É o rosto principal da canoagem portuguesa e um dos porta-bandeiras da comitiva nacional em Paris. Não promete medalhas, mas dá a garantia de que vai dar tudo para poder subir, pela terceira vez, ao pódio nos Jogos Olímpicos.
Qual é o primeiro objetivo para os Jogos Olímpicos de Paris 2024?
Conseguir chegar na minha melhor forma física e mental. O nível competitivo está muito alto na canoagem, e vou precisar de estar muito concentrado e focado. Só depois de garantir um lugar na final é que poderei começar a sonhar com algo maior.
E na final, qual é o objetivo?
Tentar dar um grande espetáculo, honrar Portugal e os portugueses. Não prometo medalhas, porque quem mais promete mais falha.
Está focado em tentar fazer história ou ansioso por fazer história?
Focado, só. Com a minha idade já não me é permitido ter ansiedade [risos].
É a sua quarta participação em Jogos Olímpicos. O que mudou no Fernando Pimenta de 2012 para o de 2024?
Mudou pouca coisa, apenas acrescentei experiência. Os altos e baixos ajudaram-me a aprender e a ter consciência de que, mesmo estando na minha melhor forma, como acontecia nos Jogos do Rio 2016, há sempre fatores externos que podem estragar a nossa prova.
Atualmente há mais competição? Quais são os principais adversários?
São bastantes. Há, pelo menos, dois húngaros, dois alemães, um checo, um australiano e um bielorrusso, que vai competir sob bandeira neutra, e ainda um espanhol e um argentino, que têm estado a treinar connosco. O nível competitivo será mesmo muito alto. E na canoagem, num dia bom, qualquer atleta que chegue à final pode lutar pelo título. Espero ser um deles.
Nos primeiros Jogos Olímpicos era um miúdo, agora é um veterano. Sente isso como uma vantagem ou uma desvantagem?
Nem uma coisa nem outra. Nos primeiros Jogos, era um miúdo, mas tinha o Emanuel Silva na embarcação comigo, com muita experiência. Quando somos mais novos, somos um bocadinho mais atrevidos, depois, com a experiência, acabamos por aprender a gerir o nosso esforço e as nossas expectativas.
Já é dos mais velhos em competição?
Há um francês com mais de 40 anos. Depois dele, sou o mais velhinho.
A experiência dá vantagem?
Sim, muito embora os atletas novos, dos países desportivamente importantes, têm sempre quem lhes forneça as ferramentas necessárias para não tremerem no momento da prova. Os alemães, por exemplo, são muito frios na hora de competir.
Ao longo destes anos, o treino evoluiu ou mantém-se igual?
A experiência obriga-nos a melhorar alguns aspetos, a fazer algumas adaptações, mas a essência mantém-se igual.
Não há truques.
Não há magia. É só trabalho.
E também se treina a força mental?
Sim. Desde os Jogos de Tóquio que comecei a trabalhar com uma psicóloga, a tempo inteiro. Ela tem-me ajudado bastante, tantos nos bons como maus momentos. Ajuda-me a tentar encontrar os pontos positivos e não só a olhar para o copo meio vazio.
Numa final, a força mental é mais importante do que a força física?
São as duas muito importantes, mas ter uma boa dose de força mental é decisivo, é meio caminho andado para o êxito. Todos os atletas que chegam a uma final dos Jogos Olímpicos têm de estar no seu máximo em termos físicos, mas depois o que faz a diferença é a cabeça.
O que a experiência de um atleta olímpico pode ensinar, nesse campo, à sociedade?
Em primeiro lugar, temos de conseguir traçar objetivos a curto, médio e longo prazo. Assim, mesmo que se falhe um objetivo imediato, de curto prazo, podemos começar, logo no dia seguinte, a trabalhar e a concentrarmo-nos noutros objetivos. Caso contrário, só por termos falhado um objetivo, ficamos perdidos, sem motivação. É importante ter sempre novas metas para alcançar. Depois, precisamos de ter consciência de que temos um prazo de validade. Eu, por exemplo, até posso pensar que consigo ser campeão olímpico aos 50 anos, mas tenho de perceber que a probabilidade de isso acontecer não chega a um por cento. Portanto, temos de saber planear muito bem os objetivos em função do tempo. Normalmente, no início de cada ano, traço objetivos desportivos, profissionais e familiares. E isso ajuda-me muito.
Nesses objetivos está a meta de se tornar, em Paris, o atleta português mais medalhado de sempre em Jogos Olímpicos?
