Nos últimos oito anos, Portugal convergiu com todos os membros do G7, aproximou-se das maiores economias europeias e pode já ter ultrapassado o Japão. O que é que isto no diz? Que estamos a viver melhor do que os países mais ricos?
Não. Diz-nos que nos aproximámos dos níveis de vida dos países mais desenvolvidos. Estamos a 80% dos níveis de vida desses países, quando antes estávamos a 50%. Ainda estamos aquém, mas estamos mais próximos. Países como a França, Alemanha ou Itália também têm diferenças regionais. Se, por exemplo, Portugal fosse uma região de França, já não estaria na última posição, como sucedia há 20 anos. Com o nível de rendimento de 83% que tem em relação a França, estaria mais ou menos a meio da tabela. A região de Lisboa seria hoje a segunda mais rica das 20 regiões da França continental, e o Alentejo já não seria a mais pobre. Portugal deu um salto importante desde que entrou na União Europeia (UE), aproximando os seus padrões de vida aos dos outros Estados-membros. Essa aproximação não foi contínua e ainda está incompleta.
Foi interrompida entre 2000 e 2015…
Exatamente. Houve uma convergência muito forte nos primeiros 15 anos a seguir à adesão, em que Portugal se aproximou muito dos padrões europeus, mas ficando ainda bastante atrás. E depois houve outros 15 anos em que andou para trás ou estagnou. Mas os últimos oito anos mostram que estamos outra vez num período de forte aproximação aos países mais ricos.
Neste último período, em que voltámos a acelerar, Portugal alcançou ou ultrapassou a posição em que estava no primeiro período de convergência com a Europa, e que terminou em 2000?
Em relação aos países mais ricos, já ultrapassámos o ponto a que tínhamos chegado em 2000. Tínhamos chegado a 70% e agora estamos a 80% do PIB per capita (em paridades de poder de compra). No caso de França, estamos numa posição substancialmente melhor do que em 2000. No caso de Itália, também já estamos com mais de 80% do PIB per capita (ppc), quando na altura da adesão à então CEE tínhamos pouco mais de 50%. Se consideramos a UE a 12, estamos com um ritmo de convergência anual semelhante ao que tínhamos nos primeiros 15 anos da integração. É uma evolução bastante interessante e mostra que Portugal não está condenado a ficar para trás. Nesses primeiros 15 anos, Portugal teve uma forte convergência com a UE, mas teve também alguns desequilíbrios. A economia estava a crescer, muito baseada na procura interna, mas quando em 2000 aderimos à moeda única, tínhamos um desequilíbrio nas contas públicas. No período seguinte, tivemos de enfrentar desafios externos. Portugal sofreu muito com a concorrência da China e dos países asiáticos no comércio externo, e a seguir sofreu com a concorrência resultante da entrada na UE dos países de leste. A partir de 2004, absorveram muito do investimento que antes vinha para Portugal e Espanha. Tivemos de nos ajustar, fizemos uma grande alteração estrutural nas exportações e, neste momento, estamos bastante competitivos. Registámos um crescimento nas exportações de 27% para 50% do PIB entre 2005 e 2023, e no último ano tivemos o saldo externo mais elevado de sempre. Praticamente duplicámos o peso das exportações no PIB. Estamos a exportar mais serviços informáticos do que calçado, ou do que cortiça e vinho juntos.
É mérito nosso, termos crescido mais do que a média da zona euro, ou é demérito dos outros, nomeadamente no caso do Japão?
Uma parte é mérito de Portugal, que está a crescer acima da zona euro desde 2016. Na pandemia, foi mais afetado, mas a seguir voltou a crescer claramente acima, e as projeções para os próximos dois anos indicam que continuará a fazê-lo a um ritmo que será mais do dobro do da zona euro.O que é que Portugal fez para melhorar a sua situação? Em 2000, apresentava uma integração europeia bem sucedida, estava na moeda única, mas tinha qualificações ainda muito aquém das de outros países. Só em 2001 é que passámos a ter mais licenciados do que analfabetos. A maior parte dos países europeus deu este salto na viragem do século, mas foi do século anterior. Portugal estava com 100 anos de atraso. A substituição de toda uma força de trabalho, menos qualificada, por uma mais qualificada, é um processo lento. Portugal conheceu alterações estruturais muito importantes nos últimos 25 a 30 anos, mas uma das mais importantes foi a das qualificações. Qual foi o problema seguinte? Entraram no mercado mais pessoas qualificadas, mas os setores tradicionais, como têxtil ou calçado, tinham dificuldades em absorver essa especialização. Durante algum tempo, houve excesso de licenciados num país que tinha falta de licenciados. Entre 2000 e 2015, produziram-se 50 a 60 mil novos licenciados por ano, mas criaram-se apenas 30 a 40 mil empregos para licenciados. Nos últimos oito anos, isso inverteu-se. Portugal passou a criar mais empregos para licenciados do que o número de novos licenciados a sair das universidades. Só nos últimos três a quatro anos, criámos por ano 90 mil empregos, mais do que o número de licenciados. Há escassez de licenciados, e também por isso estamos a atrair mão de obra qualificada. Fala-se muito da saída de trabalhadores qualificados para fora mas, nos últimos dois anos, o número dos portugueses que voltaram superou pela primeira vez o número dos que saíram. Os jovens qualificados continuam a emigrar, mas muitos estão a regressar. A ideia de que estamos a perder mais qualificados do que a receber é desmentida de uma forma muito clara pelos números do emprego de pessoas qualificadas.
Como é que se explica que parte das economias europeias, e o Japão, estejam a crescer tão lentamente?
