Portugal é um país cada vez mais envelhecido, que não assegura a substituição de gerações desde 1982. Tem a quarta taxa de natalidade mais baixa da União Europeia e, ao contrário da tendência de subida nos outros países, mantém-se em perda. A este ritmo, em 2060 teremos menos 4 milhões de habitantes, e haverá uma criança por cada 464 idosos.
Nos anos 60 e 70, a estrutura familiar da classe média em Portugal era de um casal com dois filhos, e hoje ainda subsiste vivo esse desejo, mas estamos a transformar-nos num país de filhos únicos, e muitos deles crescendo em contexto monoparental. Com o aumento da precariedade no emprego e as dificuldades em pagar uma casa, os planos de vida vão sendo adiados para mais tarde, e muitos casais têm apenas um filho (ou nenhum).
Só 8% dos adultos dizem não querer qualquer filho, a maioria dos portugueses gostaria de ter dois
É frequente associar-se o adiamento da maternidade e paternidade a problemas financeiros, mas as contas que os casais fazem são bem mais complexas. Em Portugal, segundo um estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos, em consequência da instabilidade social, dos elevados níveis de desemprego e da emigração, alguns casais travaram ou adiaram o nascimento dos filhos, mas a crise económica não é a razão de tudo, uma vez que o declínio da natalidade tem sido constante, atravessando também períodos de prosperidade e crescimento económico.
Se os números nos dizem que “apenas” 8% dos adultos tencionam não ter qualquer filho e se a média de descendentes por mulher cai há décadas, o problema está sobretudo no número de filhos que os portugueses têm. Como promover então a passagem de um primeiro para um segundo filho?
O tema, muitas vezes apresentado como desígnio nacional pelos vários partidos políticos, tem sido muito discutido nos últimos vinte anos, mas pouco se avançou na mudança que, mais do que necessária, é apresentada em todos os estudos como vital para o desenvolvimento do país.
A este ritmo, em 2060 Portugal terá menos 4 milhões de habitantes, e haverá uma criança por cada 464 idosos
Além das eternas promessas de conciliação da vida profissional e familiar, que ainda continuam sobretudo a existir no plano das intenções, as alterações mais consistentes foram concretizadas em matéria de licença parental, alargando o tempo pago aos progenitores, sem discriminação. Os pais portugueses provaram que queriam participar nos cuidados dos filhos recém-nascidos, e esse parece ser um caminho sem volta atrás. O mesmo não se poderá dizer de outras medidas avulso, como o cheque de 200 euros prometido por José Sócrates a cada bebé nascido em 2010, a depositar numa Conta Poupança Futuro (mas que nunca foi pago).
O que dizer, então, das medidas apresentadas no Orçamento de Estado para 2020?
A medida mais badalada foi o aumento da dedução à coleta por dependente até aos três anos, de 600 para 726 euros, sendo de 900 euros a partir do segundo filho com idade inferior a 3 anos. Tal como está redigida, indica que será necessário que os dois filhos tenham menos de 3 anos para que o segundo filho possa dar direito à dedução de 300 euros adicionais, ao final do ano. O governo veio esta quarta-feira, 18, esclarecer que poderá ter havido um erro, prevendo-se a dedução sempre que o segundo filho tenha menos de 3 anos, independentemente da idade do irmão mais velho.
Outras medidas consideradas no Orçamento desenhado por Mário Centeno prevêem:
- A criação do complemento-creche, a partir do ano letivo 2020/2021, com um valor previsto de 60 euros, atribuído ao segundo filho que frequente uma creche privada (até aos 3 anos de idade)
- O alargamento da rede pública pré-escolar (que já está incluída no ensino obrigatório mas não tem resposta para mais de metade das crianças)
- A atribuição plena do Abono de Família para crianças entre os 4 e 6 anos (o valor é ainda desconhecido, mas no escalão 4, acima dos 36 meses, é de 19,46€)
- O gozo obrigatório de 20 dias úteis de licença parental exclusiva do pai (pagos a 100%)
- Uma licença para assistência a filhos com doença oncológica (paga a 65%)
Apesar de serem passos tímidos (quando seria necessário talvez um grande salto de fé), as alterações anunciadas vão ao encontro das medidas mais valorizadas pelas famílias, segundo um estudo realizado em 2017 pelo Observatório da Família, abrangendo 1173 homens e mulheres entre os 18 e os 59 anos, nas cidades de Lisboa, Évora, Coimbra e Faro.
Uma maior disponibilidade de creches foi a medida de incentivo à natalidade mais valorizada, o que se compreende quando a oferta existente abrange apenas 30% das necessidades, e quando no setor privado uma mensalidade supera facilmente os 300 euros mensais.
A redução ou flexibilidade do horário de trabalho nos primeiros três anos de vida da criança foi a segunda medida mais valorizada, e a terceira dizia respeito à gratuitidade dos manuais escolares (já implementada na legislatura anterior). Eram também referidos benefícios fiscais no IRS e abonos de família mais elevados, mas para 60% dos inquiridos não seria a existência de um subsídio financeiro que os levaria a ponderar ter outra criança.
De alguma forma, mantêm-se vivos os sonhos dos anos 60 e 70, quando as famílias tinham dois filhos e Simone cantava na rádio: “Quem faz um filho, fá-lo por gosto”.