Sem dúvida que gostava de deixar essa marca, mas, mesmo que isso não aconteça, acho que toda a minha carreira já está bem recheada.
Aprende-se mais com as derrotas ou com as vitórias?
Com as duas, mas é certo que as derrotas ou os momentos menos bons nos ajudam a ser mais fortes e mais resilientes. Quando conseguimos dar a volta a um resultado pior do que aquele que ambicionámos, tornamo-nos melhores.
Tem o mesmo treinador desde sempre. Esse tipo de parceria tem sido, em tantos casos, a fórmula dos campeões.
É uma vantagem, claramente. Ter o mesmo treinador, desde sempre, deixa-me bastante confiante e animado. Já nos conhecemos muito bem e acabamos por nos complementar. Claro que também temos as nossas discórdias, até porque algumas vezes, nos momentos que não me sinto muito bem, ele é obrigado a puxar por mim, mas ele sabe sempre adaptar o plano de treino em função dos objetivos.
Qual é o segredo dessa relação?
Confiança. A confiança mútua é o mais importante entre atleta e treinador.
Uma relação deste tipo num país com mais apoio ao desporto teria sido ainda mais frutuosa?
Penso que sim. Acho que contribuiria para uma maior longevidade e até para uma produtividade um bocadinho melhor. Se calhar, incentivaria mais atletas a tentar chegar a estes patamares.
O que falta em Portugal para que isso aconteça? Mesmo na canoagem, já não se veem tantos atletas a aparecer?
O problema é que estamos dependentes dos grandes clubes. Eu tenho a sorte de estar num, o Sport Lisboa e Benfica, que me dá um grande apoio e me ajuda bastante, mas no resto não existe nada disso. São necessários mais apoios para os atletas mais novos, de qualidade. Num projeto olímpico, o máximo que conseguimos ter são sete atletas com apoio na canoagem. Isso leva a que depois os atletas de uma segunda linha, que poderiam ambicionar subir à primeira, fiquem desmoralizados e desistam. Depois, era preciso trabalhar melhor o pós-carreira, por forma a assegurar que os atletas, que são referências e ídolos, tenham um futuro minimamente assegurado.
Quer dizer que ganha muitas medalhas pelo espírito competitivo, mas também às vezes por razões financeiras?
Não, isso não, até porque os prémios em dinheiro atribuídos pelo Estado são só para as distâncias olímpicas, e, para receber o prémio, temos de ficar nos três primeiros lugares de um Mundial ou de um Europeu. O que acho é que se devia apoiar melhor não só os que ganham medalhas mas também aqueles que podem ambicioná-las.
Falta organização ao desporto português para se poder enquadrar os talentos que aparecem?
Sim. No outro dia, quando perguntei a um colega espanhol qual a razão para o sucesso do desporto em Espanha, ele deu-me uma resposta esclarecedora: basicamente, eles tinham feito um copy-paste do modelo alemão. Só tiveram de adaptar esse modelo às circunstâncias e às suas características. Nós podíamos fazer uma coisa parecida.
Duas ou três coisas que poderiam ser feitas?
Primeiro, acho que a profissão de atleta de alta competição devia ser reconhecida como de desgaste rápido. Nós acabamos as nossas carreiras completamente destruídos, tanto ao nível físico como também, às vezes, em termos psicológicos. Depois, sei que, nalguns países, os medalhados olímpicos ganham uma subvenção vitalícia, o que lhes permite encarar o futuro com tranquilidade. E estou a falar de países com dimensão semelhante à nossa. Finalmente, penso que deveriam existir incentivos fiscais para os atletas e para os clubes.
O que têm os Olímpicos de especial?
Os Olímpicos são o topo. Só o facto de se conseguir o apuramento representa já o coroar de muito trabalho. Em especial na canoagem, que é uma modalidade bastante ingrata, porque só conseguimos diretamente as primeiras vagas com boas classificações no Mundial do ano anterior.
Falhar um apuramento pode ser dramático?
Sim. Faz com que seja preciso esperar mais quatro anos por uma nova oportunidade, e em quatro anos tudo pode acontecer: podem aparecer outros atletas, podemos sofrer lesões. Na canoagem, conseguir um apuramento olímpico já é uma vitória.
Como caracteriza o ambiente nos Jogos? Há mesmo o chamado espírito olímpico?
