Dizer que António Simões, antiga glória do Benfica e da seleção de 66, agitou as redes sociais não é informação de grande utilidade. Já todos percebemos que o estado normal delas, as redes, claro, é em forte e permanente agitação. Aliás, não deve haver melhor local para descarregar a bílis que um mural virtual. Mas desta vez um ‘magriço’ decidiu ‘abanar’ com força um dos heróis nacionais, o comendador Cristiano Ronaldo. António Simões não gostou das comparações entre Eusébio e CR7 e, em entrevista ao jornal i não se conteve: “Duas semanas antes tinha mandado o microfone para dentro de água e duas semanas depois era líder. Isto é mandar poeira para os olhos, é um atestado de estupidez a quem anda nisto”. E não se ficou por aqui, questionando até a jornalista: “Acha que com toda a gente no banco a ficar doida e o Cristiano Ronaldo a fazer de líder… foi por isso que ganhámos?”.
Meio século depois da excelente prestação da seleção no Mundial de Inglaterra, com um brilhante terceiro lugar, a conquista do Europeu de 2016 passou a ser o maior feito do futebol nacional a nível de seleções. E as comparações entre o herói de 66, Eusébio, e Cristiano Ronaldo, três vezes vencedor da bola de ouro e, provavelmente, a caminho do quarto título de melhor do mundo, são inevitáveis. Mas isso são outras polémicas e o que importava perceber é se o comportamento do capitão da equipa nacional na final do Euro foi de um líder ou não.
“Eu diria que numa circunstância normal, aquilo de andar aos abraços e aos empurrões ao selecionador, e a dar instruções para dentro de campo, não faria muito sentido. Os jogadores precisam de uma voz de comando e essa é do Fernando Santos”, começa por explicar Jorge Silvério. Mas, para o primeiro mestre do país em Psicologia do Desporto, área onde também é doutorado, “nestas circunstâncias, tendo em conta a lesão do Ronaldo e as questões emocionais pelo facto de ser uma final, o golo do Éder e o entusiasmo que se seguiu… enfim, tudo isso ajuda a perceber esses comportamentos que, se em termos racionais podem não fazer muito sentido, são perfeitamente compreensíveis em termos emocionais”.
Especialista em liderança e Coaching, Rui Lança concorda com a ideia mas vai até mais longe, considerando que aqueles momentos vividos no prolongamento foram um exemplo “de liderança partilhada de forma consciente” entre o selecionador e o capitão. “O Cristiano estava numa zona de desconforto, algo a que não está habituado que é fora do campo e esta foi a resposta que encontrou para ajudar”, explica.
O facto de ter sido apenas CR7 e não outros jogadores que também estavam no banco a comportar-se daquela forma é, para Rui Lança “a prova do ascendente que Ronaldo tem sobre os outros jogadores e que eles próprios lhe reconhecem”. Sobre as polémicas declarações de António Simões nenhum dos ‘especialistas’ se quis pronunciar mas Rui Lança entende que as comparações como as que o ‘magriço’ fez com o antigo capitão Mário Coluna, dizendo que este seria incapaz de semelhante atitude, são comparações legítimas mas para isso é preciso enquadrá-las também no tempo e, de há 30, 40, 50 anos para cá, muita coisa mudou e nos modelos de liderança também. O próprio Fernando Santos, que Rui Lança entrevistou diversas vezes para muitos trabalhos académicos, “foi-se adaptando às diferentes formas de liderar um grupo ao longo dos tempos. E neste caso teve a inteligência de não castrar as intervenções de Ronaldo porque percebeu que elas podiam ser importantes para o coletivo. E foram”.
Mas, emoções à parte, está o capitão da seleção nacional a dar provas de ser um líder? Jorge Silvério até foi dos que teve dúvidas quando o jogador foi escolhido, por entender que “era demasiado precoce se não houvesse alguma retaguarda, o que naquela altura não sucedia”. Mas o que acontece agora é que “ele tem vindo a moldar-se, está a perceber o papel de um capitão”. Já no que diz respeito ao estilo de liderança isso depende de cada um. Mas Jorge Silvério aponta “o momento dos penáltis frente à Polónia, em que ele soube tirar a pressão toda ao Moutinho, como um modelo. Foi um belo exemplo de liderança, de alguém que conhece o jogo e sabia que o problema de Moutinho era falta de confiança e medo de errar”.
Afinal, tirando as redes sociais, o único que foi mesmo agitado e empurrado foi Fernando Santos e a esse ninguém o ouviu queixar-se. É de líder.