No último dia da Web Summit, Maria Miguel Ferreira, diretora da Startup Portugal, falou à VISÃO sobre o crescimento do ecossistema nacional de startups no último ano. A ex-assessora do antigo secretário de Estado da Indústria, João Vasconcelos, grande impulsionador destas empresas de base tecnológica, está agora numa missão de dinamizar o empreendedorismo inovador em Portugal, através da entidade criada pelo Ministério da Economia para o efeito. Diz notar um interesse cada vez maior dos estrangeiros no nosso modo de vida e reforça a importância de programas de incentivo para captar mais investimento, como o 200M, um fundo em que o Estado português se compromete a investir numa startup o mesmo montante que o investidor trouxer.
Em que se traduziu a atividade no stand da Startup Portugal nestes três dias de Web Summit?
Além da agenda intensa, com iniciativas do Estado e das startups a serem aqui anunciadas, funcionou como uma sala de estar da comunidade e uma espécie de montra de alguns dos sucessos e avanços das startups portuguesas.
Por exemplo.
Ainda há minutos esteve cá a Beeverycreative, uma startup portuguesa que faz impressões 3D, a anunciar uma parceria com a Agência Espacial Europeia para lançar uma impressora 3D que imprime em gravidade zero. Uma solução particularmente interessante quando temos uma avaria no equipamento no espaço. Estiveram cá os ministros da Justiça e da Economia a anunciar um período de exceção de isenção das taxas de registo de patentes, ou marcas, ou design, para as startups portuguesas. O ministro da Economia anunciou o Startup Visa, um novo visto para empreendedores estrangeiros ou talentos que venham trabalhar para Portugal. O CeiiA [Centro de Excelência para a Inovação da Indústria Automóvel, em Matosinhos] e a Startup Portugal anunciaram em parceira o lançamento de uma aceleradora para o setor da mobilidade, que abriu agora inscrições para startups de todo o mundo. Uma startup da Nova Zelândia que quer crescer na Europa e nos Estados Unidos, e tem em Lisboa a sua base de operações para estes mercados, anunciou hoje uma parceria com a Altice.
Cabe à Startup Portugal fazer a ponte entre as startups e as várias entidades que podem influenciar o sucesso delas. Como está a correr essa estratégia?
Gostaria de destacar a colaboração, nunca antes vista, de entidades públicas e privadas portuguesas, que trabalharam com a Startup Portugal nas últimas semanas, com o apoio do Ministério da Economia, para promovermos Portugal através de uma mensagem comum. A nossa vantagem é que usamos as mesmas ferramentas e falamos a língua deles, o que será igualmente útil nos 25 eventos em que iremos participar no estrangeiro, em 2018. Aqui foi também lançada uma plataforma online, chamada Sign up for Portugal, onde as pessoas se podem registar e solicitar informação, sejam investidores, startups que queiram mudar-se para cá ou grandes empresas que estão a pensar em criar unidades no nosso país. A ideia é a plataforma tornar-se um gestor de oportunidades comerciais. Há startups nos Estados Unidos ou na Ásia que ponderam entrar na Europa e Lisboa pode ser a sua base.
O que as atrai?
São os tais motivos que usamos para promover Lisboa. O talento, a qualidade de vida, o sol, a abertura cultural, o nível do inglês, a segurança, a proximidade de um centro financeiro como Londres. E não são só startups, também estamos a falar de grandes empresas. Por exemplo, há 3 meses a Mercedes anunciou a criação de um hub digital em Lisboa. Há muito que se percebeu a qualidade das nossas universidades e a capacidade de trabalho das pessoas. Na área de Engenharia, somos comparados com algumas das melhores universidades. Em Gestão, temos duas universidades, a Católica e a Nova, entre as 25 melhores da Europa, segundo o ranking doi Financial Times.
Nota diferenças do ano passado para este?
Muitas. A primeira Web Summit mostrou Portugal ao mundo. É incrível a quantidade de investidores estrangeiros que vieram viver para cá e observam, a partir daqui, não só o que se passa em Portugal mas noutros centros de atividade económica da Europa. O mesmo acontece com fundadores de startups e os grandes grupos económicos, que estão a olhar para Portugal, sobretudo na área do digital, e a pensar em sediar aqui as suas operações.
Pode partilhar um caso de uma dessas startups que se mudaram para Portugal?
Há um prédio em Alvalade cheio de escandinavos. Um investidor sueco esteve cá no ano passado e percebeu que estes trabalhadores jovens e sofisticados, com a mente aberta, se calhar não se importavam de vir trabalhar para Portugal. E mudou cinco startups para Lisboa. Naturalmente, nem todos vieram, mas os que vieram estão muito satisfeitos com a qualidade de vida. Já lá fui visitá-los duas vezes e é muito interessante que, além dos novos negócios que se criam, começa a ser uma aposta interessante para as startups mudarem-se para cá. Esta geração valoriza muito o estilo de vida e Lisboa oferece condições para se desfrutar. Também gosto de acreditar que os apoios que temos colocado lá fora, com vários instrumentos de incentivo a estas transferências, dão frutos.
Por estes dias alguma startup decidiu instalar-se em Portugal?
A Zalando já o anunciou e sabemos que outros se vão seguir, inclusive uma grande multinacional da área digital, mas não podemos ser nós a revelar o nome. Não são decisões que se tomem de um dia para o outro, são processos que demoram meses a fechar. Mas tivemos aqui muitas startups a manifestar interesse, a pedir informações, e já não é só para o continente. Uma senhora de Zurique, que tem um negócio na área do marketing, vai mudá-lo para a Madeira daqui a três meses e um senhor, também belga, quer ir para São Miguel abrir um negócio de impressoras 3D para linhas de montagem de fábricas. Apesar de não falar português, contou-nos que o pai era natural dos Açores. A senhora de Zurique veio aqui perguntar sobre a carga fiscal, as pessoas que deve contactar. O nosso papel também é fazer esse encaminhamento.
Qual a importância da iniciativa 200M, o fundo com participação do Estado?
É talvez a ferramenta mais interessante neste esforço de atração de investimento estrangeiro. É um fundo público de 200 milhões de euros, em que o Estado investe um valor igual ao do investidor, o que baixa o risco do investimento. É completamente inovador porque elimina o problema que leva startups portuguesas a saírem do país depois de angariarem um ou dois milhões em rondas de investimento. Até agora, a carga burocrática para um estrangeiro poder investir cá era tremenda. Os investidores não querem estar a abrir uma entidade jurídica em Portugal, a aprender a lei portuguesa ou a navegar o sistema fiscal português. Este fundo desobriga-os de registar uma entidade veículo ou uma sociedade de capital de risco em Portugal. Poderão investir sendo uma entidade na Ásia, nos Estados Unidos, em qualquer lado. Outra vantagem é que, existindo interesse do investidor, o Estado facilita a operação de compra da sua parte, cobrando apenas um juro baixo. Portugal não quer ganhar dinheiro com isto, só quer não perder.
O objetivo é fixar as empresas em Portugal?
É esse e também trazer empresas de fora para cá, como o exemplo que dei dos escandinavos. O nosso ecossistema ainda é jovem, comparado com Londres ou Berlim. Não temos assim tantas startups já numa fase de maturidade que justifique os investidores estrangeiros virem a correr para cá. Portanto, é também uma forma de empresas estrangeiras se deslocarem para cá. A mensagem é: venham investir e o Estado investe convosco.
Quais os critérios de aceitação de um investidor?
Tem de ter um historial de investimento demonstrado, experiência no setor onde se propõe investir e estar a gerir outros ativos. Não pode ser alguém que aparece de repente não se sabe de onde.