A defesa de António Mexia, presidente da EDP, e de João Manso Neto, presidente da EDP Renováveis, acusa o Ministério Público de estar a fazer um julgamento sumário através do pedido de agravamento das medidas de coação no chamado caso EDP, assim “condenando-os na praça pública” e punindo-os “antecipadamente”, oferecendo “uma lição e uma moral à sociedade portuguesa, que tem seguido o presente caso através dos jornais (“o crime não compensa”).”
“O propósito deste Ministério Público é diminuir pessoas, amesquinhar personalidades e reduzir a capacidade efetiva de dois seres humanos”, alegam os gestores, que acusam ainda os procuradores do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) de virem agora, oito anos depois do início do processo, pedirem para as medidas de coação serem agravadas apenas como “desculpa muito mal amanhada” para se aproveitarem do facto de terem agora a conduzir a instrução do processo o juiz Carlos Alexandre, um magistrado “com perfil comummente identificado como próximo” ao Ministério Público: “Para tanto, requentaram factos passados, há 5 e 2 anos atrás, deram-lhe a aparência de “factos novos” e jogaram a sua derradeira cartada para tentar conseguir aquilo que entendem ser absolutamente essencial à sobrevivência desta sua intifada e desconchavada investigação: afastar os arguidos António Mexia e João Manso Neto da liderança dos destinos da EDP”.
Recorde-se que, como a VISÃO adiantou a 5 de junho, o Ministério Público propôs ao juiz Carlos Alexandre que António Mexia e João Manso Neto sejam suspensos do exercício de funções em empresas concessionárias ou de capitais públicos, bem como de qualquer cargo de gestão/administração em empresas do Grupo EDP, ou por este controladas, em Portugal ou no estrangeiro; que sejam obrigados a entregar o passaporte e, por sua vez, proibidos de viajar para o estrangeiro; que sejam proibidos de entrar em todos os edifícios da EDP; que sejam obrigados a pagar cauções milionárias (2 milhões de euros no caso de Mexia, 1 milhão no caso de Manso Neto); e que fiquem proibidos de contactar com os arguidos Manso Neto, João Conceição, Ricardo Salgado, Rui Cartaxo, Manuel Pinho, com o suspeito Artur Trindade, com todos os trabalhadores “apanhados” nos emails que constam da investigação ao caso EDP e com todas as testemunhas ouvidas no processo.
O juiz Carlos Alexandre deverá agora avaliar os argumentos dos dois lados e decidir nos próximos dias a que medidas deverão ficar sujeitos António Mexia e João Manso Neto.
Na resposta de 177 páginas enviada hoje ao juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC), à qual a VISÃO teve acesso, António Mexia e Manso Neto defendem que o Ministério Público não pode pedir que sejam suspensos de funções, pois sendo a EDP uma empresa 100% privada, com capitais 100% privados (só a EDP Distribuição tem outro estatuto), só os acionistas o podem fazer, “já que nenhum dos requerentes assume a qualidade necessária para o efeito (desde logo, não são funcionários públicos, nem administradores de empresa concessionária de serviços públicos)”. “Nenhum titular dos órgãos de gestão da EDP – e dúvidas não restem, sobretudo os Arguidos António Mexia e João Manso Neto – assume a qualidade legal de titular de cargo público, agente da Administração ou funcionário público”, dizem Mexia e Manso Neto, discordando ainda da tese de que também a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) tem competência para aferir “a idoneidade dos administradores das sociedades cotadas”.
Ainda assim, continua a defesa assegurada pelos advogados João Medeiros, Rui Costa Pereira e Inês Almeida Costa, o Ministério Público serve-se de um “arsenal” de outras medidas de coação para conseguir o mesmo efeito da suspensão de funções, já que se ficarem sem passaporte e proibidos de viajar, dificilmente os gestores poderão continuar a liderar a EDP. “Conscientes da aberração jurídica que peticionam, porque o fim de afastar os arguidos justifica todos os meios, para o caso de não conseguirem contar com a ajuda do Juiz de Instrução Criminal para trazer à vida este nado morto, peticionam todo um arsenal de medidas de coação – proibição de entrada nas instalações da EDP + proibição de contactos + proibição de ausência para o estrangeiro, cujo propósito combinado é o de conseguir o mesmo fim visado pela suspensão de funções (!)”, acusa a defesa de Mexia e Manso Neto.
