“Papá, hoje vou dormir contigo?” Cristiano Ronaldo Jr., Cristianinho na intimidade, fez-se ouvir, na inocência dos seus 3 anos. Estávamos na noite de 15 de novembro passado, e Cristiano Ronaldo surpreendera os jornalistas, ao levar consigo o filho para a chamada “zona mista”, no Estádio da Luz, destinada às flash interviews. O craque tinha marcado o golo solitário da vitória portuguesa sobre a Suécia, na 1.ª mão dos play-off de acesso ao Mundial’2014, no Brasil, e, já de duche tomado e com um boné de pala virada ao contrário, falava a um repórter da RTP. A voz fina de Cristianinho ecoou, a meio da entrevista, e CR7 desmanchou-se a rir, assim como toda a gente que ali estava.
Quase dois meses depois, na última segunda-feira, 13, aconteceu o contrário, em Zurique. Ao ser anunciado como vencedor da Bola de Ouro 2013, na gala da FIFA e da revista France Football, superando os concorrentes Lionel Messi e Franck Ribéry, Cristiano Ronaldo, 28 anos, dominado pela emoção, mal conseguiu articular as primeiras palavras do discurso de agradecimento, que, por certo, tinha preparado. Mas, por momentos, pareceu ir recompor-se. Até que Cristianinho irrompeu ao seu encontro, no palco, e CR7 soçobrou, deixando correr as lágrimas que comoveram o mundo, ao mesmo tempo que colava o filho a si e o beijava. Tão diferente do Cristiano Ronaldo controlado e intangível que, em 2008, aos 23 anos, quando brilhava no Manchester United, recebeu a sua primeira Bola de Ouro.
Dias antes da gala de Zurique, em 17 de dezembro, Cristianinho brilhara pela segunda vez. Na inauguração do seu museu, no Funchal, CR7 fez questão de pegar no filho, para o ajudar a descerrar a placa comemorativa – e, perante um batalhão de jornalistas, câmaras fotográficas e de TV, deu uma autorização inédita: a cara de Cristianinho podia surgir sem filtros.
Confirma-se o clichê de que um filho muda um homem. Mas Cristiano Ronaldo também alivia um peso sobre os ombros. Com aparições públicas tão descontraídas e engraçadas do pequeno, ninguém se lembra de voltar às especulações acerca de quem é a desconhecida mãe da criança, rumores que muito trabalho deram a Osório de Castro, o advogado de CR7, na apresentação de queixas-crime contra jornais e revistas.
Em circuito fechado
Numa flash interview, após a gala de entrega da Bola de Ouro 2013, um humilde Cristiano Ronaldo, que não é “de ferro”, acrescentou um agradecimento: “À equipa que toma conta de mim.” Jorge Mendes, o seu omnisciente empresário, que tudo supervisiona a partir da empresa-mãe do império que construiu, a Gestifute, encontra-se à cabeça desses cuidadores. Que, aliás, são poucos. O n.°2 é Luís Correia, sobrinho de Mendes, que toma conta da Polaris Sports, o braço para o marketing e gestão de imagem dos clientes da Gestifute. Há, depois, Pedro Moreira dos Santos, Bárbara Vara e os ex-jornalistas Manuela Brandão e Jorge Monteiro, que se juntam a Miguel Marques, assessor financeiro, e ao advogado Osório de Castro.
Discrição é mesmo a palavra que melhor se aplica à equipa que gere a máquina CR7. “Nós preferimos não aparecer, o palco é dos artistas, não é nosso”, diz à VISÃO Luís Correia, para justificar a recusa de prestar declarações ou ajudar a destapar um pouco o véu sobre o team que cuida de carreiras mediáticas. Licenciado em Economia, sabe-se, por exemplo, que foi Luís Correia quem, recentemente, tratou da negociação dos direitos de imagem do surfista Tiago Pires e do tenista João Sousa, como já o havia feito com o piloto Álvaro Parente.
