A 18 de dezembro de 1878 nascia, na localidade de Gori, na Geórgia, um rapaz a que deram o nome de Josef Vissarionovich Djughashvili. Para a História, ficaria conhecido como Estaline (Stalin, o homem de aço, em russo). Esta noite 11 + 5 outros “shvilis” mostraram a fibra necessária, ou, melhor dizendo, mais do que suficiente, para derrotarem um bando de brinca-na-areia que pensavam que ter técnica é fazer rodriguinhos (quando, na verdade, é saber colocar a bola, à distância, no sítio certo, e não na bancada mais próxima). Esta foi a mais confusa exibição da Seleção Nacional dos últimos anos. Isto, se descontarmos o “papelão” exibido na Eslovénia, com quem deveremos agora jogar, num desafio de preparação, há poucos meses, em que perdemos também 2-0 – mas esse era um jogo-treino.
O bom, o mau e o vilão
É verdade que Portugal teve o seu vilão. Os benfiquistas, que tanto apreciam o jovem central António Silva, devem estar agradecidos: depois desta exibição, Silva ficará na Luz por muitos e bons anos. Adeus Premier League. Nunca um grande jogador – e ele é um grande jogador – desvalorizou tanto em tão poucos minutos. E estamos a falar da ordem das dezenas de milhões de euros. Primeiro, um passe errado que só inexplicáveis nervos justificam e que resultou no excelente golo dos georgianos, aos três minutos. Depois, bem cedo, na segunda parte, um penálti estúpido – que, diga-se de passagem, surge de uma complicação do seu companheiro de clube, João Neves, que podia ter aliviado aquela bola. Neves, de quem muito se esperava, não jogou globalmente mal – mas, tal como o resto da companhia, também não jogou bem. E se António Silva é culpado dos golos sofridos, os seus companheiros da frente são culpados dos golos não marcados. Coletivamente, são eles o “mau”.
A Seleção entrou com um equívoco base, devido à teimosia dos três centrais – Portugal costuma jogar melhor com uma linha de quatro, clássica. Não havia lateral esquerdo: no lugar, alinhava um avançado, Pedro Neto, que várias vezes se atrapalhou com a justaposição territorial de João Félix. Este, que foi subindo de rendimento na primeira parte (tendo desaparecido na segunda), tinha a missão de vagabundear ao longo da linha da grande área adversária, basculando da esquerda para a direita e vice-versa. Bem, tirando uma grande jogada de entendimento com Francisco Conceição, na direita, e na primeira parte, a coisa não funcionou.
Conceição tentava, mas complicava, embora seja o único, aparentemente, que sabe cruzar – lá está, a técnica… Nesta altura, os adultos na sala eram João Palhinha (o bom, nesta história) e Danilo. Cristiano, muito fixo, deixou de fazer a diferença e é hoje um bom jogador, sem dúvida, titular, mas não um fora de série que resolva jogos impossíveis, como dantes. Ainda assim, os dois momentos de maior perigo, um na primeira, outro na segunda parte, sairam, respetivamente, do seu pé esquerdo e do seu pé direito (ambos deram canto).
O golo da Geórgia é um aproveitamento primoroso do aço inoxidável dos seus dois melhores jogadores, os avançados Mikautadze e Kvaratskhelia (homem do Nápoles, habituado a um campeonato exigente, tal como o enorme, em todos os sentidos, guarda-redes, Mamardashvili, que joga no Valência e, portanto, noutra liga complicada).
No entretanto, depois de vários mergulhos, concluía-se que, se Francisco Conceição se chamasse Rafael Leão, já teria levado amarelo, por simulação. Mas o bocado estava guardado para quem o havia de comer: Pedro Neto não escapou a essa admoestação – e vão três, do mesmo género, para a equipa portuguesa. Já que, nitidamente, não treinam bolas paradas, podiam treinar melhor estes “lances”…
Em suas casas, o adeptos portugueses gritavam: “ACORDEM!”. E, de facto, ao longo da primeira parte, descontando um ou outro equívoco, como a sobreposição de Dalot com Conceição – o lateral do United foi mais esclarecido quando teve de defender, dobrando um amedrontado António Silva- a Seleção lá foi indicando que, apesar de tudo, o golo podia surgir. Mas os homens do Cáucaso, sempre focados e com a vantagem, relativamente a Portugal, de saberem o que estavam a fazer, para além de extremamente dotados tecnicamente (sabiam fazer bons passes…) mantiveram a defesa nacional em sentido, mediante perigosos contra-ataques.
Entra em cena o prof. Pardal
E eis que surge a segunda parte e um Portugal que parecia transfigurado. Percebeu-se, depois, que era para pior. Palhinha estava a ser dos melhores portugueses, mas percebe-se a sua troca por Ruben Neves: Martinez queria dar mais impulso ao ataque, ter mais meia-distância e fazer distribuir a bola mais rapidamente e com mais critério. Por outro lado, perdia o único homem capaz de travar as transições georgianas. Mesmo assim, e a perder, era de arriscar. A verdade é que talvez fosse melhor ter colocado um homem ao lado de Cristiano, para libertar o nosso principal craque de marcações impiedosas. Um guarda costas dotado de músculos, mais Ramos do que Diogo Jota.
Enfiam, são opiniões. O que são factos é que as substituições seguintes confundiram ainda mais uma equipa nitidamente atarantada. Martínez quis ser o prof. Pardal, o famoso inventor. Mas revelou ser, afinal, o desastrado rival daquele herói da Disney: o Gavião! (Os mais velhos sabem do que estou a falar…). Pensava-se que a entrada de Nelson Semedo poderia restituir à equipa uma linha de quatro defesas, em vez do confuso 3-2-5 (à anos 50…) em que a equipa jogou, longos períodos, fazendo com que os atacantes portugueses se atropelassem uns aos outros, somando pernas às muitas pernas da muralha da Geórgia. Mas não senhor: Nelson Semedo foi fazer de Dalot e de Conceição. O jovem do FC do Porto passou para a esquerda (onde nunca joga…) e Dalot foi uma espécie de central adaptado. Entretanto, tinha saído Pedro Neto, que “invluíu”, no jogo, de agitador para brinca-na-areia-mor, e António Silva, que pedia a todos os santinhos para que não o obrigassem a jogar nem mais um minuto. Também sairam João Neves e um frustrado Cristiano, entrando os inoperantes Diogo Jota e Gonçalo Ramos.
E assim terminou a partida, com a Geórgia ao ataque, se descontarmos o oportunidade portuguesa falhada, no último minuto, por Jota & Ramos Lda..
Ainda por cima, também têm vinho!
A Geórgia, país cercado por populações muçulmanas por quase todos os lados, orgulha-se de se ter convertido ao cristianismo 500 anos antes dos russos. Mas nem foi preciso rezar. Tal como não foi preciso fazer anti-jogo ou dar “porrada” (quase todos os amarelos foram para Portugal, equipa muito mais faltosa, barra, nervosa). O resultado foi justíssimo.
Um prémio merecido para um país que produz dos melhores vinhos do mundo – e que, segundo descobertas recentes, o faz há cerca de 8 mil anos. Claro que não podia sair-se mal! Estaline, o homem de aço, apreciava, sobretudo, os brancos. E brindava com o excelente espumante da sua terra. Hoje, em Tiblissi, abriram-se milhares de garrafas.
Já para nós, que tínhamos daquele estádio boas recordações – a vitória do FC do Porto na Champions, em 2004, e de Portugal, duas vezes (México e Inglaterra) no mundial de 2006 –, já para nós, dizia, Gelsenkirchen nunca mais será a mesma.