Os procuradores Carlos Casimiro Nunes e Hugo Neto, que conduzem a investigação do chamado caso EDP, entendem que as medidas de coação agora propostas são adequadas perante os fortes indícios de cinco crimes: quatro de corrupção ativa e um de participação económica em negócio. Também neste ponto a defesa ataca o Ministério Público: “Quais Rômulo e Remo do setor da energia, decorre da indiciação a ideia de que tudo quanto o arguido António Mexia sabe, faz ou diz é imputável ao arguido João Manso Neto, e vice-versa”, vendo-os “quase como uma única e a mesma pessoa” e ignorando que todos os acionistas em assembleia-geral “aprovaram as contas, votos de confiança e louvor no Conselho Administração Executivo e em cada um dos seus membros”, mesmo depois de conhecidas as suspeitas do Mininistério Público. “Tudo gente acéfala! Tudo gente sem moralidade!”, provoca a defesa, acrescentando que “nada disto interessa a este Ministério Público, numa realidade por ele criada, em que apenas ele (este MP) é virtuoso e tudo se passa como se apenas António Mexia e João Manso Neto reunissem e decidissem, tudo se passa como, para além destes, apenas existissem homens e mulheres de palha, tudo meros fantoches!”
Inquérito começou há oito anos
Ao longo de 177 páginas, Mexia e Manso Neto refutam haver qualquer razão para não se manterem apenas com Termo de Identidade e Residência, tendo em conta que a investigação começou em 2012 e ambos foram constituídos arguidos em junho de 2017, sem que ficasse evidenciado qualquer perigo de fuga ou de destruição da prova ao longo dos últimos três anos.
Em relação à proibição de se ausentar do país para o estrangeiro e entrega de passaporte, para evitar contactos com Manuel Pinho, a defesa argumenta que a medida “não pode ser atendida, atenta a sua manifesta ilegalidade e desproporcionalidade”. Alega que as deslocações de Mexia e Manso Neto ao estrangeiro nos últimos três anos foram comunicadas ao Ministério Público, que nunca “deixaram de se mostrar disponíveis para comparecer perante as autoridades judiciárias se notificados para o efeito” e que nunca deixarão de cumprir com as suas obrigações legais. Sustenta ainda que os arguidos demonstraram mesmo, pela “postura processual” desde há três anos, “a sua falta de vontade de se pôr em fuga”.
Sobre a proibição de contactos com arguidos (Mexia e Manso Neto entre si e destes com João Conceição, Ricardo Salgado e Manuel Pinho) e testemunhas do processo para que estes possam prestar declarações “sem se sentirem pressionados”, a defesa argumenta que a medida não pode ser aplicada pois não existem “fortes indícios da prática de crime doloso” e que o MP apenas lança “suspeitas” sem demonstrar “intervenção inquinante sobre as fontes de prova” e não demonstra a necessidade da medida que considera “injustificada, desproporcional e, por conseguinte, ilegal da sua liberdade (…) e do seu direito ao desenvolvimento da sua personalidade”.
A defesa assegura ainda que António Mexia e Manso Neto não têm “qualquer relação próxima ou hábito de contacto / comunicação” com João Conceição, Ricardo Salgado e Manuel Pinho, pelo que a medida de coação é “absolutamente inócua”. E acrescenta ainda outro ponto: o facto de o contacto com algumas das pessoas abrangidas pela proibição poder “ser essencial no âmbito do normal e exigível exercício das funções que os arguidos António Mexia e João Manso Neto desempenham no Grupo EDP (funções essas que sempre continuarão a ser exercidas pelos Arguidos por não lhes poder ser aplicável a medida de proibição do exercício de funções proposta (…)”, beliscando o seu direito ao “trabalho e desenvolvimento profissional”.
Quanto à proibição de entrada em todos os edifícios da EDP, para evitar destruição de documentos e “atemorizar” testemunhas, a defesa refere ser desproporcional e excessiva e também argumenta não haver “fortes indícios da prática de crime doloso” que sustente a medida. Além disso, refere que o perigo de pressão das testemunhas, a existir, já se teria verificado nos últimos três anos de existência do processo. “O Ministério Público pretende restringir a liberdade de circulação (e não só) de duas pessoas, presumidas inocentes, apelando à conservação de documentos desconhecidos cujo interesse para a investigação é futuro e eventual (!!!),” lê-se ainda no documento.
Finalmente, sobre a caução, a defesa diz que “não se verifica qualquer circunstância que legitime a existência de qualquer perigo de fuga em relação aos arguidos”. Uma vez mais, a medida é apelidada de “desnecessária, inadequada e excessiva” e o MP é acusado de não explicar por que razão é a caução o meio escolhido para “tutelar o invocado perigo de perturbação do inquérito”. E conclui: “Achar que os Arguidos têm pelo menos três milhões de euros para, quase do dia para a noite, os entregarem cautelarmente à ordem destes autos, sem sequer cuidar de aquilatar, pelo menos, as suas despesas correntes, as suas despesas com impostos (…) e, bem assim, o respetivo património é, com franqueza, impressionante – não pela positiva, claro está.”