Estávamos em finais de 2007 quando Joaquim de Almeida, actor e sócio-fundador da Algarve Film Comission (AFC), Manuel da Luz, presidente da Câmara Municipal de Portimão, e quase todo o executivo da autarquia se reuniram. O objectivo era transformar o Algarve, mais propriamente Portimão, numa cidade cinematográfica, capaz de atrair produções internacionais. “Foi o Joaquim que lançou a ideias Se Portimão teria terrenos, se teria interesse, uma vez que era uma cidade com tantos eventos e tanta ânsia de se projectar internacionalmente”, conta Paulo Pereira, presidente da AFC.
Pensar cinema para o Algarve não é de agora, mas o Picture Portugal “é um projecto recente”, diz Manuel da Luz.
É uma “espécie de casamento” entre três entidades: a AFC, a câmara (através da empresa municipal Portimão Turis, presidida por Luís Carito, vice-presidente da autarquia) e um privado (Bartholomeu Digital Cinema, do produtor Artur Curado). “A ideia do cinema como uma hipótese para Portugal surgiu a meio deste mandato, quando soubemos, através do ex-presidente da Região de Turismo do Algarve (RTA), António Pina, que havia estrangeiros, nomeadamente americanos, ligados à produção e realização, que andavam à procura de alternativas, no nosso país, para produzir filmes”, prossegue. Por isso, na altura, Manuel da Luz mostrou-se receptivo e deu luz verde para -se avançar. Começaram a fazer-se estudos e, a pouco e pouco, a ambição tornou-se maior, “construiu-se o autódromo, que nos deixou com uma boa imagem, e iniciámos os contactos internacionais”, revela Joaquim de Almeida.
O município de Portimão, em conjunto com os consultores que estão a trabalhar no projecto, elaboraram um dossiê que foi apresentado a grandes empresas mundiais do audiovisual, como a Universal Studios e a CBS Paramount, pois o objectivo era ter “um investidor de referência”, afirma Paulo Pereira.
Portugal é capaz
Joaquim de Almeida não aceita as críticas de que este é um projecto megalómano para Portugal: “Não podemos pensar que somos pequeninos, porque há países muito mais pequenos, como a Holanda ou a Bélgica, com uma economia muito mais avançada e com um nível de vida muito superior. Eu acho que a ideia é sonhar e pensar que se pode fazer e, para se poder fazer, é preciso sonhar primeiro que se pode fazer.” Por isso, o papel da AFC é tão importante o seu objectivo consiste em promover o Algarve como local de rodagem de produções de cinema e audiovisuais, nacionais e internacionais.
“Fizemos alguns relatórios iniciais que tipo de estúdios existem, o que é que se pode fazer, etc. , e, a partir daí, a câmara, através da Portimão Turis, agarrou a ideia. Digamos que nós demos o impulso inicial e agora estamos a acompanhar a iniciativa como consultores”, ressalva Paulo Pereira.
Além de um complexo de estúdios de cinema, pensa-se também num parque temático para ocupar os cerca de cem hectares de terreno a serem disponibilizados para este projecto, num local próximo da cidade, junto do Parque de Exposições Portimão Arena. Para tal, “têm-se feito contactos nos Estados Unidos. Com a Universal Studios, para o parque temático, com a CBS Paramount, para produções que possam vir a ser efectuadas em Portugal e com outros produtores, para a eventual rodagem de um filme no autódromo”, justifica o actor.
Ter Joaquim de Almeida como um dos rostos mais mediáticos do projecto é uma mais-valia que o presidente da autarquia considera fundamental, pois “as produções cinematográficas de marca norte- -americana ou inglesa têm de incluir nomes grandes. E nós, o único rosto internacional de cinema que temos é Joaquim de Almeida. Dá credibilidade, projecção internacional e atrai investimento”. E são estas mesmas três razões que Manuel da Luz aponta para que projectos assim se realizem.
Filmagens em Setembro
Quanto às onze produções cinematográficas garantidas, já há números, em termos de orçamento. “Se se realizarem as onze, há uma estimativa de 90 milhões de euros. Mas certo, certo é o começo, em Setembro, da rodagem de um primeiro filme, Femina, em que entra a actriz Sophia Loren como protagonista. E há ainda outro filme previsto, em princípio intitulado Mendes, inspirado na vida do cônsul Aristides de Sousa Mendes (ambos com realização de Matt Cimber, um dos consultores do Picture Portugal). Esta previsão de onze filmes, incluindo estes dois, está a ser estudada a um bom ritmo, está bem encaminhada.” Já se falou de muitos números para erguer esta espécie de Hollywood a sul, mas Manuel da Luz é peremptório: “Não há valores definidos, há montantes que saltaram uma vez, que se modificaram, que saltaram outra vez. Fala-se em milhões, em dezenas de milhões. Neste momento, estamos a estudar projectos, a aplicação do conceito e ainda não chegámos a essa fase da avaliação económico-financeira. Não vale a pena avançar com quantias porque não têm a ver com a realidade.” Entretanto, na região, refere-se um montante de cerca de 200 milhões de euros…
O Algarve tem tudo
A pergunta que se coloca é: porquê o Algarve? Paulo Pereira explica: “É uma região de referência de Portugal, talvez das mais conhecidas no estrangeiro.