Mas o pacto de silêncio (ou a alma do negócio…) entre todos os elementos da Gestifute parece ser a toda a prova. Nem de ex-jornalistas como Manuela Brandão e o repórter-fotográfico Jorge Monteiro, contratados, em 2005, para gerirem o site de notícias da empresa, o Gestifute Media, e que Jorge Mendes conheceu quando ambos faziam parte dos quadros do diário desportivo O Jogo, cobrindo, então, o dia a dia do FC Porto, se arranca seja o que for. Hoje, fazem parte do núcleo restrito de amizade de alguns jogadores, em que se inclui, claro, Cristiano Ronaldo. Quando CR7 estava ainda ao serviço do Manchester, foram autores do livro Momentos, lançado em 2007, com prefácio de Sir Bobby Charlton, e que, não sendo propriamente uma biografia, revelava histórias do jovem craque desde a infância até ao estrelato. E, daí para cá, Jorge Monteiro tornou-se numa espécie de fotógrafo oficial de Ronaldo, acompanhando-o em todas as cerimónias ou acontecimentos oficiais. À imagem do Presidente da República, Cavaco Silva, e do primeiro-ministro, Passos Coelho, que também os têm, por inerência dos cargos…
Por falar de Cavaco Silva: na próxima segunda-feira, 20, o PR agraciará Cristiano Ronaldo com a Ordem do Infante. Será que Cristianinho abrilhantará a cerimónia? Aceitam-se apostas.
Nos píncaros
Um estudo agora divulgado, da autoria de Daniel Sá, docente do IPAM-The Marketing School, que escrutinou “seis dimensões” (receitas, media, net, palmarés, redes sociais e impacto enquanto celebridade), com “26 variáveis”, conclui que a “marca Ronaldo” está, atualmente, avaliada em 43 milhões de euros. Mas avança que, nos próximos 12 meses, a sua valorização aumentará entre cinco e sete milhões de euros. Assim, Cristiano Ronaldo pode atingir a fasquia dos 50 milhões de euros, tornando-se no futebolista mais valioso do mundo.
Esta é também uma boa notícia para uma parceira da Gestifute/Polaris – a Creative Artists Agency (CAA), um dos colossos norte-americanos da gestão de carreiras e imagem, com sede em Los Angeles. CR7 é hoje o cliente internacionalmente mais conhecido, no departamento de Desporto da CAA, que agencia atores como George Clooney ou Meryl Streep, músicos como Bruce Springsteen ou Shakira, e estrelas de TV como Oprah Winfrey ou David Letterman. A lista é tão extensa quanto demolidora.
Ao fim e ao cabo, não é de admirar que Joseph Blatter, o poderoso presidente da FIFA, se tenha desdobrado em pedidos de desculpas a CR7. Em outubro passado, numa conferência na Oxford Union Society, em Inglaterra, Blatter levantou-se da cadeira e, numa mímica algo grotesca, retratou Cristiano Ronaldo em tom jocoso. Enquanto elogiava Messi (“O bom rapaz que todos os pais sonham ter em casa”), dizia de CR7 que, em campo, parece um “comandante militar”, e que “gasta mais dinheiro com o cabeleireiro” do que o seu preferido argentino. Pagaria a duvidosa brincadeira com língua de palmo.
O mesmo aconteceu com a Pepsi, que, em novembro último, nas vésperas do decisivo jogo da 2.ª mão dos play-off de acesso ao Mundial’2014, lançou uma campanha na Suécia, através de fotos que mostravam um boneco vestido com as cores da seleção das quinas e o número 7 (de Cristiano Ronaldo), amordaçado e amarrado a uma linha de comboio, para justificar a frase “Vamos passar por cima de Portugal”. Noutras imagens, CR7 aparecia com a cabeça esmagada por uma lata da bebida ou transformado em boneco de vudu. Em campo, Cristiano respondeu com um hat-trick, na vitória da seleção portuguesa por 2-3.
Também desdobrando-se em desculpas, a Pepsi lá seria perdoada pelo craque. Mas com um preço: financiar, em parceria com Ronaldo, uma nova residência para a Casa dos Rapazes. A instituição era um dos sítios onde estar, na passada segunda-feira, para assistir ao desfecho da gala da Bola de Ouro. E a VISÃO esteve.
Rodrigo, chamemos-lhe assim, tem 11 anos e faz questão de nos servir de guia, naquele estreito corredor de um rés-do-chão de Marvila, em Lisboa. Está ali há dois anos e, apesar de saber que vem aí uma casa nova, mostra-se muito orgulhoso do seu quarto: além de um marsupilami, tem um astronauta, pintado no teto. Acompanham-nos ainda paredes cheias de frases inspiradoras: “Somos do mesmo tecido de que são feitos os sonhos”, de William Shakespeare. Ou: “O verdadeiro homem mede a sua força quando se defronta com o obstáculo”, de Saint Exupéry. Não podiam vir mais a propósito, para suavizar um pouco o nó que cresce na garganta, depois de o ouvir confessar: “Sabes, a minha mãe abandonou-me…”
É fim da tarde e o rapaz há de juntar-se ao resto dos colegas, reunidos em volta do televisor. Falta pouco para se saber se o mais recente maior amigo da casa, Cristiano Ronaldo, é eleito o melhor jogador do mundo. Os mais pequenos não descolaram os olhos das imagens da gala, desde o início da transmissão. Os mais velhos entram e saem da sala, a tentar esconder o nervosismo. “Chamem-me quando for a hora”, pede um deles.
