Depois dos jogos do Japão, os funcionários encarregados de limpar o balneário da seleção nipónica podem convidar para jogar às cartas os funcionários encarregados de limpar as bancadas onde se sentam os respetivos adeptos. Ou podem nem comparecer no estádio e meter folga. Isto porque tanto os jogadores como os apoiantes japoneses têm por hábito deixar ambos os locais conforme os encontraram ou ainda mais limpos, no que constitui um caso verdadeiramente único entre as 32 seleções presentes no Mundial de futebol do Qatar.
Esta exceção, porém, é tudo menos extraordinária para os japoneses, como indicam as explicações que têm dado sobre o exemplar comportamento. Uma simples palavra justifica a ação que impressiona o resto do mundo: “Atarimae”. Nada mais do que “atarimae”. E o que significa, então, “atarimae”, em japonês? Nada de especial. Significa “é óbvio”, “normal”, como se alguma vez pudessem sequer imaginar abandonar o balneário ou as bancadas sujos ou desarrumados depois de lá terem estado.
“Para os japoneses, isto é apenas normal”, diz o selecionador Hajime Moriyasu. Se é assim que fazem no Japão, seja na escola, no local de trabalho ou em espaços públicos, na rua, por que razão haveria de ser diferente fora do país? “Quando saímos de um lugar, temos de o deixar mais limpo do que o encontrámos. É esta a educação que temos, é o básico da nossa cultura. Para nós, não é nada de especial”, acrescenta o treinador.
Antes dos jogos, a federação japonesa distribui oito mil sacos azuis pelos adeptos, de forma a facilitar-lhes os trabalhos de limpeza assim que o árbitro apita para o final. Quer na vitória surpresa frente à Alemanha (2-1) quer na derrota perante a Costa Rica (0-1), no fim recolheram todo o lixo das bancadas. Enquanto a bola rola, aproveitam os sacos em coreografias de apoio à equipa.
Desde criança que os japoneses aprendem a ser responsáveis pelo próprio lixo. Na maioria dos casos, levam-no para casa. São raros os caixotes nas ruas. Em todos os mundiais de futebol, eles são notícia por praticarem este velho hábito cultural. Já foi assim no Mundial de 1998, em França, na estreia do Japão entre a elite do desporto-rei. Na comunicação social nacional, o assunto nem uma palavra merece. Afinal, tudo isto é… “atarimae”.