Possui óptimas acessibilidades, diversidade de paisagens, património e, não tendo nada, tem tudo. Está a cerca de três horas de Lisboa e a duas de Sevilha, cidades onde se podem adquirir os equipamentos necessários.” Para José Manuel Trigo, empresário e sócio-fundador da recém-criada ADSA (Associação de Discotecas do Sul e Algarve), o Algarve é uma região muito específica, com infra-estruturas capazes de garantir este projecto sem novos investimentos (estradas, aeroportos, etc.). “Se tivessem de construir um Hollywood em Elvas tinham de abrir um novo aeroporto, dez hotéis, campos de golfe, estradas”, argumenta.
Numa altura de crise económica, em que a confiança dos investidores não é grande, um projecto como este Hollywood algarvio constitui um aliciante desafio. “Tudo o que promova a imagem do Algarve, como o autódromo, o Paris- -Dakar, é bem-vindo. Principalmente fora da estação alta, para quebrar a sazonalidade. É precisamente em alturas de crise que se deve apostar em empreendimentos estruturantes, através de investimentos mistos (nacionais e internacionais)”, acrescenta o empresário. Elidérico Viegas, presidente da AHETA (Associação dos Hotéis e Empreendimentos Turísticos do Algarve), diz-se satisfeito com este projecto: “Trata-se da concretização de uma ideia que, de alguma forma, muita gente teve, inclusive eu próprio. Era uma pena o Algarve não aproveitar as valências importantes que possui, em matéria climatérica e de luminosidade, reconhecidas, aliás, por gente ligada ao cinema.” Manuel da Luz lembra que “o cinema e a produção cinematográfica não têm apenas a ver com o exterior, com as horas de sol. Requerem muito trabalho de estúdio, de laboratório e se nós construirmos aqui essas infra-estruturas, com tecnologia de ponta, pode trabalhar-se durante todo o ano. É o reforço do combate à sazonalidade”. Sem previsões ainda para o início das obras, Manuel da Luz espera que este projecto “se solidifique e que seja lançado de maneira consolidada, ao longo dos próximos quatro anos”, no seu último mandato de presidente de câmara.
À indústria cinematográfica portuguesa, Joaquim de Almeida acredita que o Picture Portugal pode trazer sobretudo emprego. “É por isso que se têm feito cursos de formação no Algarve, destinados a preparar técnicos locais.” Será esta a lufada de ar fresco de que o cinema português precisa para se expandir internacionalmente? O tempo o dirá.
Fazer cinema com benefícios fiscais
Para que um projecto da envergadura do Hollywood algarvio possa ter pernas para andar, têm de existir em Portugal benefícios fiscais para o audiovisual e para o cinema, como noutros países. De acordo com Paulo Pereira, presidente da Algarve Film Comission (AFC), esta empresa e a Câmara de Portimão entregaram, recentemente, ao Ministério das Finanças, uma proposta nesse sentido. “O Estado devia incentivar mais o cinema e o audiovisual, não dando subsídios mas, sim, benefícios fiscais. Os benefícios fiscais só se materializam quando as empresas investem e facturam muito; não é um crédito fiscal.” Segundo dados da AFC, as ajudas do Estado à produção de cinema, em Portugal, entre 2001 e 2005, ascenderam a cerca de 1,3 euros por habitante, muito abaixo da média da União Europeia (5 euros).
O objectivo, a médio prazo, é estimular o desenvolvimento de “estúdios e empresas de serviços à produção, dando assim origem a novas oportunidades de trabalho e de emprego qualificado/criativo”
Novo festival para Portimão
“Criar um novo festival de cinema foi outra ideia que tivemos”, conta Joaquim de Almeida, que está a participar num filme, na Roménia. Será um festival com 5 dias e 5 noites, a começar no dia mais longo do ano, de 21 para 22 de Junho. “Queremos um festival dedicado à luz, com prémios para os directores de fotografia, um festival para jovens realizadores, pois não há nada disto na Europa.” A ideia é passar um filme por volta das 22 e 30, “quando a noite começa”, e outro às 2 e 30, em ecrãs gigantes, na praia. Durante o dia, os filmes serão exibidos nas salas de cinema.
“Embora não disponha de muito tempo, desejo empenhar-me nesta iniciativa. Haverá uma pessoa que escolherá os filmes, mas a decisão final será minha.”
O objectivo é realizar o primeiro festival já em 2011, não em Portimão mas em redor da cidade – no Alvor, Praia da Rocha… “Pretendemos que seja um festival internacional de bom nível. É caro, mas atrai muito dinheiro para a região, atrai turismo”, diz o actor.