Assim que Pelé se prepara para fazer o anúncio mais esperado, cai um imenso silêncio. Devagar, o antigo jogador brasileiro abre um enorme sorriso, depois de espreitar o cartão com o nome do vencedor da Bola de Ouro. Quando começa a dizer “Cris…”, já não o ouvimos. A plateia explodiu em emoção: “…tiano Ronaldo!”
É uma vitória que ali tem um sabor ainda mais doce, desde que o craque anunciou, há uma semana, a sua intenção de ajudar a construir uma casa nova para aqueles rapazes. “Foi o nosso presente de Natal”, confidencia Mariana Rodrigues, a diretora executiva da instituição. A boa nova estaria a ser cozinhada desde o início de dezembro, com a Pepsi a querer retratar-se do muito infeliz episódio sueco.
A Casa dos Rapazes, organismo da Segurança Social que acolhe jovens dos 6 aos 18 anos, cuja vida tomou rumos difíceis, foi obrigada a instalar-se provisoriamente em Marvila, em 2005, quando um incêndio destruiu o Convento de Salvador, em Alfama, o seu lugar inicial. “Faltavam-nos 150 mil euros para completar o projeto novo”, diz a diretora. Vão mudar-se para Cascais, onde os esperam duas casas contíguas, rodeadas de um pequeno espaço ao ar livre, cedidas pela autarquia.
Foi Bárbara Vara, da Polaris Sports, quem contactou com a instituição. “Não podíamos ter ficado mais contentes”, diz a diretora.
A casa nova só deverá ficar pronta daqui a um ano, mas esta é já uma história feliz que vai estar em muitas mãos, através da edição especial de 10 487 289 copos, o número de habitantes no País. Em cada um, apresenta-se o projeto que uniu Ronaldo e a Pepsi, com a assinatura casadosrapazes.pt, e uma frase: “Porque em Portugal uma ação vale mais que mil palavras.”
De negócio em negócio
É bonito, o episódio da Casa dos Rapazes, mas Ronaldo e Jorge Mendes continuam ferozes nos negócios. À exceção, claro, da pechincha que foi o contrato com o BES, em 2003, que contratou Cristiano, para dois anos de anúncios, por 250 mil euros. Recentemente, em Madrid, o administrador do BES Joaquim Goes revelou, na renovação do contrato de patrocínio com CR7, que os produtos de poupança promovidos pelo jogador somam hoje 5 mil milhões de euros. E isto só em Portugal, porque Ronaldo cedeu também àquele banco, a partir de 2009, exclusividade na utilização da sua imagem no setor de serviços financeiros em Espanha.
Outra parceria antiga é com a Nike, que, em 2009, renovou o contrato com o craque português por valores da ordem dos 6 milhões de euros, acabando, assim, com o assédio da Adidas e tornando-o no futebolista mais bem pago entre os seus patrocinados. Aliás, a nova versão das Mercurial, as mais famosas botas de futebol da Nike, foi totalmente inspirada em Cristiano Ronaldo. As Mercurial IX CR7 incluem, no seu design, um padrão de sete estrelas, em homenagem ao número usado por Cristiano nos relvados. Foi também com o símbolo da Nike que Ronaldo apresentou um coleção completa de sportswear com o seu nome.
A moda é uma das paixões do jogador, que já deu a cara por marcas como a Armani ou a Dolce & Gabana. Agora, cumpriu o sonho de ter uma marca sua de roupa interior masculina, em parceria com o estilista nova-iorquino Richard Chai.
Mas o portfólio publicitário de Cristiano Ronaldo é bem mais vasto. Dos champôs Linic ao jogo eletrónico Pro Evolution Soccer, a procura dos seus serviços é intensa. Os últimos a conseguirem-nos foram a Herbalife e a marca de pão Bimbo, que o contratou para substituir… Messi. Mas a taça vai mesmo para a Samsung, que tem já preparado um anúncio, a lançar durante o Mundial do Brasil, no qual junta Messi e Ronaldo num jogo frente a invasores alienígenas.
