pacto que humanize. Este pacto externaliza as fronteiras da UE para regimes autocratas, como a Turquia e a Bielorrússia, que vão empurrar os migrantes se nao lhes dermos fundos europeus.” O candidato do Livre falou ainda dos “200 milhões de refugiados climáticos” que se esperam até 2050. “Este pacto nao está preparado para isso. Precisamos de corredores humanitários, de uma cultura de acolhimento e inclusão.”
Alargamento da UE
Marta Temido admitiu que o alargamento “exige reformas institucionais e orçamentais da UE” e defendeu “uma integração com ambição para os restantes países”. Foi aqui que Cotrim Figueiredo aproveitou para lançar uma farpa: “Mais impostos? Conheço bem a lógica do PS.”
Quando o debate tocou na questão dos fundos que Portugal pode vir a perder com o alargamento a países mais pobres, Sebastião Bugalho declarou que “o ponto de partida não deve ser o dinheiro que vamos perder”, mas que “tem de ser lido à luz da Europa que vamos ganhar”. O representante da AD sugeriu ainda que os ministros dos Negócios Estrangeiros dos países candidatos devem ser convidados a assistir às reuniões dos ministros da UE. “ Porque é que o MNE da Ucrânia nao há de participar nas reuniões para ver como fucnionam?”
Cotrim Figueiredo lembrou que “temos a obrigação moral de receber estes países”, aproveitando para criticar o “desperdício brutal” em Portugal dos fundos europeus. Foi neste momento que se deu um dos poucos choques de frente entre os candidatos: quando o cabeça-de-lista da IL falava sobre os fundos da agricultura, Francisco Paupério introduziu o tema do clima, acusando o adversário de não acreditar na emergência climática. Cotrim Figueiredo não recuou, admitindo que não gosta da palavra e que prefere a expressão “alterações climáticas graves”.
Paupério aproveitou para recordar as manifestações pró-UE “antiputinistas” da Geórgia e assim realçar a necessidade de “pensar no alargamento à Geórgia.”
Defesa
Dos quatro, Marta Temido parece ter sido a menos preocupada com a ameaça russa e a necessidade de a UE se defender, caso Donald Trump seja eleito e deixe a Europa nas mãos de Putin. Admitiu que “precisamos de reforçar a política de defesa comum”, mas, acrescentou, quando se falava da mutualização da dívida, “não vamos investir em armas sem investir noutras prioridades, como casas”.
Bugalho adiantou que Portugal “tem de cumprir o mínimo exigido pela aliança atlântica” (2% do PIB para Defesa) e que “a Europa tem de se assumir como o pilar da NATO”, concordando com Paupério sobre a necessidade de compatibilização de equipamentos militares. Face às suas declarações, há dias, sobre a Europa ter de apostar em “capacetes e coletes à prova de bala”, que foram ridicularizadas por alguns comentadores, o candidato da AD disse que a sua intenção fora mostrar que o mundo da defesa já não se podia sustentar na produção de tanques, mas sim que exigia “uma indústria de defesa híbrida, com [produção de] drones”.
Cotrim Figueiredo também concordou que Portugal deve atingir a fasquia dos 2% do Orçamento do Estado para a defesa, recordando que “estamos a 1,35%”. E aproveitou para ironizar com um tema que é caro à IL: “É muito dinheiro, mais de metade de uma TAP.”
Francisco Paupério comentou que a UE precisa “de discutir a polticia interna de defesa” e avisou que a reindustrialização da indústria militar “não pode ser centralizada na França”. Acrescentou ainda que investir em energias renováveis “para deixar de comprar gás a Putin” é uma forma de defender a UE. Cotrim de Figueiredo não deixou de aproveitar a oportunidade para acusar o Livre de criar “empecilhos” ao desenvolvimento, incluindo a transição energética, lembrando que o partido “queria taxar a automação”.
Costa no Conselho Europeu
Os últimos minutos do debate, que ultrapassou ligeiramente os 50 minutos previstos, foram para a possibilidade de António Costa se candidatar à presidência do Conselho Europeu. Sem surpresas, Marta Temido apoiou entusiasticamente o seu ex-líder, garantindo que “a visão de Costa para a Europa tem provas dadas”.
Os outros três candidatos, porém, não se mostraram dispostos a apoiar sem reservas a eventual candidatura do ex-primeiro-ministro. Sebastião Bugalho disse que “não tinha voto na matéria para o Conselho Europeu” e esperava que esse não fosse o centro do debate das europeias, “porque já tivemos nove anos de Costa”.
Francisco Paupério seguiu a mesma linha, realçando que “Os Verdes” não têm assento no Conselho Europeu e que “vai depender dos outros candidatos”.
Cotrim de Figueiredo foi menos diplomático: “Não há vantagens em ter Costa. O que interessa é o que as pessoas pensam e fazem, não o sítio onde nasceram. Porque é que um português há de ser melhor que outro? Jacques Delors foi mais útil aos interesses de Portugal do que Durão Barroso.”