Alvitrou então, que por volta de 2016 a China ultrapassaria o Japão e 2041 seria o ano dos Estados Unidos deixarem de ter a supremacia na economia mundial – O’Neil reconhecia contudo que o elevado risco do modelo político da China poderia levar tudo a perder. A profecia não esperou por 2016, e no ano que agora terminou, o Japão cedeu à China o segundo lugar na economia mundial. No país dos mil e trezentos milhões de habitantes os números hipnotizam: nos três primeiros trimestres de 2010, o crescimento económico foi respectivamente: 11,9%, 10,3% e 9,6%, e a oferta pública inicial, lançada em Junho pelo Banco da Agricultura da China, foi a maior de sempre, arrecadando o banco perto de 22 biliões de dólares.
A China, a grande potência emergente que tomou a dianteira do crescimento é apontada por muitos (os números fazem sentir que estão certos) como o próximo farol do mundo. A história porém ensina-nos que as previsões valem o que valem. Em finais do século XIX, a Argentina era apontada pela elite económica como a próxima potência mundial até 1920. Nos anos 50 era a vez da economia soviética, que na altura crescia oficialmente três vezes mais que os Estados Unidos, a tornar-se na força económica dominante até meados de 70. Em finais de 70, a visão convencional era que a Alemanha dominaria a nível mundial e na década de 80 era a vez do Japão, com o seu impressionante poderio industrial, governar o mundo.
A conclusão é simples: a história não está do lado de ninguém e depende apenas do que se faz (ou do que não se faz). Um erro político pode ser fatal mas a tendência para olhar a situação económica e a situação política de um país, como se apenas partilhassem ligações muitíssimo fluidas, constituiu uma forma de ver as coisas que normalmente conduziu ao erro, e frustrou as previsões dos melhores analistas. Estranhamente, e apesar de se manter o país com o maior crescimento mundial, o Índice Composto da bolsa de Xangai caiu 16 por cento, sendo o que teve a pior performance entre os 14 maiores índices mundiais em 2010.
Será que por detrás desta economia florescente a queda da bolsa de Xangai é um sinal dos problemas graves que os líderes da China terão em breve de enfrentar? Na China, os preços dos imóveis continuam a disparar nas grandes cidades, e à medida que as exportações aumentam e a economia se expande os preços dos terrenos valorizam-se fortemente. Cientes dos danos que o estouro de uma bolha pode causar, e visto que nenhuma bolha, potencialmente destrutiva, pode começar sem o financiamento por parte das instituições financeiras, o governo está a tentar contê-la, e aumentou por seis vezes, em 2010, o rácio das reservas dos bancos de forma a retirar liquidez ao mercado. Contudo a massa monetária em relação ao Produto Interno Bruto é um bom indicador da pressão exercida sobre os preços gerais, e na China a dimensão da massa monetária é explosiva. Com uma inflação que nos últimos meses subiu de 4,4% em Outubro para 5,1% em Novembro, o governo chinês está ciente que o aumento dos preços, sobretudo na alimentação, tem efeitos devastadores o que o levou a subir por duas vezes em 2010, num total de 50 pontos base, as taxas de juro dos depósitos e empréstimos – a última no dia de Natal.
A questão que se deve então colocar é se estas medidas são suficientes para evitar o colapso. O artigo publicado no dia 23 de Dezembro no “China Daily” por Yu Yondding, um antigo colaborador do Banco Central Chinês, é elucidativo: “China’s growth pattern has now almost exhausted its potential. So China has reached a crucial juncture: without painful structural adjustments the momentum of its economic growth could suddenly be lost”. Para Yu a falta de inovação e criatividade é o calcanhar de Aquiles da China e lamenta o inefi ciente uso do capital: “some local governments are literally digging holes and then fi lling them in to ratchet up the GDP, consequently, there are simply too many luxurious condominiums, magnifi cent government Offi ce buildings and soaring skyscrapers”. Quando o consumo se transforma numa ilusão de riqueza é certo estar-se perante uma situação catastrófica. Manter o crescimento económico acima dos 8% de forma a evitar uma perigosa agitação política que poderia fazer ruir todo o sistema, mesmo que isso implique perda de investimento produtivo, é a principal preocupação de Hu Jintao.
Sem o carisma e os feitos de Deng Xiaoping que lhe permitiam decidir mover as taxas de câmbio ou juro numa dada direcção de forma corajosa, a nova liderança, no seu último ano de mandato, evitará ao máximo políticas arriscadas e arrastará até poder a questão da revalorização do renminbi e a subida agressiva das taxas de juro no combate à inflação. Como lembra um artigo no “Financial Times”: “Food prices rose, a reminder of how a burst of inflation preceded the street protests around Tiananmen Square in 1989”. A questão que fica por responder é se a actual liderança chinesa será forçada a enfrentar, ainda em 2011, a escolha desagradável: ou proteger as empresas internas e estatais e consequentemente o emprego ou combater o efeito político e socialmente desestabilizador de uma inflação elevada. Será a China o próximo farol do mundo? Tudo dependerá dos políticos.