E, em dezembro último, a Viva Superstars, empresa criada em parceria por Ronaldo, pela Polaris Sports, e pela bViva, avançou com uma rede social para os fãs de Cristiano. A Viva Ronaldo (www.vivaronaldo.com) é a plataforma da comunidade virtual de CR7, que está disponível, também, para smartphones, permitindo acompanhar, em tempo real, as partidas de Cristiano, e participar em concursos para ganhar camisolas ou bilhetes para jogos do português. A ideia da Viva Superstars é agregar milhões de fãs numa única plataforma.
A ‘maldição’ da Bola de Ouro
Nas redes sociais, Ronaldo apresenta números estratosféricos (ver infografia), a começar pelo Facebook, onde possui mais de 70 milhões de fãs. O FB serve a CR7 para quase tudo, incluindo a publicação de selfies românticas com a sua namorada de há quase quatro anos, a modelo russa Irina Shayk, sempre que surgem rumores de alegadas infidelidades do craque, que é preciso desmentir. Irina, 28 anos, segue em frente: entrou em 2014 mostrando fotos ousadas da sua nova linha de swimwear (biquínis e fatos de banho), a segunda que assina para a luxuosa marca norte-americana Beach Bunny. O difícil relacionamento da modelo com Dolores Aveiro, mãe de CR7, e Kátia, irmã mais vellha de Ronaldo, é, no entanto, tido como um facto que, aliás, muito incomoda Cristiano.
Mas CR7, que é algo supersticioso, tem maiores preocupações. Segundo a tradição, nunca, até hoje, um “Bola de Ouro” conseguiu ser campeão do mundo pela sua seleção, no ano em que ganhou o troféu. No entanto, antes da Copa, Ronaldo, competitivo como poucos, tem um desafio enorme para enfrentar. Mais do que a Liga espanhola, os adeptos do Real Madrid, e o seu presidente, Florentino Pérez, exigem à equipa, esta época, a conquista da décima Taça dos Campeões Europeus da história do clube. Se alcançar a final da Champions, o Real entrará no relvado do Estádio da Luz, para a disputar, a 24 de maio. Em caso contrário, aposta-se, de pouco valerá a CR7 a posição de quarto melhor marcador do clube, desde sempre.
Contemporizador será, pela certa, José Luís Guerrero, jornalista do diário desportivo espanhol Ás, que habitualmente cobre o dia a dia do Real Madrid. Guerrero jamais viu em Ronaldo um indivíduo frio e distante, como certa imprensa o catalogava. “Cristiano nunca foi arrogante. O que acontecia é que era frequentemente mal interpretado.” Chegado ao Real em 2009, com uma cláusula de quase 100 milhões de euros (ainda hoje recorde mundial), Ronaldo, diz o jornalista, “teve a capacidade de saber ouvir as críticas e mudar até um pouco a sua forma de jogar, e de se comportar, dentro e fora do campo, para facilitar a integração”. Guerrero define-o mesmo como um “jogador politicamente correto”, que se relaciona bem com os colegas, com a equipa técnica e com todos os funcionários do clube. O jornalista conta, por exemplo, um episódio ocorrido num estágio de pré-temporada, ainda Mourinho era técnico do Real. “No primeiro dia de descanso, depois de intensas sessões de treinos, Ronaldo foi a um centro comercial da cidade e comprou um iPad para cada um dos elementos do corpo clínico, médicos, massagistas… para todos, como forma de agradecimento pelo trabalho que faziam. Um gesto que mostra a sua forma de estar.”
E na seleção? O chef Hélio Loureiro, responsável pela ementa dos jogadores, diz que CR7 “é, sem dúvida alguma, um dos atletas mais simples e menos complicados na alimentação, uma pessoa com quem se gosta de estar a conversar, que agradece sempre com um sorriso amável”. O menino pobre da freguesia de Santo António, Funchal, nascido a 5 de fevereiro de 1985, e que veio com 11 anos para o Sporting, vivendo em Lisboa horrores de saudade da família e amigos, tem no bacalhau à Brás o seu prato preferido. Mas jamais impôs o seu estatuto para pedir ou propor a iguaria de que gosta, nos estágios da seleção. Palavra de chef Hélio.