Iniciada na política pela mão de Kohl, a sra. Merkel parece ter esquecido o que ele afirmava repetidamente, que era obrigação de um grande estadista não ceder ao populismo, mas antes conduzir o país na direcção certa. No início deste ano, com a Grécia a ameaçar entrar em default, a sra.Merkel, preocupada com as eleições no estado da Renânia, arrastou as negociações para um auxílio colectivo, que acabou bastante mais penalizador para todos.
Centro do foco de todas as preocupações, os países com elevados desequilíbrios financeiros, os chamados PIGS, onde Portugal se inclui, são agora culpabilizados, e com razão, pela irresponsabilidade dos endividamentos excessivos e pela situação precária em que se encontram. Infelizmente, só agora todos concordam que é urgente pôr a casa em ordem – a Alemanha do rigor e da disciplina, o “motor da economia europeia”, o exemplo a seguir. Nos últimos dias a imprensa tem destacado a possibilidade de Portugal ter de sair do euro.
Com uma moeda desvalorizada não só se evaporam as poupanças como a dívida ao exterior aumenta. Sem poupanças e financiamento externo, nem o crescimento das exportações evitariam a bancarrota. Uma co-responsabilização entre devedores e credores é a solução a adoptar, mas para isso é necessário desmistificar o rigor alemão.
Ainda o euro era moeda virtual (só em Janeiro de 2002 é que passou a ser moeda corrente nos bolsos de 300 milhões de europeus) a Alemanha, “o motor da Europa”, passava pela pior recessão desde a Segunda Guerra Mundial. Em 2000, de acordo com a Deutsche Börse AG, o Neuer Mark, o índice das novas tecnologias, contava com mais de 300 empresas e tinha angariado um total de 23,5 mil milhões de euros. Os responsáveis cidadãos alemães acorreram em massa nessa aventura especulativa, que foram as empresas dot.com, que uma vez cotadas em bolsa os preços subiam parecendo não ter limites. Quando a bolha estourou (em Setembro de 2002) o Neuer Mark fechava, depois de perder praticamente todo o seu valor – o sector empresarial alemão sofreu uma perda acentuada nos seus activos. O país, com um dos maiores excedentes comerciais do mundo era empurrado para uma recessão, obrigando as empresas, que subitamente se viam com uma dívida excessiva, não só a reembolsa-la como a pouparem e a cortarem nos salários para se manterem competitivas. Numa Eurolândia, inundada em liquidez pelo crédito fácil, as exportações cediam às importações alemãs. O euro iniciava com o “motor da Europa” avariado e o então famoso e pouco querido PEC foi sucessivamente adiado. À Alemanha foi permitido apresentar saldos negativos superiores às regras do PEC nas suas contas públicas, entre 2003 e 2006. O rigor e a disciplina eram esquecidos e em Frankfurt, o BCE respondia ao abrandamento económico da Alemanha baixando as taxas de juro para um mínimo histórico. Os investidores, os bancos alemães, com elevadas poupanças que não conseguiam canalizar para o sector empresarial demasiado endividado, não se mostraram preocupados com as dívidas e os défices excessivos dos países a quem emprestavam (chega a ser surpreendente o quão pouco variavam as taxas de juro sobre a dívida pública nos diferentes países da União) o que permitiu aos países “periféricos”, na sua sede de crédito, a endividarem-se ainda mais. Um dos problemas mais graves e mais prementes do nosso tempo é o desemprego em larga escala, tal como o foi na frágil República de Weimar. Para evitar uma espiral recessiva na Europa não se pode só exigir sanções e sacrifícios aos países incumpridores, é necessário que a sra.Merkel não ceda ao populismo e conduza o país a estimular a procura interna.
A 9 de Novembro de 1918, a República de Weimar nascia ensombrada com as elevadas indemnizações que os aliados impunham aos alemães. Que alternativa tinha a delegação alemã que em Abril de 1919 era obrigada a assinar e não a negociar o penoso Tratado de Versalhes? Hitler não precisou de destruir a democracia; bastou-lhe instalar-se nas suas ruínas.
É bom que a Alemanha da Sra. Merkel não esqueça a história…