Habitualmente céticos relativamente aos treinadores estrangeiros, os franceses demoraram mais de dois anos a convencer-se da real valia de Leonardo Jardim. Agora, com a equipa a liderar a Ligue 1 – à frente de um PSG recheado de estrelas – e com o melhor ataque de todos os campeonatos europeus, não faltam os deslumbrados. O L’Equipe, o principal diário desportivo francês, até quis conhecer melhor o Funchal, terra que adotou Leonardo Jardim, ainda miúdo, recém-chegado da Venezuela, onde nasceu, e os seus primeiros passos como treinador ao serviço da Associação Desportiva da Camacha.
Afinal, o próprio Leonardo também terá partilhado essa desconfiança quando chegou ao principado do Mónaco convencido de ter, finalmente, um conjunto que lhe permitia sonhar com altos voos. Porém, tudo se esfumou rapidamente nesse mesmo verão, ainda antes do início da época, quando o clube vendeu os colombianos James Rodriguez e Radamel Falcao, os dois maiores craques da equipa. Leonardo tinha acabado de deixar o Sporting ao fim de uma só época, tendo conseguido um segundo lugar e o apuramento direto para a Liga dos Campeões e, principalmente, recuperado uma equipa que na temporada anterior ficara em sétimo, a sua pior classificação da história. O que encontrava agora pela frente não era tarefa menor e, para piorar, num ambiente seguramente menos amistoso.
Num principado onde abunda a ostentação e o luxo, com uma das maiores concentrações mundiais de Ferraris, Porsches e Rolls Royce por metro quadrado, Jardim via-se de novo a contar tostões. A solução era apostar nos jovens da formação, que tão bons resultados dera em Alvalade, e aproveitar o melhor possível a experiência de alguns jogadores já no ocaso da carreira, como o português Ricardo Carvalho ou o avançado búlgaro Dimitar Berbatov. Por essa altura o técnico tinha traçado um rumo e não se iria desviar: “Uma das virtudes de um treinador é saber adaptar-se ao clube e ao momento que ele vive. É preciso adaptar a equipa à realidade e fazer o melhor possível, ser o mais ambicioso possível na medida das suas possibilidades”, afirmou então. Foi o que fez. O futebol não era entusiasmante mas a equipa conseguiu dois terceiros lugares nas duas primeiras temporadas. E ao contrário de outros Jardim nunca se refugiou em desculpas mas, ainda assim, não se livrou de muitas críticas e comentários mordazes como o de Pierre Menes, famoso jornalista desportivo francês, que não foi meigo para Leonardo. “Ele inventou uma nova tática, a tática do clorofórmio. É impossível vê-los jogar. Os adeptos morrem de tédio”.
Ninguém cuidou de perceber que, mesmo no segundo ano, em vez de contratações sonantes o clube continuava a vender os melhores. Dessa vez foram Ferreira Carrasco, Martial, Kondogbia, Abdennour e Kurzawa. Tal como na época anterior, Jardim tinha de voltar a plantar.
Mas se esses dois anos foram de pousio para adeptos e administradores do clube, a paciência de todos está agora a colher os frutos que Jardim semeou. Com os regressos de Falcao – e que regresso! -, o do também emprestado Valére Germain, e as aquisições de Benjamin Mendy, Sibidé, e o polaco Glik, tudo nomes pouco sonantes e relativamente baratos, a que se juntam jogadores jovens mas que estão a revelar um enorme presente e um ainda mais auspicioso futuro, como o português Bernardo Silva e o rapidíssimo e mortífero Kylian Mbappe, o Mónaco está agora nas bocas do mundo futebolístico.
A equipa que lidera o campeonato francês tem também o ataque mais concretizador da Europa com uma média de quase três golos por jogo e dá espetáculos que ficam na retina. Num texto recente assinado por Matt Gault para a revista These Football Times, o jornalista não poupa nos elogios. “Com uma mistura equilibrada de invenção, organização e ética de trabalho, o novo Mónaco de Jardim tomou a Europa de assalto como uma tempestade, tornando-se a mais concretizadora e implacavelmente excitante equipa do continente”.
É certo que a quebra e a desconcentração defensiva nos últimos vinte minutos frente ao Manchester City foram fatais e mancharam um pouco a exibição da equipa num dos mais emocionantes jogos desta edição da Liga dos Campeões. Ainda assim, a eliminatória está em aberto, apesar da vantagem (5-3) ao intervalo da equipa de Pep Guardiola. E a verdade é que o nome de Leonardo já surge com insistência na imprensa inglesa como possível sucessor de Arsène Wenger no Arsenal e esta semana o site italiano CalcioMercato o dava como uma forte hipótese para render Massimilliano Allegri caso este deixe a Juventus no final da temporada. Aí sim, podendo fazer um plantel à sua medida, sem se preocupar com os gastos, Jardim vai estar nas suas sete quintas.