Estão a ter um crescimento de economias maduras. Muitas delas têm problemas de envelhecimento semelhantes ao português, ou piores, e estão a ter crescimentos mais lentos. No Japão, foi acentuado por razões institucionais, que têm dificultado uma reforma quer do sistema político quer do sistema empresarial, e também por razões de concorrência a nível regional, desde que uma parte da produção foi deslocalizada para a China. Além disso, o Japão não compensou o envelhecimento com imigração. É um país particularmente fechado à imigração, por uma opção dos japoneses, perfeitamente respeitável, mas é uma opção que tem efeitos no crescimento económico, na Segurança Social e no endividamento. É importante tirar as devidas lições. A abertura à imigração em Portugal tem sido muito positiva e é necessária para manter o crescimento económico. Há setores que precisam claramente de imigração, como o turismo e a agricultura, mas também os sectores tecnológicos, que representam já 35 a 40% da criação líquida de novo emprego.
As notícias que davam como certo que a Roménia iria ultrapassar Portugal foram manifestamente exageradas?
Tem havido claramente um exagero, resultante do facto de projetarmos no futuro o que vem do passado. Se pegarmos nos países de leste e olharmos para o ritmo a que se têm aproximado da média da UE nos últimos 15 a 20 anos, e se traçarmos a partir daí uma reta, concluímos que vão ultrapassar não só Portugal mas também a Alemanha e a Suécia dentro de 10 ou 15 anos. Essas projeções, às vezes, saem erradas. Quando eu próprio faço projeções para 2030, estou apenas a dizer que se Portugal conseguir aproximar-se tanto de cada um daqueles países como fez nos últimos oito anos, então até poderá ultrapassar a Espanha. Mas nem sempre é uma linha reta. O gráfico 3 (ver Ensaio) ajuda-nos a perceber que a ideia de que os países de leste foram sempre mais pobres não é verdadeira. Nos últimos 200 anos, Portugal foi mais rico do que alguns deles apenas durante 15 ou 20 anos. No fim dos anos 1980 e início da década de 1990, esses países sofreram uma grande queda porque tinham as economias organizadas num modelo muito integrado com a URSS. Quando esse modelo se desorganizou, a economia recuou. A Roménia é um bom exemplo. Em1986, quando entrámos para a UE, o seu PIB per capita (ppc) correspondia a 93% do português. Em 2023, a Roménia continua a ter um PIB per capita que é 93% do português. Mas o caminho foi quase oposto ao de Portugal. Nos primeiros 15 anos da adesão, tivemos um período de crescimento e de aproximação aos países mais ricos. Nesse mesmo período, os países de leste andaram para trás, por causa da queda do Muro e da reorganização das economias. Nos 15 anos seguintes, tivemos de reorganizar a nossa economia e de corrigir alguns desequilíbrios, internos e externos, ao passo que os países de leste já tinham batido no fundo e iniciado um crescimento muito grande. Nos últimos oito anos, tanto os países de leste como Portugal convergiram com a UE mas, entre 2016 e 2019, os países de leste convergiram a um ritmo superior ao português. Desde a pandemia, verifica-se o contrário. Nos últimos três anos – e nos próximos dois anos, de acordo com as previsões – Portugal cresceu e deverá continuar a crescer mais do que a maioria dos países de leste.
Estamos a deixar os países de leste para trás?
Portugal deverá manter a sua posição relativa face aos países de leste. Alguns vão crescer mais do que nós, outros menos. Países como a Chéquia, que neste momento está à nossa frente, está a crescer bastante menos, e Portugal tem estado a reaproximar-se. Nos próximos dez anos, é muito provável que Portugal continue a crescer a um ritmo semelhante ao da média dos países de leste, embora nos últimos três ou quatro anos tenha crescido mais do que a maioria. Neste momento, as condições que oferecemos são diferentes das dos países de leste e, em alguns aspetos, como nas energias renováveis, até são melhores. Continuam a ter a vantagem de estarem mais perto do centro da Europa, mas também têm a desvantagem de estarem mais perto dos conflitos que estão a ocorrer na Europa.
Ao fazer incidir a análise de dados nos últimos oito anos, que são de governação socialista, da qual fez parte como ministro da Economia, está também a assinalar a saída da troika e o programa de saneamento das contas públicas do anterior governo.
No período entre 2001 e 2015, a economia portuguesa cresceu sempre menos do que a média da UE. Nos anos seguintes, cresceu – em todos os anos, menos no ano da pandemia – mais do que a média da UE. Estamos a falar de um período de oito anos e de três governos com o mesmo primeiro-ministro, mas também de um período completamente diferente do anterior. Ora, o anterior período de 15 anos não teve 15 anos de troika. E não se aproveitou o aumento de pessoas qualificadas porque não se fizeram mudanças estruturais. A partir de 2015, voltámos a ter ambição de fazer acontecer coisas, como a criação de startups, a melhoria das universidades, a captação de investimento estrangeiro. É óbvio que uma parte do que andámos para trás teve a ver com a correção de desequilíbrios, externos e internos, e também das contas públicas. Mas este período de oito anos pode ser o início de um novo ciclo.
Um novo ciclo também com um novo governo de cor partidária diferente. Que conselho dá ao novo governo?
Que olhe para o que permitiu retomar o crescimento nestes oito anos: uma política de criação de emprego e de emprego qualificado, uma política de atração de investimento estrangeiro, uma política de inovação e de apoio ao empreendedorismo e outras. Que se dê continuidade a essas políticas, fazendo melhor. É possível que Portugal continue a aproximar-se dos países mais ricos. O FMI acredita que isso vai acontecer em 2024 e 2025, e eu acredito que isso possa continuar para além desses anos. E não me parece que este governo queira fazer alterações nas políticas mais importantes.
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