Para mim, é competição pura e dura. Não vou aos Jogos para fazer amigos. É esse o meu pensamento. Posso fazer amigos nas semanas antes ou depois dos Jogos Olímpicos, tal como também posso visitar Paris em qualquer altura. Em Tóquio, as únicas coisas que eu conheci na Aldeia Olímpica foram o ginásio, a cantina, a avenida principal e o meu quarto. Estava lá para competir, para dar o meu melhor. Queria estar concentrado. Quando se tem um compromisso com o País, com os patrocinadores, com a família, com os amigos, com as pessoas que apostam em nós, temos de ser o mais profissionais que nos for possível. É isso que eu tento ser sempre.
Só pensa em ganhar, ganhar e ganhar…
Uma vez perguntei a um colega alemão, que tinha conquistado o bronze nos Jogos de Londres 2012, por que razão, nesse dia, não tinha comemorado a conquista da medalha olímpica, que juntava à de ouro, ganha em Pequim 2008. A resposta dele foi fria, mas esclarecedora: na Alemanha, existem muitos segundos e terceiros lugares; para nós só conta o ouro. Demorei algum tempo a processar aquilo, mas depois fui ver a lista de medalhas da Alemanha e, de facto, é mesmo impressionante. Fiquei com a frase dele para sempre gravada: a medalha de ouro é que faz a diferença.
Diverte-se a treinar?
Tem dias [risos]. É importante conseguir obter prazer no treino, mesmo quando nos estamos a forçar tanto. Se estiver a ter esse prazer, os dias seguintes, por mais duros que sejam, vão custar menos. E sabe muito bem sentir as peças a encaixar-se no treino: o barco a deslizar melhor, a navegar como eu gosto, e o corpo a responder ao que desejo.
É preciso gostar do que se faz?
Por obrigação não se consegue nada. Se treinarmos apenas por obrigação, corremos o risco de, depois de um resultado menos bom, entrarmos numa depressão e de a nossa carreira até poder acabar. Por isso é que tento desfrutar ao máximo do processo do treino e da competição. Mas, como é óbvio, eu gosto é de vencer. Já não estou no patamar em que só vou para participar.
Como foi a preparação para estes Jogos Olímpicos? Quantos dias em estágios?
Boa pergunta [risos]. Acho que, desde o início do ano, passei duas semanas em casa…
E isso custa?
Nesta fase em que tenho filhos, custa mais. No outro dia, por exemplo, a minha filha, de 3 anos, virou-se para a minha mulher e disse-lhe: “Ó mãe, porque não vais treinar e fica o pai em casa?” O mais novo, que ainda não tem um ano, não percebe, mas ela já sente muito as minhas ausências. Mas, pronto, já falta pouco para chegarmos ao grande objetivo e, depois, o resto da época será mais tranquilo.
Até quando tem objetivos de carreira, agora que já tem 34 anos?
Sou um bocado maluco nessas cenas [risos]. Sim, já tenho objetivos para a próxima época: quero ser campeão no Europeu de Maratonas, que vai decorrer em Portugal, e também tenho objetivos para os Jogos de Los Angeles 2028, se calhar voltar a integrar um barco de equipa, mas sem descurar o K1 1000 metros.
E os Jogos de Brisbane 2032, na Austrália, também não?
[Risos.] Nunca se sabe, embora ache que a Austrália poderá ser demasiado em termos mentais. E porque quero dedicar também algum tempo à minha família.
No fim, como gostaria de ser recordado pelos portugueses?
Acho que começo a sentir cada vez mais que os portugueses me veem como uma boa referência: um atleta que deu tudo por tudo pelo País e que sempre incentivou a população a praticar desporto e a promover um estilo de vida saudável, a todos os níveis.
Fernando Pimenta é visto também como o atleta que persiste sempre em querer mais…
Sim, é também isso que eu gostava de passar aos mais novos… e aos mais velhos, já agora. Acho que o mais importante é tentar sempre ultrapassar os nossos limites, os nossos próprios recordes. Se o fizermos, os resultados vão aparecer. No desporto e na vida.
Em terra firme
Da rotina de Fernando Pimenta faz parte o treino de corrida. São 10 kms diários e o atleta usa os novos Ultraboost da Adidas, concebidos para proporcionar ainda mais retorno de energia graças a uma nova construção na entressola. Depois da maior reformulação do modelo desde o seu lançamento, em 2015, os Ultraboost 5 resultam de um estudo que revelou que um em cada cinco jovens entre os 18 e os 24 anos cita os seus níveis de energia como a sua maior preocupação na corrida.